quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Autobiografia de Irundy Dias ( p 44 )

Entrecortando palavras a meio tom para que a turma não ouvisse o nosso diálogo, resolvi então demonstrar ao pessoal a maneira pela qual se extraia a raiz cúbica de qualquer número, pelo processo usual e outro pela fatoração.
Para Noélia, com aquela gravidez à vista, o pior era todos os dias , subir e descer dos ônibus, sujeita e tomar algum empurrão.
Ao final do curso, recebemos os nossos certificados e ao retornar a Poções, ficamos aguardando o reinício das aulas. Noélia todos os dias queixava-se de alguma coisa. A barriga doía constante e diuturnamente. Mas os dias de fevereiro passaram e as aulas recomeçaram em março. Nos primeiros dias, logo após o almoço, íamos como sempre, andando, desde a Rua Olimpio Lacerda Rolim, até chegar ao prédio da CNEC, passando pelo  futuro Hospital e os alicerces do também futuro clube social. Era uma caminhada ingrata, principalmente para Noélia, logo após o almoço, ter que se deslocar naquele bom pedaço de terra. A queixa era a mesma . Abarriga doía intensamente.
Então na tarde ensolarada do dia dedicado a São José, ou seja em 19 de março, já com seis meses de gravidez, partimos para mais um dia de aulas e aí a coisa pegou. Logo ao terminar a primeira aula da tarde, chegando à sala dos Professores, mais uma vez Nó chegou queixando-se do aumento das dores. Pedi a alguém que nos levasse em casa de automóvel, pois o estado de Noélia já estava inspirando cuidados médicos. Mandamos chamar o Dr. Aloísio Rocha, que um pouco mais das 16 horas, chegou lá em casa, acompanhado de sua assistente. Logo nos primeiros exames, ele concluiu, que Nó estava em trabalho de parto prematuro. Em cinco minutos depois, surgiu um menininho morto, com cerca de 20 cm de comprimento, embora totalmente perfeito. Alguns segundos depois ,a enfermeira que o acompanhava, constatou, que ainda havia outra criança a nascer. Depois de mais uns cinco minutos, apareceu outro menino, todo arroxeado, embora vivo. Não chorou a principio, mas após umas palmadinhas e imersão em água morna, ele esboçou aquele chorinho tímido.
Dr. Aloysio nos aconselhou a coloca-lo no berço das meninas, todo envolto em grande quantidade de algodão para ficar bem aquecido, mas ao sair não deu nenhuma esperança de sobrevida.
De fato, como previra, a criancinha resistiu até às 21 horas.
Ela chorou, mas comentando nos dias seguintes, o que de fato sucedera, chegamos a conclusão, que os nossos filhos gêmeos, não resistiram aquele impacto diário, da subida e descida dos ônibus em Salvador. Lá se foram duas vidas, inteiramente dedicadas à educação desta cidade de Poções. O garotinho que nasceu vivo, foi registrado com o nome de José e pela primeira vez sentimos de perto a perda de alguém retirado das entranhas de nossas carnes. Mas as nossas duas princesinhas Sybele e Mercês, estavam ali  para exaltarmos mais ainda o nosso amor.
Aos poucos fomos nos acostumando com a perda e verificamos que em todas as famílias existem tais vexames.

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terça-feira, 10 de setembro de 2013

Autobiografia de Irundy Dias ( p 43 )

O Sr. Jambinho, meditou um instante  naquela pergunta à queima roupa, que Noélia fizera e respondeu sincera e incisivamente:
---“ Ouça, bem! Pedro como fazendeiro e negociante, sempre se mostrou como pessoa séria. Agora, se ele vai ser um bom prefeito, eu não garanto. Mas vamos dar-lhe uma chance e ver o que ele poderá fazer por Poções.”
Particularmente, como nunca acreditei nos políticos locais e pior ainda nos sugadores de votos que vem de outras bandas para chegar aqui ,prometer e nada cumprir. Apesar, também, das palavras do meu sogro, acompanhei o início da campanha política ,com as minhas reservas pessoais.
Na  Câmara, as sessões continuavam ainda em ritmo sereno.
No colégio, as aulas começaram tranquilas e sem problemas políticos a interferir.
No consultório, de  vez em quando,  apareciam aqueles clientes das roças, vizinhas à Cidade, que chegando na  sexta feira pela manhã, desejavam suas dentaduras prontas, no mais tardar no domingo á tarde.
Mas no campo esportivo, aquele ano de 1966, já nos preparava algo de tenebroso. A oitava copa do Mundo de futebol, seria realizada na Inglaterra e algo estava preparado contra o Brasil. Éramos bicampeões mundiais na sequência de 1958 e 1962 e se tornássemos a vencer, estaríamos definitivamente de posse da Taça Jules Rimet. Então, a lógica principal era “caçar” Pelé em campo e depois “cuidar” dos outros. E o esquema foi tão bem montado que o Brasil só conseguiu ganhar a primeira partida, perdendo às outras duas e fragorosamente derrotados, voltamos para casa mais cedo. Os donos da casa armaram o resto e na final venceram os alemães. Naquela única vez, a Inglaterra conseguiu ganhar o “caneco”
Adaptadas já ao ensino do Grupo Escolar Alexandre Porfírio, Sybele e Mercês, receberam o reforço particular das jovens professoras Áurea Lucia Luz Martins e Cleide Soares Andrade, que muito contribuíram no aprendizado de nossas duas filhas. O interessante neste esquema, é que , estando Mercês com seis anos, ainda levava escondido em seus pertences escolares, um bico, que era chupado gostosamente nos intervalos das aulas, sem que ninguém soubesse. É claro que Sybele sabia do que acontecia e ambas guardaram em segredo esse fato por anos a fio.
As eleições aconteceram e à pedido do Sr. Jambinho, votamos no Sr Pedro Alves Cunha, que venceu folgadamente a eleição.
Chegando ao final do ano e Noélia grávida com três a quatro meses, recebemos nova comunicação da Campanha Nacional de Educandários da Comunidade(CNEC), já com o nome trocado, para nos apresentarmos em Salvador, para o novo curso de reciclagem do CADES,(Curso de Aperfeiçoamento do Ensino Secundário).


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O curso seria gratuito, mas a viagem e a hospedagem seriam por conta dos professores que quisessem ir até Salvador. Então em grupo, fomos apelar para o prefeito Aníbal Gonçalves de Carvalho que alegou que estando já de saída com o seu mandato expirado, não poderia dar nenhuma ajuda. Por outro lado o  recém eleito prefeito Pedro Alves Cunha, disse que iria ainda verificar as condições financeiras do Município de não poderia antecipar qualquer gasto. Era assim, minha gente, que funcionava o esquema de ajuda ao ensino. Um político empurrava para o outro. Quando vimos que nenhuma ajuda iria partir dos poderes públicos, fizemos um contato geral com os Professores e mais uma vez a Professora Maria da Glória Macedo da Conceição, a  Professora Noélia Gusmão Alves Dias e  eu. fomos até a Capital do Estado participar de um novo curso e ressalte-se bem, tudo por nossa conta. Na residência da minha tia Edith, com a qual convivi por muitos e muitos anos, garantimos a nossa dormida. A fim de garantir o nosso sustento e não ficarmos PESADOS às despesas da casa, comprávamos os mantimentos necessários, na ajuda do café da manhã, almoço e janta.
O curso  foi ministrado no Colégio Central, pertencente ao Estado e situado na Avenida Joana Angélica, para onde nos deslocávamos duas vezes ao dia, subindo e descendo naqueles
ônibus mal cheirosos da municipalidade.

A primeira aula do dia, era realizada com a presença de todos os participantes do curso oriundos de todas as partes da Bahia.
O Sr. Jambinho, meditou um instante  naquela pergunta à queima roupa, que Noélia fizera e respondeu sincera e incisivamente:
---“ Ouça, bem! Pedro como fazendeiro e negociante, sempre se mostrou como pessoa séria. Agora, se ele vai ser um bom prefeito, eu não garanto. Mas vamos dar-lhe uma chance e ver o que ele poderá fazer por Poções.”
Particularmente, como nunca acreditei nos políticos locais e pior ainda nos sugadores de votos que vem de outras bandas para chegar aqui ,prometer e nada cumprir. Apesar, também, das palavras do meu sogro, acompanhei o início da campanha política ,com as minhas reservas pessoais.
Na  Câmara, as sessões continuavam ainda em ritmo sereno.
No colégio, as aulas começaram tranquilas e sem problemas políticos a interferir.
No consultório, de  vez em quando,  apareciam aqueles clientes das roças, vizinhas à Cidade, que chegando na  sexta feira pela manhã, desejavam suas dentaduras prontas, no mais tardar no domingo á tarde.
Mas no campo esportivo, aquele ano de 1966, já nos preparava algo de tenebroso. A oitava copa do Mundo de futebol, seria realizada na Inglaterra e algo estava preparado contra o Brasil. Éramos bicampeões mundiais na sequência de 1958 e 1962 e se tornássemos a vencer, estaríamos definitivamente de posse da Taça Jules Rimet. Então, a lógica principal era “caçar” Pelé em campo e depois “cuidar” dos outros. E o esquema foi tão bem montado que o Brasil só conseguiu ganhar a primeira partida, perdendo às outras duas e fragorosamente derrotados, voltamos para casa mais cedo. Os donos da casa armaram o resto e na final venceram os alemães. Naquela única vez, a Inglaterra conseguiu ganhar o “caneco”
Adaptadas já ao ensino do Grupo Escolar Alexandre Porfírio, Sybele e Mercês, receberam o reforço particular das jovens professoras Áurea Lucia Luz Martins e Cleide Soares Andrade, que muito contribuíram no aprendizado de nossas duas filhas. O interessante neste esquema, é que , estando Mercês com seis anos, ainda levava escondido em seus pertences escolares, um bico, que era chupado gostosamente nos intervalos das aulas, sem que ninguém soubesse. É claro que Sybele sabia do que acontecia e ambas guardaram em segredo esse fato por anos a fio.
                                   
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As eleições aconteceram e à pedido do Sr. Jambinho, votamos no Sr Pedro Alves Cunha, que venceu folgadamente a eleição.
Chegando ao final do ano e Noélia grávida com três a quatro meses, recebemos nova comunicação da Campanha Nacional de Educandários da Comunidade(CNEC), já com o nome modificado , pois no decorrer dos anos eles verificaram que de gratuito nada tinha a ver com o nome.                                                               
O curso seria realizado em Salvador no Colégio Central, situado a Avenida Joana Angélica, de forma gratuita, mas os professores interessados teriam que pagar as suas viagens e suas hospedagens. Então tentamos apelar para a ajuda da Prefeitura. O Prefeito Aníbal Gonçalves de Carvalho, alegou que tendo expirado o seu mandato, não poderia dar nenhuma ajuda e isso competia ao recém eleito. Por outro lado o novo prefeito Sr. Pedro Alves Cunha, disse-nos que ainda iria olhar a situação financeira do Município e somente a partir daí é que poderia tomar uma posição. É claro que o curso começaria logo e não ficaríamos a espera dos prefeitos resolverem, naquela situação de um empurrar para o outro.
Vocês que estão lendo essas páginas, imaginem como sempre foi o ensino em Poções, dependendo desses figurões. Realizada a reunião somente três professores, nas pessoas de Maria da Glória Macedo Da Conceição, Noélia Gusmão Alves Dias e eu, resolvemos enfrentar por nossas  próprias contas, as despesas de transporte e hospedagem. Noélia e eu, ficamos abrigados na residência de tia Edith, situada a Rua do Alvo, zona da Saúde, onde convivi naquele local, cerca de 11 anos. Duas vezes por dia, íamos naqueles ônibus mal cheirosos, apinhados de gente, onde Noélia com a sua barriguinha de gravidez, já meio crescida, ficava exposta a empurrões daqueles mal educados que surgiam no interior do veículo.
A primeira hora do curso reunia todos os professores oriundos de todas as partes da Bahia, onde havia cânticos, pequenas palestras e um esquema de preparativos para animar o pessoal. Depois então, os professores, em suas respectivas disciplinas, seguiam as suas salas e ali participavam de toda a revisão dos conteúdos. Na minha sala de Matemática, quem ministrava o curso, era um senhor de meia idade, com aproximadamente uns 50 anos. Moreno de cabelos mais pretos do que grisalhos, desenvolvia a disciplina com uma desenvoltura fantástica. Possivelmente pelos anos de experiência que trazia em sua bagagem.
Num certo dia, pela manhã, ele chegou na sala e  repentinamente perguntou:
“---Qual dos meus colegas aqui presentes, pode me dizer, qual é a raiz cúbica de 1728 ?”
Timidamente, lá do fundo da sala, levantei-me e ergui o braço esquerdo( por ser canhoto de natureza). Ao me ver, ele me chamou até a sua presença, e me perguntou nome, a cidade de onde viera, aquelas coisinhas sutis, para me deixar mais a vontade, na frente de mais de quarenta professores de todas as regiões da Bahia. Aí ele falou:
“---Então o senhor sabe extrair a raiz cúbica de 1728 ?
--- Sei e de duas formas diferentes--- respondi quase a queima roupa.
Por coincidência do destino, quase ao final do ano letivo da segunda série ginasial, eu lecionara a minha turma, como se deveria extrair raiz cúbica em duas formas diferentes e aí não deixei escapar a oportunidade, para fazer logo o meu nome junto a todo aquele pessoal:
--- Primeiramente vou a dar a resposta do que o senhor perguntou. A raiz cúbica de 1728 é 12.
Se o senhor me permite, vou explicar então, os dois processos de como achar a resposta.”
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