terça-feira, 30 de julho de 2013

Autobiografia de Irundy Dias ( página 19 )

E Poções minha gente?  Como é que andavam as coisas por aqui?
Pelo que me consta em pesquisas feitas, vamos separar por setores;
Citei em linhas atrás que no período noturno, só havia energia das 18 às 24 horas e quando faltavam dez minutos para encerrar-se o serviço, um aviso de piscar de lâmpadas era o suficiente para que os poucos habitantes que o utilizavam se preparassem para dormir.
Mas durante o dia, como é que as coisas funcionavam? Como o serviço interno era precário, a população, a despeito do transporte horroroso e das estradas em péssimas condições de tráfego, possuíam ainda duas opções: seguir à esquerda para Vitória da Conquista, a fim de superar 65 km de terreno encascalhado e esburacado, ou à  direita, indo a Jequié com quase 90 km pela frente, nas mesmas condições e ainda com as curvas existentes. Entre um lado e outro, a preferência sempre coube ao vizinho mais próximo.
Entretanto, quando as minhas viagens estudantis começaram, não tinha alternativa. Minha rota era sempre a de Jequié, onde depois de dois a três dias, partindo de Iguaí,  tomava sempre aquele velho trem poeirento, seguindo até Nazaré e mais, tarde ao porto de São Roque.
Nesse roteiro que estou descrevendo, o prezado leitor deve encarar, sempre o tempo seco, sem chuvas, pois se observar o tempo chuvoso as estradas ficam enlameadas e com maior quantidade de buracos, onde os caminhões caiam dentro deles, aumentando ainda mais, o tempo da viagem. Hoje, pela televisão, nós assistimos quase que diariamente, a dificuldade que muitos habitantes do nosso querido Brasil, ainda passam por esse interior aí afora, Pegue então esse retrato e mire por uns instantes a nossa precariedade naquele tempo. Poções era isso, ou pior.
No setor da Educação, era uma lástima. Mal, mal, Poções possuía uns dois educandários a nível estadual dentro da sede, porque os seus distritos principais ,como Ibicuí, Iguaí e Nova Canaã eram desprovidos de tudo. Funcionavam umas poucas escolinhas em caráter particular e sorte daqueles que conseguiam uns bons educadores.
Na saúde, o serviço era precaríssimo, mas tão precário, que só  para encurtar a história, façam as contas comigo; Papai, que residia com  a nossa família em Iguaí, foi nomeado médico do posto de saúde de Poções  em 1949. Em 1950, a nossa família veio de muda para cá. Vejam bem agora. Anos mais tarde, quando a CNEC  começou a funcionar no prédio, onde hoje é O Grupo Escolar Luiz Heraldo Curvêlo, Nó e eu, íamos à pé, passando em frente ao Hospital Regional,  construído no Governo do Presidente Eurico Gaspar Dutra(1945),que por descaso das autoridades, ficou relegado anos e anos, servindo de habitação para mendigos numa PROMISCUIDADE á toda a prova.

PROMISCUIDADE: convivência muito estreita com pessoas de toda espécie, em que há alguma forma de degradação moral.

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Autobiografia de Irundy Dias ( p 34 )

Affonso  foi considerado como um dos melhores poetas líricos  da Bahia. Teve por infelicidade uma vida adulta, repleta de altos e baixos. Ainda no vigor da adolescência, frequentava um submundo hostil, inseguro e sem futuro. Casou-se com uma moça do mesmo time e levou uma vida de ócio, de drogas, de bebedeiras e de perseguições. Como disse, de uma cultura privilegiada que se submetendo a um concurso de caráter nacional, foi aprovado em segundo lugar no Brasil, para exercer um cargo nos Correios e Telégrafos. Seguiu então, a partir daquela data, ao Rio de Janeiro, pois o cargo que iria ocupar era de alta confiança, junto aquela  Instituição. Alguns meses depois, trabalhando com muita convicção do que fazia, subiu rapidamente de posto. Mas aí, reapareceu o outro lado da moeda, que há algum tempo havia deixado em Salvador. Voltou às bebedeiras e drogas, chegando ao ponto de sair à rua, completamente nu, numa das ruas do Rio de janeiro, refugiando-se numa Igreja, de onde só saiu levado numa ambulância pra uma Casa de Saúde. Daí para frente, tudo o mais degringolou. Com mais algum tempo de convivência inamistosa, a esposa concedeu-lhe mesmo assim, um desquite amigável. Affonso desligado dos Correios, foi logo aposentado por incapacidade mental. Regressou a Poções e ficou residindo definitivamente com nossos pais. Então, como não estava exercendo atividade nenhuma  limitado apenas a escrever os seus poemas, o Grupo da Direção da Fundação Ginásio de Poções, resolveu convoca-lo para um período de experiência e isso resolveu a contento a preencher a lacuna que havia no quadro do corpo docente. Mas o que é bom, dura pouco, volta e meia, Affonso se entregava às “bebedeiras” com os “amigos”, vindo a constantemente faltar as aulas.Com isso, foi necessário o seu afastamento, pois a sua imagem iria ser denegrida aos olhos da população
Quanto à Câmara de Vereadores, continuava com aquela mesma sonolência. O Presidente, Sr. Aníbal Gonçalves de Carvalho, Papai e o vereador Diolino Xavier Luz, eram os únicos a frequentar assiduamente as sessões. Uma vez ou outra, os demais vereadores compareciam, pois todos estavam cientes que pela Lei, aquele que faltasse a quatro sessões consecutivas, automaticamente perderia o mandato. Mas era um vicio já enraizado e por isso mesmo, os projetos oriundos do Executivo Municipal, permaneciam engavetados. Caso o Sr. Olímpio Lacerda Rolim, Prefeito de então, necessitasse de uma aprovação urgente dos seus projetos encaminhados à Câmara, mandava recados, pedindo o comparecimento maciço e aí os projetos teriam um TRÂMITE legal. Por outro lado, os governadores da época, não olhavam as cidades de pequeno e médio porte, com bons olhos, com assistência educacional de péssima qualidade, falta de estrutura no setor de saúde, com deficiência visível nos setores sociais, de transporte, de segurança pública e demais serviços e nesse lamaçal de descaso convivi de perto por muitos e muitos anos.

Desculpem o desabafo, mas foi a nua e crua realidade.

TRâMITE: caminho com rumo determinado. Procedimento ou etapa apropriada que se segue de forma progressiva e rotineira por um processo administrativo.



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Autobiografia de Irundy Dias ( p 33 )

Nos primeiros dias do curso, ficamos sabendo que as aulas seriam ministradas por professores vindos de Campinas- São Paulo e eles iriam obedecer rigorosamente o horário colocado no quadro de avisos, onde se lia: Manhã: aulas das 08  às 12 com um pequeno intercalo de 15 minutos para merenda. Depois do almoço as aulas seriam ministradas das 14 às 18 horas, com um outro intervalo de quinze minutos para nova merenda e descanso rápido. Só haveria um descanso semanal aos domingos.
No meado do curso ,quando todos os “ alunos-professores”, estavam entrosados uns com os outros e com os próprios ministrantes, houve um sorteio em minha sala de Matemática, para que alguns de nós escolhêssemos qualquer ponto do programa da terceira série ginasial, para já irmos treinando a fim de encararmos a futura turma de alunos que fosse aprovada nos exames de admissão . Escolhi o assunto sobre triângulos e ministrei a minha aula tranquilamente, como sempre o fiz em Poções, sem demonstrar o mínimo de nervosismo. As perguntas dos alunos-professores colocavam qualquer um com nervosismo à flor da pele, caso não dominasse mesmo o assunto que fora escolhido.
A saudade das nossas  meninas aumentava a cada dia, mas em compensação era menos um dia, longe delas.
HOJE EM DIA, NÃO SEI SE OS PAIS COM FILHOS TÃO PEQUENINOS TÊM A CORAGEM DE DEIXÁ-LOS LONGE DE SI, PARA ATENDER A UMA ORDEM DAQUELAS. FOI MUITO SACRIFÍCIO E ABNEGAÇÃO PARA NÓS  E ACREDITO QUE GRANDE PARTE DA POPULAÇÃO DE POÇÕES, NÃO SABE DO BEM QUE FIZEMOS, PARA QUE ESSA CIDADE TIVESSE O ENSINO QUE TEVE, AO FINAL DA DÉCADA DE 50 E INÍCIO DA DÉCADA DE 60.
FELIZMENTE O TEMPO PASSOU  E REGRESSAMOS CIENTES DO DEVER CUMPRIDO.
Em meados de fevereiro houve o exame de admissão para ingresso da terceira turma e ao iniciar-se as aulas em março tivemos repentinamente duas alterações temporárias no corpo docente.
Affonso , meu irmão, foi chamado para lecionar História, em substituição a esposa do Diretor José Carlos.
Eu fiquei durante quinze dias, ocupando a cadeira de Ciências, pois o professor da referida disciplina, Dr. Antônio Rocco Libonati, teve que ausentar-se da Cidade, para participar em Salvador, de um Congresso de Medicina.
Sei que não fiz uma substituição a altura nas aulas de Ciências, poia minha queda foi sempre Matemática, entretanto não recebi queixas nem por parte dos pais, e muito menos dos alunos. Isso veio significar que o Papai aqui, deu conta do recado com toda a dignidade.

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quinta-feira, 25 de julho de 2013

Autobiografia de Irundy Dias ( página 27 )

O eclipse total do sol em 1947 despertou o interesse de institutos devido a algumas particularidades que este evento possuiu que ocasionou o envio de expedições das mais distintas nacionalidades ao Brasil. A faixa de totalidade ia cruzar cidades brasileiras que ofereciam opções de acesso a bons pontos de observação ( os quais ainda   passariam por estudos mais detalhados), e que tinham, ao menos a maioria, pontos meteorológicos que podiam fornecer os históricos climáticos das regiões que eram cogitadas como possíveis locais para os cientistas
das regiões que eram cogitadas como possíveis locais para os cientistas ficarem instalados


Aí por volta de  novembro de 1947, surgiu  a notícia de que seria construído o Estádio da Fonte Nova, num local próximo ao Dique do   Tororó.  Salvador estava mesmo precisando de um estádio de futebol, maior. O único existente fora construído há muitos anos atrás, no bairro da Graça e já não acomodava suficientemente os torcedores, principalmente com jogos amistosos, contra times do Rio de Janeiro ou de São Paulo. Certa feita fui assistir um jogo entre Fluminense do Rio de Janeiro e o Galícia da Capital, que fiquei muito mal acomodado, com tal quantidade de pessoas que foram ao Estádio da Graça.

Na área que resolveram fazer a construção do novo estádio, era um local que sempre nos servia para os babas  dos estudantes e dos moradores daquela região.

Não sei explicar ao certo se naquela tarde, tive muita sorte ou muito azar. O nosso joguinho de futebol  transcorria bem normal, quando repentinamente, ao dar um chute na bola com o meu pé esquerdo, senti  o  mesmo pesado. Sentei-me ao chão e fui olhar o pé. O que nós vimos e todo  mundo ficou estarrecido é que um prego enorme que o pessoal chamava de “prego cabral”, com cerca de 10 a 15 centímetros, de comprimento, estava enfiado na sola do meu pé, debaixo da pele, paralelamente entre ela e os músculos. Os colegas do baba prontificaram-se a retirar o prego cautelosamente, de modo que não houve ferimento algum e arremessaram o mesmo para bem longe, para não acontecer de novo com outra pessoa. Levantei-me e o baba continuou.Mas o prego viera dar uma espécie de aviso, porque depois de uma meia hora de baba, eis que ao chutar uma bola, errei e mandei o mesmo pé em cima de um monte de terra dura. Foi uma dor insuportável. Em poucos minutos, o pé ficou tão inchado, que não coube mais dentro do tênis. Fui para casa mancando e descalço. Ao chegar em casa, a empregada de tia Edite, colocou MASTRUÇO no local e enrolou o pé com um pano.

MASTRUÇO OU MASTRUZ: Erva fétida, cultivada pelas propriedades excitantes, peitorais e vermífugas. Mentruz.

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Autobiografia de Irundy Dias ( página 26 )

No dia 8 de maio de 1945, acordei com o barulho dos sinos ecoando ao longe. Alí próximo de casa, um foguetório ensurdecedor. Minutos depois, fiquei sabendo através de vovô Manta, que a segunda guerra mundial estava quase terminada. Os alemães haviam assinado o tratado de rendição.
Nesse mesmo ano, a cegonha rondara mais uma vez a casa dos meus pais, em Iguaí. O caçula agora era o Almir e assim a prole aumentou de novo.
Em 14 de agosto desse mesmo ano, o Imperador Hiroito do Japão, assinou um decreto ordenando o cessar fogo e deposição de suas armas. Não sei se foi por vingança ao que acontecera em 1941, naquele ataque traiçoeiro a Pearl Harbor. O certo é que os americanos despejaram duas bombas atômicas, nas cidades japonesas de Nagasaki e Hiroshima, havendo uma mortandade incrível e tal foi a intensidade da destruição, que provocou a rendição imediata. Finalmente a segunda guerra mundial chegara ao fim.
Dali a dois anos, Mamãe encerraria o seu ciclo de partos com o nascimento de Acyr, que se tornaria o caçula definitivo da família.
Durante o mês de maio de 1947, os jornais e noticias dadas pelo rádio, além da guerra, as principais, eram à respeito do eclipse total do sol, que seria visto em todo o Brasil, no dia 20 de maio. À medida que os dias se passavam, apareciam dados de como as pessoas se prepararem para observar o eclipse. De minha parte, instalei na parte cimentada do quintal da casa de tia Edite, um dispositivo contendo uma bacia grande de alumínio, que fora usada por minha avó Amália, há muitos anos atrás. Coloquei uma boa quantidade de água e tia Licinha arranjou-me um bom pedaço de vidro, que o esfumei com papel de jornal, queimado. Eram mais ou menos umas nove horas da manhã do dia 20 de maio de 1947, quando a manhã ensolarada, começou a ficar amarelada e aos poucos foi ficando lusco fusco. Interessante de se notar, é que tia Edite comprara há alguns dias atrás, dois franguinhos e eles quando sentiram o dia ficar aos poucos mais escuro, começaram a se empoleirar em uns galhos de um pequeno arbusto existente no quintal. Observei atentamente, ao mesmo tempo, o dia escurecer, notando-se algumas estrelas no céu e olhando pelo vidro, vi aquela bola (o sol, no caso) ficar preta totalmente. Foi um espetáculo inesquecível. A empregada ficou com medo e não quis apreciar aquele momento tão único em nossas vidas.
Abaixo, copiei um relato de como aconteceu aquele eclipse:
“Belo”, “magnífico” e “fantástico”. A despeito dos muitos adjetivos utilizados nos relatos sobre eclipses totais do sol, as ações que visavam a organização de expedições científicas para suas observações envolviam um complexo planejamento.

O eclipse total do sol é um fenômeno natural que despertava um grande interesse científico.
Instituições e pesquisadores de diferentes nacionalidades, junto aos seus órgãos governamentais, trocavam informações com as administrações dos países nos quais ia ser possível ver o eclipse
total, com o objetivo de conseguir dados que possibilitassem a constituição e envio de expedições para a realização de observações do fenômeno.
Na manhã de 20 de maio de 1947 a sombra da lua, que encobria o sol, projetada na Terra surgiu no Oceano Pacífico, com cerca de 200 quilômetros de diâmetro. Rumou para o leste e encontrou o continente sul-americano em Santiago, no Chile. Avançou em direção ao nordeste, passou pela Argentina, pelo Paraguai, entrou em terras brasileiras, atravessando diversos estados. Atingiu o Oceano Atlântico, deixando o território brasileiro pelo Estado da Bahia e chegou ao
continente africano através da Libéria, perdendo suas forças na costa leste da África, quase no
Oceano Índico.

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terça-feira, 23 de julho de 2013

Autobiografia de Irundy Dias ( página 18 )

Iremos agora, dar uma boa revirada no tempo.

Meus pais casaram-se a 11 de maio de 1929.
Naquele ano, os políticos do Brasil, já se articulavam em depor o presidente de então, por nome, Washington Luís. A crise econômica provocou de imediato a queda do preço do café.
Pela regra do jogo, caberia a Minas Gerais indicar o candidato a Presidente e os políticos mineiros  tinham a preferência por Antônio Carlos de Andrade. Mas Washington queria um sucessor que garantisse a continuidade de sua política financeira. Por isso preferiu indicar Carlos Prestes. Foi aí que surgiu a ideia de se formar umas aliança entre gaúchos e mineiros, contra o grupo paulista. Obtendo ainda o apoio de João Pessoa pela Paraíba, a Aliança Liberal foi  firmada colocando-se Getúlio Vargas a frente. Mesmo assim, o pleito foi vencido por Carlos Prestes, quando Washington Luís provou que a máquina eleitoral, jamais permitiria o triunfo da oposição. Entretanto fatos acontecidos durante o ano de 1930, inclusive a deposição do Presidente Washington Luís, evitou-se muito derramamento de sangue, através de uma guerra civil iminente.
Nesse mesmo ano, o partido nazista aumentou a sua votação nas eleições gerais na Alemanha, prenuncio de que algo estaria para acontece  nos próximos anos. E de fato, pouco a pouco, Adolf Hitler colocou a colocar as suas “manguinhas de  fora “, pois, logo que perdeu a sua cidadania austríaca, tornou-se cidadão alemão e daí foi  um pulo para alcançar a chancelaria, anunciando o Terceiro Reich e de imediato instaurou o antissemitismo, começando a perseguição aos judeus. Em 1934, com a morte de Hinderburg, ele recebeu o titulo da Führer na Alemanha. Em três de abril de 1939, os chefes militares nazistas, chefiados pelo já poderoso Adolf Hitler, receberam o “plano branco”, que consistia em destruir o poderio polonês no Este. Eles teriam cerca de 4 meses, para organizar todas as forças de ataque contra Varsóvia, capital da Polônia.
Por coincidência, no dia 23 de agosto de 1939, quando nascia o meu mano Affonso, Hitler e Stalin, assinaram entre Alemanha e Rússia, um pacto de não agressão.
No dia primeiro de setembro de 1939, às quatro horas da manhã, as forças alemãs invadiram a Polônia, começando naquele momento, o que mais tarde se tornaria na segunda guerra mundial.
A França e a Inglaterra, foram os primeiros países da Europa a se declararem contra o atos de BELIGERÂNCIA  da Alemanha.

BELIGERÂNCIA: Nações que fazem ou tomam parte na guerra, numa formação regular ou reconhecida pelas convenções.


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Autobiografia de Irundy Dias( página 17 )

Mas, comecei a perceber uns piados incessantes ao meu lado direito. Os piados aumentavam aos poucos, à medida que se aproximavam de mim.  Fui raciocinando sobre o que poderia estar acontecendo:
---"Seria uma cobra pequena, que devido a chuva, esgueirou-se e estava por ali para aquecer-se ?".
Quando então, notei,  que o piado estava quase próximo ao meu ouvido do lado direito, num ímpeto de coragem, virei-me rápido e com a mão esquerda agarrei algo quente. Com a claridade da fogueira, percebi que segurara o pescoço de um filhote de perua.
QUE ALÍVIO !
O dia clareou e aos poucos cada qual procurou lavar o seu rosto e enxaguar a boca num pequeno córrego formado pela própria chuva durante a noite.
Os homens se prontificaram em ajudar ao motorista e ao ajudante e em pouco tempo conseguiram desvencilhar o caminhão do buraco.
O restante da viagem foi tranquila e chegamos a Poções, por volta das dez da manhã.  
As aulas da primeira série ginasial começaram em março e logo nos primeiros dias, um colega por nome Altino Soares, por sinal um bom caricaturista, virou-se para mim e disse:
---Irundy, você está com o rosto bem vermelho e empolado. Quando cheguei a casa, procurei logo mostrar a vovô Manta o que o colega falara. Mandou-me tirar a blusa e constatou de imediato:
---Sarampo! Quarentena! Vai ficar lá em cima até o sarampo não existir mais!Lembro-me que passei mais ou menos uma semana longe de minhas habituais atividades.
Dias depois, refeito de tudo e já frequentando o Liceu, eis que surge lá em casa de tia Edite, a figura simpática de um estudante de medicina, por nome Arlindo Martins, morador de Iguaí, filho de um dos grandes amigos de Papai, Manoel Martins de Souza. A presença dele agradou-me muito, pois trouxera notícias mais recentes dos meus pais e irmãos. Nessa conversação, ele me disse que num outro dia iria passar para levar-me ao cinema. E de fato não demorou mesmo. Pela primeira vez fui ao cinema e por sinal ali pertinho, ao final da ladeira da Rua do Alvo, cujo nome era Jandaia. Naquela primeira vez, pude anotar a sequência da programação. De inicio, eles apresentavam um Jornal Nacional. Em seguida, vinha um jornal com as últimas notícias sobre a guerra, trazendo os acontecimentos dos avanços alemães, sobre os países da Europa. Depois eram exibidos diversos TRAILERS dos próximos filmes. Em sequência, eram exibidos dois filmes e por último um seriado, onde todas as semanas eram apresentadas novos capítulos.  E sabem o preço dessa jornada toda?
---Um cruzado, ou também chamado de quatrocentos réis. Era uma moeda branca, grande, existente na época.
Já que toquei nesse assunto de moedas, não sei se vou me lembrar de todas que circulavam naquele tempo.
A menor de todas era a de cem réis, também conhecida por um tostão. A de quinhentos réis, parecida com a de dez centavos de hoje (2013), só que a espessura era mais fina. A de um mil réis, um pouquinho maior. Essas todas eram da cor de cobre. As de cor prateada eram duas:
O cruzado ou quatrocentos réis e a de dois mil réis.
TRAILERS: Montagem com trechos de filmes, novelas, programas, etc. exibidos como propaganda.

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Autobiografia de Irundy Dias ( p 32 )




A nossa Diretoria do Clube Social de Poções, aprimorou-se para completar o seu mandato, realizando um Réveillon, para sócio nenhum botar defeito. E assim o fizemos. À boca pequena, ouvimos de alguns sócios, para que a nossa Diretoria, continuasse à frente dos destinos do C.S.P., por mais uma temporada, mas ninguém topou a parada. Durante a festa do Réveillon, deixamos as pequeninas aos cuidados de “Meu Dó” e como sempre acontecia em todas as festas que frequentávamos, saímos no CISCO.
Na matinê de Ano Novo, já comemorando nove anos de convivência ordeira, pacífica e amorosa, sendo três deles, de casados, participamos com as duas filhotas Sybele e Mercês, que foram alvo dos maiores ENCÔMIOS.
---“Como são bonitinhas !”--- diziam uns.
---“Que gracinha, todas as duas !”--- outros se pronunciavam.
---“Como a pequenininha é fofinha ! “--- argumentavam também.
E por aí afora, só ouvíamos palavras de agrado, de conforto e de carinho.
Mercês, na maior parte do tempo, só dormiu. Sybele quando passava de mão em mão, vez por outra estranhava a pessoa que a segurava. Como Jurimar também estava presente na matinê, nos ajudou a leva-las para casa. Ao subirmos a ladeira, passamos por Joaldo e Nizete e os saudamos com votos de Feliz Ano Novo, desde quando ainda não havíamos os visto, desde a véspera. Ambos tinham o hábito de ficarem sentados em cadeiras dispostas sobre o passeio.
Uns dois dias depois, recebemos uma comunicação que iríamos participar obrigatoriamente do CADES ( Curso de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário), a ser realizado na Cidade de Vitória da Conquista, durante todo o mês de janeiro, com presença de todos os professores que estavam lecionando ou que iriam lecionar no Ginásio de Poções, no ano de 1961. E aí, somente três professores se apresentaram e seguiram a Vitória da Conquista: Glorinha( Maria da Glória Macêdo da Conceição), Noélia e eu. E os demais  que não quiseram ou não puderam ir, nunca houve nenhuma advertência.( Coisas do Estado).
Deixamos Sybele e Mercês, aos cuidados das tias e lá fomos nós para aquela aventura. Ficamos hospedados numa pensão situada à Praça Barão do Rio Branco, já por demais conhecida de outras viagens que havíamos feito em companhia de Amélia, durante as compras realizadas antes das Festas do Divino.
CISCO: gíria popular, mais empregada na realização de festas dançantes, quando algum casal acha de ser o último a sair das mesmas.

ENCÔMIO: elogio. Gabo . Louvor.


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Autobiografia de Irundy Dias ( p 31 )

Um pouco dos meus vizinhos ( do lado de cima e de baixo )na subida da ladeira da Av. Cônego Pithon.

Como Noélia ainda estava se resguardando do nascimento de Mercês,  ocorrido na noite de 26 de setembro de 1960,  não presenciamos o casamento de Guilherme Lamego com Irene, que foi realizado no dia primeiro de outubro. Sobre Irene, tivemos oportunidade de ressaltar o aniversário dela dos 15 anos , quando ainda estava de namoros com Noélia. Ela , prima de Nó, estudaram juntas no Colégio Nossa Senhora das Mercês, em Salvador e daí seguiu no Curso de Magistério ,tendo se formado lá mesmo em Salvador. Veio para e foi escolhida para lecionar Canto Orfeônico, no recém-fundado Ginásio de Poções, a partir de março de 1959.
 Nesse período já estava de namoro sério com Guilherme Lamego, que formado em Contabilidade, foi convidado pelo Sr. Miguel Lopes, um dos componentes da Diretoria da Fundação Ginásio de Poções, para servir no cargo de Secretário do referido Estabelecimento de Ensino. De namoro as noivado foi um pulo e no ano seguinte (1960), resolveram unir os seus trapinhos e foram ser nossos vizinhos na casa localizada acima da nossa.  Guilherme Lamego, era filho do Sr. Cleofano Lamego muito amigo de nossas famílias, exercendo por um período, o cargo de Vereador, sendo colega dos nossos pais Ary Alves Dias e João Gusmão Ferraz, na Câmara de vereadores desta Cidade.
 Anos mais tarde, Noélia e eu, solicitamos a Guilherme Lamego  e Irene a serem padrinhos de nossa filha Maria Augusta ( Guguinha). Os pais de Irene eram contra parentes de Noélia, sendo que a mãe dela,  além de tia,  era também madrinha, onde ouvi por diversas vezes, Nó se expressar assim:
“---Porque minha madrinha  Nenza...”     Nenza era um apelido de Dona Iromar, mãe de Irene.
Os nossos vizinhos da parte de baixo da ladeira, eram Joaldo e Nizete, com uma família bastante numerosa, já com sete filhos, sendo que o mais velho cujo apelido era Bôinha, chamava-se Boaventura, com 14 anos, enquanto a caçulinha estava por volta dos seus cinco a seis meses de nascida. Joaldo tinha o hábito de vestir-se impecavelmente, com terno completo, camisa e gravata e descia a ladeira, como se fosse participar de alguma solenidade ou festa. Basta salientar que ele trabalhava como um dos funcionários da Coletoria Federal, que ficava na mesma ladeira, há poucos metros de onde residíamos.
Dona Nizete, ao longo dos dias, ficou muito amiga de Noélia e ambas trocavam sugestões, embora Noélia com menos experiência, aprendia mais do que ensinava.
Os dois filhos mais velhos chegaram a estudar conosco no Ginásio.
Anos mais tarde, Joaldo foi promovida em suas funções na Coletoria e houve por bem mudar-se com a família para Vitória da Conquista.
Por outro lado, Juvêncio Lago Silva, pai de Irene, desgostoso com a política de sua Terra, resolveu tentar a sorte em Salvador, abrindo uma casa comercial, próxima ao bairro de Mont Serrat, em Salvador, onde tentou se firmar e vendo não produzir bons resultados, resolveu mudar-se para Vitória da Conquista e daí para Brumado.


                                                           x.x.x.




sexta-feira, 19 de julho de 2013

Autobiografia de Irundy Dias ( página 16 )

Somente no DOMINGO, próximo ao meio dia, chegamos ao portão lá de casa. Uma semana inteira viajando de Salvador a Iguaí. Também foi a primeira e última. Quando mamãe me viu exclamou:
---Meu filho, há quanto tempo

A estrada de rodagem, Poções-Iguaí , passando por Nova Canaã, era lastimável.
Um certo dia, Papai chegou em casa dizendo que um caminhão iria sair pouco depois das dezesseis  horas e eu me preparasse para viajar nele, à Poções. O tempo estava ameaçador. Nuvens negras já se formavam ao longe. Na hora aprazada, subi na carroceria em companhia de uma meia dúzia de pessoas, fora as que estavam na boleia ao lado do motorista. A viagem estava tranquila até Canaã , quando se formou repentinamente uma tempestade daquelas que estava a acostumado a ver naquela zona da mata, embora nunca tivesse viajado com uma delas. Era costume naquele tempo, colocarem-se correntes nas rodas dos caminhões, porque a subida chamada de SETE VOLTAS OU CAPA BODE era sumamente perigosa. Os veículos derrapavam muito e ninguém se aventurava a subir ou descer aquela serra. Embaixo da lona, o pessoal começou a cochichar, demonstrando inquietação e medo. De vez em quando eu ajeitava o meu chapéu de feltro, que Papai comprara, por causa da poeira durante a viagem de trem. Devido ao movimento do caminhão, a lona de vez em quando desarrumava o chapéu da cabeça e tornava recolocá-lo.
Eis que, em certo momento, devido a incessante chuva, entremeada com relâmpagos, raios e trovões, o caminhão resvalou e caiu num buraco. O motorista e o ajudante, debaixo daquela chuva torrencial, tentaram de todos os jeitos e maneiras, safar o veículo do buraco, mas não conseguiram. A noite se avizinhava e o empecilho estava formado. Um dos passageiros falou ao motorista:
---Olhe, aqui perto mora um amigo meu, e nós poderíamos pedir abrigo por esta noite.
Todos concordaram em fazer aquela tentativa. Porque passar a noite em baixo daquela lona com aquela chuva toda, não era programa pra ninguém.
Por sorte nossa (em parte, diga-se de passagem) o dono da casa, possuía uma espécie de barracão, acho que para armazenar mercadorias de todos os tipos. Era um salão grande e alto, tendo lá no fundo umas divisórias,  possivelmente quarto e cozinha para ele e a esposa. Não vi nenhuma criança.
Uns homens mais desenvoltos, começaram a comandar aquele estado de coisas. Assim, é que foram distribuídas para todos, umas lascas de lenha, que iriam servir de cama. No centro do salão, armaram uma pequena fogueira, para nos aquecer durante a madrugada. Alguém, que trazia consigo, requeijão, mel e farinha, vendeu a todos, determinados quinhões, por preço relativamente razoável e foi um jantar do qual não tenho saudades. Requeijão horrível! Mel, onde as abelhas deveriam ter passado a uns mil quilômetros. Farinha? Daquelas bem grossas, para não escapar dos sacos. Só salvou-se mesmo, a água, que por certo a dona da casa, aparou, logo após, a chuva ter lavado bem a cobertura da casa.
Agora, vamos dormir!
Pergunta-se: ALGUÉM, QUE ESTÁ LENDO ESSE RELATO, JÁ DORMIU ALGUMA VEZ, EM CIMA DE ALGUMAS LASCAS DE LENHA, SOBRE UM CHÃO ÚMIDO E DURO E AINDA COM A CHUVA CAINDO LÁ FORA?
Aos poucos, o pessoal foi parando de conversar e o sono finalmente, chegou para todos.
Meu travesseiro, foi o chapéu de feltro.
Lá para as tantas da madrugada, alguém, sem fazer barulho, sorrateiramente, se deslocou entre todos que dormiam profundamente e saiu solicitando uma lasca de lenha de sua cama, para colocar na fogueira a fim de que a mesma não se apagasse.
Felizmente o dia estava amanhecendo. A chuva cessara.
Mas, comecei a perceber uns piados incessantes ao meu lado direito. Os piados aumentavam aos poucos, à medida que se aproximavam de mim.  Fui raciocinando sobre o que poderia estar acontecendo:
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Autobiografia de Irundy Dias ( página 15 )

 A contagem de tempo era tão bem organizada, que ao chegar aos últimos lances do almoço, o apito do trem, já avisava que a continuação da viagem estava próxima. 
No próprio trem, fiquei sabendo que na região de Jequié estava chovendo muito e de fato quando lá chegamos por volta das quatro da manhã, caía um TORÓ, de meter medo a qualquer um. Um rapaz, conhecido de Papai , por apelido Duca, estava à minha espera e me conduziu à sua residência. Ele era recentemente casado. Fui dormir. Quando acordei, por volta das nove da manhã de TERÇA-FEIRA, a esposa de Duca, me serviu um  delicioso café e me explicou, que ele fora avisado do atraso do trem no dia anterior.
Ao meio dia Duca voltou do trabalho e me falou que até o momento, não havia aparecido nenhum caminhão para o prosseguimento de minha viagem. E isso ocorreu, quase às quatro e meia da tarde. Subi na carroceria, com a minha pequena maleta e fomos enfrentar a estrada lamacenta até que, mais ou menos às oito da noite, o caminhão caiu num buraco e tivemos que retornar em outro veículo, a Jequié, chegando à casa de Duca novamente, quase a meia noite. Ao me ver, o mesmo exclamou:
---Irundy, você ainda por aqui?..
Na QUARTA-FEIRA, após o almoço, conseguimos outro caminhão, que conseguiu aos trancos e barrancos, chegar a Cachoeira de Manoel Roque, hoje Manoel Vitorino, quase às seis horas da tarde. Felizmente não estava chovendo. Mas o motorista preferiu pernoitar por ali mesmo. Arranjou-se uma pensão, para passarmos a noite. Depois de jantarmos, uma comidinha feita às pressas, pois a dona da pensão não esperava tanta gente de uma vez só.
Na QUINTA-FEIRA, após o café, seguimos viagem, chegando a Poções à tardinha, sem termos tido nenhuma confusão.
Poções, continuava no mesmo de sempre. Evolução praticamente nenhuma.
Como sempre, fui hospedar-me na Pensão do Sr. Arlindo Carvalho.
Eram cerca de cinco da tarde, quando uma das empregadas da pensão, foi ao meu quarto, dizendo que na porta estava um senhor querendo falar comigo. Fui ver quem era.
Um senhor, aparentando estar perto dos quarenta anos, baixo, meio gordo, avermelhado, pensei a principio estar em presença de um parente do Sr. Arlindo Carvalho, que se identificou como sendo Bernardo Espinheira Messias.
“---Sou amigo do seu pai e vim buscá-lo para ficar conosco em nossa residência”.
Fui pegar a bagagem e falei com a moça que depois viria acertar a hospedagem da pensão.
No trajeto para a casa dele, o Sr. Bernardo disse-me que quando recebeu o recado vindo de Iguaí, o caminhão havia chegado antes e por isso ele fora me procurar àquela hora. Disse-me também, que devido as chuvas, os animais iriam atrasar um pouco e provavelmente só poderíamos viajar no sábado.
Na residência do Sr.; Bernardo, conheci a sua esposa, por nome Enedite , um garoto pequeno com uns três anos de idade, por nome Carlos Nei e uma menina quase recém -nascida, chamada de Rosa.
Tomei banho. Jantamos e o resto da noite fiquei brincando com o Carlos Nei em cima de um tapete da sala, com os brinquedinhos dele.
Na SEXTA-FEIRA, saí após o café com o Sr. Bernardo ,que trabalhava numa Coletoria e fui rever os pontos principais da Cidade.
Somente à tarde, um rapaz chegou com dois animais e fui avisado que no sábado logo cedo, iriamos a Iguaí.
De fato, no SÁBADO, após o café ,despedi-me do Sr. Bernardo, de Dona Enedite e em companhia do rapaz, começamos a galgar a última etapa da viagem. Eram 57 quilômetros, de Poções até lá. Atravessamos muitos rios cheios o que dificultou mais ainda o nosso percurso. O fato é que no meio da tarde, chegamos no mesmo local, que anos atrás Papai repousara com toda a nossa família.

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Autobiografia de Irundy Dias ( página 14 )


Na outra praça, ficava a pensão do Sr. Arlindo Carvalho, a Igrejinha e mais umas duas ou três casas, sem qualquer destaque especial.
A República dos Viajantes, já citada, ficava bem ao meio da ladeira, onde hoje é o inicio da Avenida Cônego Pithon. Dali para cima, só se via matagal.
No dia então, que tio Júlio resolveu os seus afazeres comerciais, viajamos a Salvador.
A partir de 1941, comecei a participar de uma jornada por demais ingrata. Uma viagem de Salvador a Iguaí e vice-versa, girava em torno de quatro dias inteiros, se tudo ocorresse dentro dos "conformes". No primeiro dia, a viagem era de navio (o chamado "vapor", daquela época), que fazia o percurso de Salvador até Nazaré (a conhecida Nazaré das Farinhas, que tantas vezes, o nosso falecido amigo Carlos Tôrres, citava á respeito), Por sinal, era a viagem mais gostosa. Aquela brisa entremeada com as águas do Atlântico e do rio Paraguaçu. As canoas que traziam e desembarcavam passageiros. Os apitos sonoros do vapor, quando cruzava com outras embarcações. Os acenos das pessoas conhecidas. Enfim, era uma festa, que nos preparava para encarar o restante da jornada.
No segundo dia, partíamos de trem, de Nazaré com destino a Jequié, numa viagem horrorosa. Um trem mal cuidado, com bancos de madeira, poeira à beça, durante todo o trajeto. Às vezes, surgiam pessoas mal encaradas. Nas paradas das estações, entravam vendedores com alimentos, sabe-se lá como foram feitos, oferecendo aos passageiros, que em sua maioria, também compravam afoitos, naquela ânsia incontida, como se o mundo fosse acabar naquele momento. Estudante, como eu, considerado pobre, sempre, engolia em seco, mas, via aquilo tudo com asco e desprezo. Se tudo ocorresse bem, chegávamos a Jequié nas primeiras horas do anoitecer.
No terceiro dia, aí sim, era o sofrimento maior. Onde arranjar transporte?
Quando surgia um caminhão que viesse para Poções, era um corre-corre desmedido.
Não quero dizer, que todo aquele pessoal viesse para essas bandas, mas o certo é que desciam do caminhão ao decorrer da estrada. Se o tempo estivesse firme, com sol, um caminhão bem equipado (é até engraçado falarmos em caminhão bem equipado), o motorista conseguia viajar de seis a oito horas entre Jequié e Poções, contando-se todas as paradas necessárias.
No quarto dia, como os animais já estavam aqui de véspera, seguíamos até Iguaí, montados, sendo que o acompanhante levava a bagagem com ele.
 Como citei ao longo dessa página, se tudo, tudo fosse visto e ocorrido às mil maravilhas, contando-se quatro dias de vinda de Salvador e mais quatro de volta, lá se iam oito dias só em viagens. Então Papai achou melhor, que eu não viesse nas férias de meio de ano. Ia para as aulas em março e só retornava a Iguaí em dezembro.
No meio dessa sequência de viagens, ia a Salvador em fins de fevereiro ou principio de março e só voltava em meados de dezembro. Houve duas, que não podemos esquecer.
Numa delas, saímos da Salvador SEGUNDA-FEIRA (maiúsculas, para chamar atenção), com alguns colegas que no mesmo dia já estavam em casa, desfrutando do seu ambiente familiar. Em determinado momento, um deles disse assim:
“---Não suporto viajar. Olhem que eu vou saltar em Santo Antônio de Jesus, que é aqui pertinho. Antes do meio dia estarei em casa.”
Vale salientar, que foi construído um terminal marítimo no local chamado de Porto de São Roque, e o navio não prosseguia até Nazaré, pois o trem já estava ali aguardando todos os passageiros que iriam seguir viagem. Sendo assim, a nossa viagem já estava reduzida em um dia. Havia também um pequeno senão.


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quinta-feira, 18 de julho de 2013

Autobiografia de Irundy Dias ( página 13 )

Em princípio de janeiro de 1941, tio Júlio Dantas, já citado na primeira estória, estava aqui em Poções, hospedado na “República dos Viajantes", somente para dormir, pois fazia todas as refeições, na pensão do Sr.Arlindo Carvalho, e sabedor que eu iria submeter-me aos exames de admissão ao ginásio, em Salvador, enviou um recado a Papai, dizendo se não seria bom Irundy vir a Poções, porque daqui nós iríamos juntos.
Nós,  havíamos passado por aqui em fins de novembro de 1939 e o que acontecera comigo, desde aquela data, até janeiro de 1941 ?...
Quando saímos de Salvador em novembro de 39, Papai tivera o cuidado de trazer os meus documentos escolares, dando-me aptidão para continuar o quarto ano primário. Iguaí naquela época, não possuía nenhuma escola pública, nem estadual e nem municipal. Então aí por volta dos meados de janeiro de 1940, apareceu por lá, um senhor com um defeito na coluna vertebral, professor formado, casado com dois filhos e colocou um aviso no serviço de alto-falantes que iria ministrar as aulas de caráter particular. Foi aquela correria. A escola, era uma casa que  o  Prof. Miguel, alugara  e com  o auxílio de sua esposa, conseguiu colocar para funcionar com apenas 16 alunos,  considerando-se  o tamanho da sala, cujas janelas eram voltadas para a rua.
Nos dois primeiros meses, notamos que o Prof. Miguel não conseguiria levar avante a sua intenção. Era  por demais violento . Brigava com os alunos, dava cascudos ou piparotes nas cabeças, bolos nas mãos com aquela palmatória da madeira. (Certo dia, fui generosamente agraciado com um bolo em cada mão.)
Às vezes, punha os meninos ajoelhados sobre grãos de milho num dos cantos da sala. E uma série de coisinhas tais, que foram chegando aos ouvidos dos pais que começaram a se reunir para tomar umas providências legais. E o final foi drástico. Ou ele saía da vila ou a policia iria ser acionada. O Prof. Miguel achou por bem ou por mal,mudar-se para bem longe de Iguaí. Nesse meio termo, apareceu uma Professora, por nome ESTER GALVÃO GONÇALVES, com todas as letras maiúsculas colocadas por mim mesmo, para homenagear uma das  pessoas mais gradas que conheci em todos os meus anos de vida, em todos os ramos de qualquer atividade. DEUS A GUARDE SEMPRE EM BOM LUGAR.
Com os ensinamentos adquiridos lá em Iguaí, ao final de dezembro, tia Edith, irmã de mamãe, já enviava as primeiras cartas, alertando que os exames de admissão, iriam ser realizados, provavelmente em princípios de fevereiro, antes do Carnaval.
Quando então, papai, recebeu o recado de tio Júlio, vim quase de imediato a  Poções.
A pressa de nada adiantou, pois fiquei aqui de molho, bem  uns três dias. Foi aí então, que comecei a conhecer de perto esta Cidade. Hospedado, juntamente com tio Júlio, na República dos Viajantes, verifiquei que a Cidade, naquela época, se resumia à praça comercial.
 Ainda retenho na memória, as casas comerciais: Farmácia Rolim, Daniel José Alves, Abel Magalhães, Casa Sarno, pois essas , perduraram por muito tempo com seus títulos em sua fachadas. Naquela praça, existiam duas árvores frondosas, que serviam até de apoio para os animais ficarem amarrados nos dias de feira.




Ali no canto esquerdo está uma delas.
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Autobiografia de Irundy Dias ( página 12 )

Não havendo aulas aos sábados, na parte da manhã, seguia até a feira com alguns trocados, a fim de comprar milho para as galinhas que mamãe começara a criar no quintal. Com o passar do tempo, descobri que ao final da feira, os vendedores baixavam os preços das mercadorias, para não terem o trabalho de voltar para as suas roças com as mesmas. Assim se pela manhã eu comprasse o milho, por sete ou oito litros por um mil réis, com certeza ao final da feira, facilmente eu acharia do mesmo tipo de milho, por 14 ou 15 litros pelos mesmos mil réis.
Papai e Mamãe se regozijavam com as minhas habilidades em descobrir um milho mais barato e da mesma qualidade e dessa forma comecei também a comprar farinha, pois Mamãe achou que o milho e a farinha juntos, produziam melhor efeito junto aos galináceos. Comiam mais à vontade e produziam uma boa quantidade de ovos diariamente.
Mas o tempo passou e em janeiro de 1941 fui a Salvador em companhia de tio Júlio, pois em fevereiro, iria submeter-me ao famigerado exame de admissão ao ginásio. No intervalo entre a nossa ida a Iguaí, nos fins de1939 e o retorno em meados de janeiro de 1941, tio Júlio comprara uma casa à Rua do Alvo número 38, deixando definitivamente aquele casarão da Rua da Poeira 57.
Meus avós maternos, tia Licinha e tia Dulce acompanharam na mudança e quando eu cheguei já encontrei minha prima Dalva, ocupando um quarto contíguo ao de tia Licinha. Não havendo quarto para eu ficar, me instalaram no corredor que ficava entre o quarto de meus avós e um pequenino quarto que servia para colocar as imagens dos santos da predileção de vovô Manta.
A casa da Rua do Alvo possua a parte térrea e o primeiro andar além de um pequeno SÓTÃO.
Na parte térrea, a porta da rua dava logo de frente a um vasto corredor que iria até a sala de jantar, nos fundos. À sua esquerda, entrava-se na sala de visitas que tinha duas janelas voltadas para a rua. Vizinha à sala de visitas, havia outra sala, que às vezes funcionava como quarto. Prosseguindo pelo corredor, sempre à esquerda, víamos a porta do segundo quarto,     e uma porta que dava acesso a uma escada que seguia para o andar superior.Uma terceira porta, onde ficava um quartinho para guardar poucos objetos e uma outra porta, que ligada ao quarto vizinho à sala de jantar. Esse era o quarto preferido por tia Edite, que ali se alojava com tia Dulce, quando tio Júlio estava em viagem.
Todo o andar térreo possuía forro de madeira, exceção feita à sala de jantar, que era coberta com telhas. A esquerda da sala de jantar, encontrava-se uma cozinha e depois dela, um banheiro provido de torneira e logo em seguida um sanitário, Na parte da direita, um pequeno retângulo cimentado e um pequenina área com terra.(Era o quintal da casa). Subindo as escadas que ficavam na parte média do corredor, seguia-se ao andar superior. Da frente para o fundo, notava-se o quarto de tia Licinha tendo ao lado o quartinho dos santos. Em linha reta, o corredor onde sempre fiquei e ao fundo o espaçoso quarto dos meus avós. Do lado esquerdo do corredor, havia uma porta, que nem sempre se abria, pois levava por uma escada, ao referido sótão mencionado linhas atrás.

SÓTÃO: Parte de uma construção entre o forro e a armação do telhado, usado geralmente como depósito de objetos de pouco uso.


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Autobiografia de Irundy Dias ( páginas 8 , 9, 10 e 11 )

Em 23 de agosto de 1939, Mamãe deu a luz ao mano Affonso, sendo assistida mais uma vez por Vovô Manta. Papai recebeu a notícia por carta, dias depois, mas respondeu, dizendo que só voltaria em novembro, já com a intenção de levar a família toda para Iguaí. Poderia não ser uma mina de ouro, mas para começar, seria uma boa tentativa. Objetivando para que de novo eu não perdesse o ano escolar Eu estava cursando o terceiro ano primário.Tia Dulce foi comigo até o Colégio Nossa Senhora de Lourdes e explicando a situação, solicitou  que fizessem as minhas provas finais, antecipadamente. O que foi feito e fui aprovado, para fazer  no ano seguinte, a quarta série do curso primário.
Assim, em fins de novembro, partimos para a segunda e por sorte nossa, a última aventura. Observem  bem o tipo de viagem daquela  época.
No primeiro dia de viagem, embarcamos num navio que no levou de Salvador até Nazaré (antigamente chamada de Nazaré das farinhas, porque havia um bom fabrico de farinha naquela redondeza), num percurso que levou aproximadamente seis horas.  Pernoitamos numa pensão bem perto da estação ferroviária, porque no segundo dia de  viagem , quase às cinco horas da matina, o trem de ferro partiu da estação, com destino à cidade de Jequié. Foi uma viagem cansativa e aborrecida. Um trem vagaroso, poeirento, de vez em quando parava nas estações, que ficavam ao longo daquele trecho. Para encurtar a história, chegamos à cidade de Jequié perto das vinte e duas horas. Alguns carregadores de bagagem ajudaram a Papai a arrumar tudo, numa espécie de veículo, que eles chamavam de taxi e dai rumamos para um hotel, se não me engano, por nome REX. E assim, se foi o segundo dia.
Quando raiou o terceiro dia, viajamos num automóvel, previamente contratado por Papai, que nos trouxe até Poções fazendo uma boa pausa, na pensão do Sr. Arlindo Carvalho, onde Mamãe cuidou dos asseios dela própria e das crianças menores. Em quanto isso, tomei meu café e fui até à porta da rua, conhecer de longe, aquela nova Cidade. O sol batia bem de frente nas paredes da pensão, mas naquele horário da manhã, nunca havia sentido tanto frio em minha vida. Ali encontrei o Sr. Arlindo, o dono da pensão, um senhor baixo, gordo, bem avermelhado, que sentado numa cadeira, parecia estar esquentando-se ao sol. Vi uma praça bem grande e lá no fundo, avistei uma igrejinha, quando naquele instante, dois padres caminhavam para lá.
---O senhor conhece aqueles dois padres? --- perguntei ao Sr. Arlindo, sem cerimônia.
---Conheço sim garoto. O de cabeça bem alva é o Padre Pithon (foi aquela a única vez que o vi), que será substituído pelo outro, que o povo, já está aprendendo a chamá-lo de Padre Honorato. Depois desse breve diálogo, já com o pessoal todo arrumado, entramos no automóvel saindo da frente da pensão pela esquerda, em direção à outra praça, ladeada de várias casas comerciais. Fomos até um povoado chamado Morrinhos, onde o automóvel nos deixou. Ali, é que nós começamos a sentir o peso da viagem. Papai montou num burro. Mamãe, toda desajeitada, ficou em cima de outro. Um moço por nome Catarino levou Affonso, agora com três meses, enquanto outro rapaz conduzia Aryolinda no cabeçote da Sela. Um terceiro rapaz fazia o mesmo com Silvio Caetano.

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 Fui sentado na GUARUPA do animal, segurando o cinto das calças do rapaz, que conduzia o seu animal.
 Imaginem viajar naquelas condições, pela primeira vez durante 57 quilômetros. Felizmente para todos, é que a viagem foi realizada em dois dias.
À tardinha, chegamos praticamente ao meio da jornada, em uma casa onde Papai certamente havia planejado todos os detalhes, com antecedência, pois tudo estava arrumadinho a nossa espera. Ali nos banhamos, jantamos e dormimos. No dia seguinte (quarto dia, portanto) logo cedo, após um reforçado café da manhã, seguimos definitivamente a Iguaí, lá chegando por volta das 16 horas. No percurso, havia muito rio para atravessar e isso dificultava e atrasava a viagem. Hospedamo-nos na Pensão de Dona Raquel, porque a casa que Papai alugara, ainda estava nos últimos retoques de limpeza e pintura.
Como criança, não sente o cansaço, logo após o jantar, Zezito, um rapazinho dos seus 15 anos, filho de Dona Raquel, levou-me a um circo armado na outra praça. Iguaí, não possuía luz elétrica, mas o circo dispunha de um motorzinho, que supria as necessidades dos seus funcionários, como também deixava a plateia à vontade.
Era um circo do tipo, que hoje em dia é chamado de MAMBEMBE. Existiam dois palhaços, um malabarista, um ilusionista e umas moças vestidas de maiôs, que só apareciam, para mostrar os corpos. A primeira parte foi só de atrativos variados. Na segunda parte, o grupo encenou uma peça alusiva ao Natal, visto que o mesmo já estava próximo.
A partir daquele dia, ficamos esperando para passar à casa alugada. Mamãe foi andando comigo e verifiquei que a mesma era mais ou menos, assim disposta.  A sala da frente dispunha de duas janelas que eram voltadas para a rua. Havia uma saleta menor, logo após aquela sala e que dispunha de uma janela voltada para a parte lateral da casa. Foi nessa saleta que mais adiante Papai  atendeu os  clientes. Seguindo em frente pelo lado direito, estavam três quartos sucessivos, todos com a porta voltada para a sala de jantar e janelas para a outra parte lateral da casa. Em seguida ao último quarto vinha um banheiro com torneira. Ao lado da sala de jantar é que vinha uma cozinha, que possuía uma porta, voltada para o quintal. Bem longe da casa, próxima ao muro, havia uma pequenina construção que serviria às necessidades fisiológicas. Por isso mesmo, Papai teve que comprar urinóis que mandou colocar embaixo de cada cama.

GUARUPA: A anca dos quadrupedes, especialmente dos equídeos.

MAMBEMBE: Lugar afastado sem recurso, nem conforto.  Grupo teatral itinerante de baixa qualidade e formado por atores de má qualidade ou pouco valor.  Ordinário.


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Quando Papai começou a entrosar-se no serviço médico, com o atendimento dentro da própria casa, apareceu Tio Júlio , trazendo de Maragogipe uma mocinha de seus quinze anos, por nome Tezinha, que veio trabalhar com Mamãe, para cuidar da casa e dos meninos, pois Papai já havia arrumado uma cozinheira. Com a chagada de Tio Júlio, Papai mostrou a ele uma lista de medicamentos  necessária para os atendimentos de urgência. Como também Iguaí não dispunha de farmácia. Alguns medicamentos eram conseguidos em mão de um rapaz, que de vez em quando, viajava e trazia, para vender aos incautos. Mas, sabedor da presença de Papai, ele começou a se abster de  praticar a medicina charlatã. Papai  e tio Júlio tiveram a ideia então, de montar uma pequena farmácia.
Todas as noites, sem exceção, eu seguia Papai até o bar do Sr. Manoel Pereira, para saber das notícias transmitidas pelo rádio de bateria, principalmente  futebol  e sobre a guerra que já se alastrava pela Europa. No bar do Sr. Manoel Pereira existiam duas mesas onde os rapazes jogavam bilhar ou sinuca. O rádio era colocado em cima de uma prateleira de madeira, há quase dois metros e meio de altura, para que a transmissão fosse audível para todos.  Possuía também um balcão de madeira, onde eram servidas bebidas aos fregueses que não quisessem sentar-se  em volta das duas mesas  dispostas no salão. A freguesia era boa, principalmente no horário da “Voz do Brasil” e quando eram transmitidos os jogos de futebol .
E nessa vidinha boa, 1939 foi embora.
Assim que começou o novo ano, à partir de fevereiro, Papai matriculou-me na escola particular do Sr. Miguelzinho. Era um tipo mal encarado, baixinho, corcunda, de pele avermelhada, casado com uma mulher muito bonita, com dois filhos menores, com quatro e dois anos respectivamente.
Não sei  explicar se por causa do seu defeito físico, ou porque os homens não tiravam os olhos de sua mulher, o problema era revertido em cima dos alunos. E quem caísse na desgraça do professor Miguelzinho, estaria sujeito a:
a)ficar de joelhos em cima de caroços de milho, no canto da sala de aula.(Fiquei duas vezes, por brigar com colegas);
b)ficar de joelhos em cima das janelas da sala de aula, com as pernas voltadas para dentro de casa, com uma coroa de papelão na cabeça e ainda ostentando um faixa onde se lia :”SOU BURRO”;
c)ganhar bordoadas nas mãos, aplicadas com uma  PALMATÓRIA  de madeira.
Além desses castigos, os alunos eram submetidos  a receber  “cascudos”,  “beliscões” e piparotes nos lóbulos das  orelhas.
Tendo em vista tantas atrocidades, os pais se reuniram e retiraram todos os filhos da escola do Sr. Miguelzinho, que não tendo outro meio de vida, mudou-se de Iguaí.

PALMATÓRIA: Peça de madeira, geralmente redonda, dotada de um cabo, usada para bater  na mão de quem merecesse tal castigo.

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Para nós, da quarta série, surgiu a figura  benemérita e serena  da Professora  Ester Galvão Gonçalves, cujo nome e imagem, sempre guardei  em minha memória, mesmo tendo passado todos esses anos. Era uma pessoa bondosa, calma, cônscia dos seus deveres profissionais. Além das disciplinas constantes do currículo, ela incluía música, teatro, religião com os aconselhamentos de uma boa mãe.
Éramos quatro, os alunos da quarta série, começando  pelos mais velhos em ordem decrescente:
João Mãozinha (nunca soube o sobrenome dele). Era um rapaz com cerca de dezessete anos, alto moreno que possuía na mão esquerda um defeito, onde os quatro dedos, ressecados se juntavam ao polegar normal. Como ele era destro, usava somente a mão esquerda para ajudar a segurar os objetos, o que fazia com toda a habilidade possível. Professava a religião sabatista e a Professora Ester  tendo  que dispensá-lo das aulas de sábado, o fez também conosco. Somente os alunos das outras séries é que frequentavam a escola no dia de sábado.
Arnaldo Désquivel  Souza ,com cerca de dezesseis anos, era neto de um comerciante ,por nome João Batista de Souza, que por sinal, Papai tomou-o para ser meu padrinho de crisma. Os pais de Arnaldo residiam no Rio de Janeiro e assim que o mesmo concluiu a quarta série, viajou e nunca mais o vi.
João Alves Pereira estava com treze anos. O pai dele era o Sr. Manoel Pereira, dono do bar e certa feita convidou os meus pais para serem padrinhos de uma filha dele, logicamente, irmã de João. Após a conclusão do seu curso, ele e eu, tomamos caminhos diferentes e anos depois fomos nos encontrar em plena Faculdade de Odontologia.
Quanto à Professora Ester Galvão Gonçalves, deveria estar viva ainda, para que eu pudesse dar-lhe um grande abraço de agradecimento. Com os ensinamentos dela, quando fui chamado a Salvador por Tia Edite, para prestar os exames de admissão, não precisei fazer teste algum. Passei direto, para fazer a primeira série ginasial.
Além dos seus ensinamentos normais, a professora Ester periodicamente, organizava uns debates estudantis, entre todos os alunos  das diversas séries. Assim é que, a nossa turma participou de dois debates durante o ano de 1940. No primeiro, José Mãozinha e eu, juntos, tivemos que escrever e defender a atuação dos religiosos na comunidade, enquanto Arnaldo e João Pereira fizeram a defesa dos advogados. Em outra oportunidade, João Pereira e eu fomos defender os médicos e João Mãozinha e Arnaldo defenderam os professores. Era um debate sadio e nenhuma dupla acusava a adversária. Cada qual defendia  o seu ponto de vista e a plateia era formada, justamente pelos pais de alunos que iam assistir e provavelmente saiam satisfeitos. Quem se lembrava de que em algum dia fomos alunos do tal Miguelzinho? Concluímos o nosso curso primário e a despedida foi muito emocionante. Choravam  os alunos  e a Professora que não se continha em prantos. Possivelmente em toda a carreira dela, nunca tivera alunos tão estudiosos. A lembrança de cada lado ,deve ter sido eterna. Professora que Deus  a guarde num bom lugar.
                                                                
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terça-feira, 16 de julho de 2013

Autobiografia de Irundy Dias( páginas 1 e 2 )

Muito se tem escrito em pequenas notas de jornais, sobre a história de Poções.
O trabalho que estou me propondo, não é o de relatar por ouvir dizer, mas, sim e tão somente, a vivência do dia a dia, desde a época que passei aqui, algumas horas, em outubro de 1939 e na sequência, outras inúmeras horas, quando de minhas viagens a Salvador, vindo de Iguaí, ou vice-versa, na continuação dos meus estudos. Na sequência, o relato já se estende, desde o dia que Papai trouxe a nossa família definitivamente para Poções, após termos residido em Iguaí, no período de fins de 1939  até fevereiro de 1950.

É claro que, para dar ciência da evolução desta cidade, nestes últimos setenta e poucos anos, terei que colocar presente e bem anexa, a minha autobiografia.

Que autor seria eu se fosse escrever dados sobre Poções e os meus mais conhecidos, habitantes, se OMITISSE a minha presença?

De certa forma, nesse período de tempo, muitos personagens foram esquecidos, como também fatos de menor importância.

Certa vez, o meu irmão Affonso, que Deus o tenha guardado em bom lugar, disse-me:
---"Dydy", (é como ele me tratava), porque você não escreve a sua autobiografia?

Respondi quase que de imediato:
---"Fonso” (era como eu o tratava), publicar poesias é um trabalho bem mais fácil. Você reúne alguma coisa que escreveu, sobre assuntos os mais diversos possíveis, corrige, vai à tipografia, imprime e depois sai distribuindo aqui e ali aos seus amigos e conhecidos. Escrever a minha autobiografia é um trabalho penoso, pois terei que rebuscar no passado, tudo aquilo que a sua memória puder trazer ao presente, juntando pedacinhos da minha infância, da minha adolescência, e depois já na fase adulta colocando fatos e personagens, muitas vezes esquecidos...

Mas no meio dessa resposta, apareceu outro detalhe:
---Quem irá interessar-se em saber o que eu fui, o que eu sou a não ser alguns familiares bem chegados a mim e uns amigos de ternos laços?

Mas Affonso insistiu:
--- Dydy reflita comigo. Nós viemos de muda para Poções em 1950, quando Papai trouxe a família de Iguaí, para cá. Você, como irmão mais velho, passou pela primeira vez por esta Cidade em fins de 1939, porque então, você não associa a sua autobiografia, ao desenvolvimento de Poções, desde aquelas datas até aos dias de hoje?


OMITISSE – Do verbo omitir. Deixar de fazer. Dizer, mencionar ou escrever (algo)


                                                                

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Pesquisei e vivenciei fatos dos setores sociais, estudantis, esportivos, políticos, enfim tudo o que fosse necessário para o conjunto dessa obra.

Poções, de chão de terra batido, da década de 30, que à luz do sol, quando soprava uma mínima quantidade de vento, deixava nuvens de poeira ao redor, ou na época das chuvas intensas, alagavam ruas e praças, apresentando um grosso lamaçal.

Os poucos carros, puxados por parelhas de bois, que percorriam as nossas vias, com aquele rangido característico das rodas de madeira, eram costumeiramente os melhores veículos que a Cidade dispunha. Os outros com um único burrico, ainda ficavam em segundo plano. E ainda apareciam uns jegues, carregando água do açude, dentro de uns vasilhames chamados de CAROTES.
E as noites?

Poções era servida (ou mal servida), com uma luz TÊNUE, produzida pelo trabalho de um motorzinho movido a óleo, que funcionava das 18 às 24 horas, com um detalhe de que faltando dez minutos, para o encerramento daquele serviço, um rápido sinal era dado, com o piscar das lâmpadas.

Quando Affonso terminou a sua fala insistindo para que eu iniciasse a minha autobiografia resolvi experimentar e aqui vamos nós:

Primeiramente vou apresentar os meus pais, e meus avós paternos e maternos:

Papai; Dr. Ary Alves Dias, médico, nascido a dois de setembro de 1904 e falecido a primeiro de novembro de 1980.

Mamãe: Olinda Manta Dias, doméstica, com primeiro grau incompleto, nascida a 31 de maio de 1906 e falecida a 16 de maio de 1997.
Ambos nascidos em São Félix - Bahia e casaram-se em 11 de maio de 1929.

Avós paternos: Dr. Afonso Alves Dias - Engenheiro da Estrada de Ferro da Leste Brasileiro e Isaltina da Costa Alves Dias, doméstica e entre a sua prole, Papai foi o quinto.

Avós maternos: Dr. José da Silva Neves Manta, médico e Capitão da Polícia Militar do Estado da Bahia e Amália Seixas Manta, doméstica, sendo também Mamãe, a quinta filha.

Nos primeiros meses de casados, a convite de vovô Afonso, os meus pais foram residir com eles e a caçula de minhas tias, por nome Moema, já com 13anos, ao notar já a barriguinha de mamãe começando a crescer ficava insinuando:
---"Essa criança vai nascer no dia do meu aniversário, 17 de fevereiro"

TÊNUE: Que é delgado, fraco, sutil, leve, ligeiro, de pouco valor ou importância.

CAROTES: palavra não encontrada nos dicionários. De uso exclusivo nessa região, que significa um tipo de barril de madeira, com uma pequena abertura, para que se coloque qualquer tipo de líquido.
                                                               
                                                               
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