quinta-feira, 25 de abril de 2013

Autobiografia de Irundy Dias ( p 22 )

À principio, nosso reencontro demorou, pois não sabia exatamente quando Noélia teria folga no Colégio. As freiras adotavam um esquema que envolvia bom comportamento, aliado a boas notas nos testes e nas provas. Caso cada aluna se saísse ao contento delas, obteriam um final de semana ( do meio dia de exta feira até o reinicio das aulas na segunda feira seguinte), contado de quinze em quinze em dias. Para poder assimilarmos aquele esquema do Colégio das Mercês e associá-lo aos nossos interesses, demorou um pouco e num belo dia, recebi um telefonema diretamente de Noélia, dizendo que estaria hospedada na residência do Dr.Joaquim  Barreto de Araújo naquele final de semana e na mesma hora também me forneceu o endereço .( Convém salientar que na casa de tia Edite, não existia aparelho telefônico e sim o da vizinha da casa em frente.)Provavelmente alguém que sabia lidar com listas telefônicas, notou que na Rua do Alvo, existia um aparelho próximo da casa de tia Edite e arriscou, tendo acertado em cheio. Contando esse detalhe à minha tia, ele me disse :
---Como o mundo é pequeno. Essa sua namorada está hospedada em casa de nossos parentes. A esposa do Dr. Joaquim  Barreto de Araújo, é prima nossa e é mais conhecida pelo apelido  de Zuzú. Didi, como  o destino une as pessoas sem percebermos. Vá ao encontro dela e se tiver oportunidade conte esse fato.
No primeiro encontro, peguei um BONDE no terminal da Praça da Sé e saltei no Corredor da Vitória, onde alí próximo,  moravam os nossos parentes, Esperei   um bom tempo, até Noélia surgir. Saudamo-nos com um bom aperto de mão e dali mesmo, tomamos outro bonde de retorno à Praça da Sé, onde fomos assistir a um filme no Cine Excelsior.
À partir de então, como os nossos encontros demoravam devido ao esquema das freiras, através do nosso amigo Nino, que conhecia algumas alunas do Colégio, começamos a nos corresponder através de bilhetes ou cartinhas simples. Mas certa feita Nino sentindo que eu gostava de escrever me fez a seguinte proposta:
---Irundy, se eu comprar um bloco de cartas, você escreverá para Noélia ele todinho.?
--- Pode comprar que eu garanto escrever.
Pois não é que Nino aceitou o desafio e dias depois me entregou um bloco de cartas. Com eu havia aceitado o desafio, o jeito foi escrevê-lo. E o interessante nisso tudo é que até hoje, nós o temos guardado como  lembrança dos nossos velhos tempos de namoro.
Decorrido algum tempo depois daquelas visitas constantes ao Corredor da Vitória, Noélia  passou a hospedar-se num pensionato que existia na Rua Direita da Piedade número 9, próximo à Secretaria de Segurança Pública. Era um pensionato misto, cujo proprietário Omar, recebia amigos nossos de Poções, como Nino e Vilobaldo Macêdo e um de Vitória da Conquista, por nome Pedro Ferraz e mais alguns outros que eu não conhecia.

BONDE: Veículo ferroviário elétrico, destinado ao transporte urbano e suburbano de passageiros.      
                                                 
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Então ,com esse novo esquema, todas as sextas feiras que eu sabia da saída de Noélia, ao retornar da Faculdade para casa, já arrumava a minha bagagem a fim de passar todo o final de semana, lá no pensionato onde a turma ficava hospedada. Mais adiante modifiquei novamente aquele esquema inicial e ao sair da Faculdade, ia diretamente para a porta das Mercês, esperar a saída das meninas. Encontrava com Noélia e dali  íamos juntos até chegar no pensionato. Sempre os nossos finais de semana eram variados, para não cair na rotina.
Ao final das aulas de 1952, retornamos a Poções e todas as quintas feiras, no período da manhã, seguia com Papai até a Vila do Amianto, onde atendia os operários e seus familiares, executando somente extrações dentárias. Além de ganhar um dinheirinho, servia de mais prática para mim, pois já estava habituado a fazer aqueles atendimentos, no Posto de Saúde da Maçonaria, localizado na Rua Carlos Gomes, em Salvador.
Os dias de dezembro se seguiram, até a festa do Réveillon no Clube Social, onde nós dois sempre dançávamos juntos, todas as partes, sendo sempre observados pelos olhos de Tia Tália. Fazíamos inveja a muita gente, pois, sendo um dançarino nota 1000 e tendo como companhia a minha querida Nó, que era levezinha, rodopiávamos aquele salão dezenas de vezes. Era o namoro mais gostoso deste mundo. À  meia noite, houve aquela confraternização geral, onde todos os presentes, se abraçavam e se beijavam, uns, apenas com cumprimentos manuais, desejando aos seus parentes e amigos, mil venturas para o ano novo de 1953.
Lá pelas tantas horas da madrugada, só não gostei, quando o Sr. Octaviano, esposo de Amélia, retirou todo o pessoal do clube, alegando cansaço, por suas atividades em sua loja, no dia anterior. Fiquei chateado com o acontecido. Mas que jeito. Perdido dentro do clube, o recurso foi também tomar o caminho de casa.
Na tarde do dia primeiro de janeiro de 1953, encontramo-nos dentro do salão do clube, para comemorar o nosso primeiro ano de namoro. Uma tarde completamente diferente daquela vivida no ano anterior. Sem marcações aos colegas interessados por Noélia. Sem aquela expectativa de querer vencer os adversários. Estávamos alí radiantes, um com o outro e dançamos novamente todas as partes e para bem comemorar, fomos à noite ao Cine Santo Antônio, onde nos sentamos na última fila...
Apesar dos pesares, Amélia que era a irmã mais velha, sentindo de perto que o nosso namoro não era coisa banal, sugeriu a Nó, que a partir daqueles dias nos encontrássemos à porta de casa, somente não o fazendo aos sábados, pois era o dia em que o  Sr. Jambinho, vinha da fazenda e passava o dia quase todo em Poções. Foi uma decisão auspiciosa para nós, pois não precisaríamos ficar nos escondendo de uns e de outros. Tal resolução veio até de encontro a certa oportunidade, em que, ao saber do seu namoro comigo, Amélia chamou Nó às falas e lhe disse :
“---Você ainda é uma menina e está de namoro com esse rapaz, que já faz Faculdade.”

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Seu Jambinho”, pai de Nó, tinha o hábito de vir da fazenda, aos sábados, durante o dia, por causa da feira. Resolvia todos os negócios e o jantar, era aí por volta das 20:30 a 21horas. Nesse interim, Nó e eu, já estávamos no cinema. Então com toda a cautela, gozamos de nossas férias sem nenhum constrangimento. Ao retornarmos a Salvador, algumas vezes cheguei a frequentar o Colégio Nossa Senhora das Mercês, onde acompanhava o Sr. Juvêncio lago Silva, pai de Irene, até um local, chamado de PARLATÓRIO, onde podia rever a minha querida Nó. Ficávamos numa sala, conversando durante algum tempo, sem podermos estender muito, a fim de  não interromper as aulas das garotas.
Numa certa ocasião, houve uma festinha, tipo quermesse e aí para ganhar algum dinheiro, as freiras facilitavam mais a fiscalização, onde passamos uma tarde bem agradável.
Como citei em linhas atrás, Nino, nosso amigo de Poções, que estudava em Salvador e era hóspede do pensionato do Sr. Omar e interessado em namorar alguma garota do Colégio das Mercês, achou por bem em mudar de pensionato, conseguindo uma vaga em um que ficava justamente em frente ao Colégio. Do terceiro andar desse pensionato, avistava-se muito bem o local do recreio das alunas e eles se comunicavam através do alfabeto dos surdos – mudos. Numa certa feita, Nino comunicou-me o fato e apareci para ver de perto como a coisa funcionava. Aos poucos fui também aprendendo  a gesticulação com as mãos e verifiquei que tudo se arrumava perfeitamente bem. Nó, como sempre tímida e arredia ficava por alí. Mandava os recados pelas outras meninas e fingia não estar participando. Foram momentos interessantes que só a mente dos jovens pode desenvolver.
Considerando-se que o Colégio Nossa Senhora das Mercês, que naquele período de ensino, era assim por dizer, um dos mais “fechados”, com a fiscalização das alunas internas, vê-se claramente por esse fatos aqui narrados, que as próprias alunas e seus pretendentes, já faziam o jogo contrário e diga-se de passagem:” quanto mais se fecha, há sempre algumas alternativas para se abrir.
A Faculdade de Odontologia, que na época, funcionava no antigo prédio da Faculdade de Medicina, no largo do Terreiro, próximo a Igreja da Catedral, realizava as suas aulas teóricas nos anfiteatros ali existentes, de acordo com os horários programados para o seu curso e dos demais de medicina e farmácia. As aulas de prática, também eram realizadas nos laboratórios que serviam de apoio aos três cursos, onde viviam irmanamente, sem nenhum contratempo. Desfrutávamos também, da mesma cantina e das salas de jogos e divertimentos. Fazendo um ligeiro resumo da minha passagem naquela Instituição de Ensino Superior, poderei citar desde o trote inicial, já narrado em linhas atrás, ao trote com todos os alunos de todas as Faculdades reunidas no mesmo dia, onde um dos nossos colegas de Odontologia, quase ficou em estado de coma  alcoólico. O torneio eliminatório de futebol, no velho Estádio da Graça, onde por força de uma tabela, que nos prejudicou bastante, começamos a jogar às 13 horas, sob um sol causticante e fomos derrotando um a um, os nossos adversários, até jogarmos a partida final , quase às vinte  horas e já extenuados, perdemos por 2 a 1 para a Faculdade de Filosofia.


PARLATÓRIO: também conhecido como locutório. Local onde os internos conversam com as pessoas que os visitam.

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Cursando o último ano da Faculdade e estando praticamente sem dinheiro, pois a mesada que o Dr. Ary enviava não supria as necessidades mensais, comecei a colecionar todo o tipo de variedades que aparecia. Desta forma, comecei a juntar figurinhas de um álbum chamado “Seleções” e aos poucos fui descobrindo que muitas delas, eram consideradas como “difíceis”. Ao mesmo tempo, uma companhia de refrigerantes, colocou na Cidade, um tipo de concurso, onde as pessoas teriam que colecionar as tampinhas das garrafas, com as figuras de diversas mercadorias, como bicicletas, geladeiras e por aí afora , uma gana  de objetos desde os mais simples, como carrinhos de brinquedo e bonecas. No álbum, apareciam figuras numeradas, onde as mais difíceis eram “rampa do mercado”, “camelo”, pássaro azul, enquanto nas tampinhas, apareciam as figuras dos objetos com os números a partir do  um. À medida que o tempo passava, fui descobrindo as mais difíceis e após as aulas da Faculdade, caminhava com um ou outro colega também  interessado e íamos até a Rua Chile, que naquela época, era o ponto de elite da Cidade de Salvador. Naquele local, vendíamos pelos preços os mais variados possíveis, as figuras e as tampinhas de  garrafa. Não deu outra. Na base das velha Matemática, aos poucos fui colecionando figurinhas e tampinhas e ao final de uns dois meses, ganhei um bom dinheirinho.
Numa determinada ocasião, quando havia acabado de almoçar, eis que à porta da casa de tia Edite, estaciona um automóvel, tendo ao volante, um amigo nosso, de alguns passeios, por nome Gloriano, trazendo sem sua companhia  o velho amigo Nino.
Fui atendê-los e perguntei logo em seguida, meio assustado, pois nunca os vira alí em dia nenhum:
‘’Qual é o problema rapazes?
Gloriano respondeu de imediato:
---Se você quer ver a sua Nó, entre aqui no carro e venha conosco, pois o Colégio das Mercês alugou um ônibus que irá rodar a tarde toda, mostrando  às alunas, os principais pontos turísticos da cidade.
Foi num piscar de olhos. Em pouco tempo estava com a roupa trocada e meti no carro de Gloriano e seguimos em busca do tal ônibus. E de fato, os meus amigos estavam certos. Ao chegarmos nas imediações do Colégio das Mercês, avistamos ao longe, o ônibus seguindo pela Avenida 7 de setembro, passando pelo antigo Palácio do Governo, indo em direção ao Campo Grande. Gloriano acelerou um pouco e de dentro do carro, já víamos algumas garotas no último banco, voltadas  para nós e através do vidro, acenavam  e riam à vontade. Nenhuma delas eram nossas conhecidas, mas por educação, retribuíamos os acenos. Continuamos seguindo o ônibus através do Corredor da Vitória, descemos a ladeira da Barra, passando em frente ao Iate Clube da Bahia, até chegarmos ao Porto da Barra, mas indo em frente, o ônibus só foi fazer a primeira parada, no largo,  em frente ao Forte. Guardamos uma certa distância e vimos que todas as alunas saltaram.

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Nós ficamos a uma certa distância, para não sermos vistos e aguardamos pacientemente até que o ônibus  continuasse  indo estacionar mais uma vez, próximo ao Cristo, que ficava lá no alto de uma pequena ladeira. Alí , novamente Gloriano estacionou o veículo bem longe do ônibus, quando todos nós saltamos e fomos nos aproximando cautelosamente, As freiras por sua vez, deixaram as meninas  à vontade. Nó ,como sempre meio ARREDIA, temerosa de ser observada pelas freiras, conversava sem dar na pinta. Aquela conversação deve durado alí  cerca de meia hora, quando então todo o pessoal retornou ao ônibus e o passeio prosseguiu o tempo todo pela orla, mas não houve outra parada significativa, para que tivéssemos nova chance de ver as meninas tão perto.
Em meados de abril, numa reunião do Diretório Acadêmico da Faculdade de Odontologia, com todos os alunos da terceira série, presentes, resolveu por unanimidade, colocar um automóvel da marca Hilman Minx, numa rifa, para que a renda pudesse ajudar a custear uma parte das despesas, do sonho da maioria, que gostaria de conhecer Buenos Aires, capital da Argentina. Dias depois com o automóvel adquirido, pelo colega João Durval Carneiro, que muitos anos mais tarde, tornou-se Governador do Estado da Bahia, foi efetuada a distribuição dos bilhetes da seguinte forma: uma parte ficaria  individualizada, pois cada colega teria que vender pelo menos 50% dos mesmos. Alguns talões, que faziam parte da segunda quota, seriam entregues a cinco colegas escolhidos entre si, cuja vendagem seria revertida em beneficio dos mesmos, guardando-se as respectivas percentagens pelo trabalho e desempenho de cada um. E finalmente a terceira parte, faria parte da turma toda, para que tais bilhetes fossem vendidos nas praças públicas, nos bairros ou em qualquer local que fosse marcado previamente, para o comparecimento daqueles sorteados.
Como a Festa do Divino Espírito Santo, seria realizada entre 15 e 24 de maio, procurei chegar em Poções, na sexta feira, para apreciar a “Chegada das Bandeiras” e pedi a Papai  para me ajudar na vendagem dos bilhetes  da rifa. À noite fui ver de perto a parte religiosa , que era realizada exclusivamente na Igreja, que ficava exatamente na Praça, onde eram realizada a parte profana. Depois da novena, cheguei até o centro da Praça e o que vi logo de perto; um pavilhão, onde nele de um lado estava armado um palco, para a exibição da Filarmônica da Cidade, com suas músicas próprias e que no decorrer da noite, iria apresentar também músicas populares, para a turma dançar. Soube por informações de pessoas habituadas a frequentar o pavilhão em anos anteriores, que nos primeiros dias da festa, realizou-se noitadas de bingo, com cartelas vendidas para cada sorteio. Nos três  últimos dias da festa, iriam fazer leilão de diversos objetos oferecidos pela população. Percorri  a Praça em sua totalidade, vendo em cada setor da mesma, um parque de diversões , com Roda Gigante, Carrossel, Barquinhos, Carrinhos, Serviço de Som, enfim uma PARAFERNÁLIA de peças, para gozo das pessoas .Em volta de toda a Praça, uma dezena de barraquinhas cobertas de palha, onde os frequentadores iriam desfrutar de comidas e bebidas.

ARREDIA: diz-se daquele que se afasta voluntariamente dos lugares onde os demais estão. Que se isola. Que se separa.

PARAFERNÁLIA: Conjunto do que é necessário a determinada atividade.

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Pela primeira vez, participei de um jogo, chamado de “Estado”. Numa barraca simples, observei diversas pessoas em volta, apostando umas fichas em alguns números que variavam do número 6 ao 36, Eram seis Estados do Brasil e em cada um, faziam parte cinco números . No centro do tabuleiro existia uma espécie de funil de duas bocas abertas, onde eram jogados pelo dono da barraca, seis dados, que despois de somados indicava os vencedores e os perdedores. Os números 6 e 36 eram aqueles que pagavam melhor importância, devido a dificuldade de aparecerem na soma dos seis dados. Fiquei uma meia hora analisando aquele jogo por demais interessante, que dependia exclusivamente  de sorte e de algum esquema montado, por qualquer apostador. Dei sorte, porque comprando três cruzeiros de ficha, em pouco tempo, consegui amealhar trinta e seis cruzeiros. Antes que a sorte virasse para outro apostador, resolvi sair em busca de novas aventuras. Fui então ver de perto como é que funcionava o leilão, que por sinal, já estava em andamento, com muitas pessoas participando. Naquela oportunidade, já conhecia alguns personagens principais da vida da Cidade e que por sinal, no momento, faziam parte da Comissão da Festa. Consegui ver de perto Corinto Sarno, que anos atrás, avalizou o meu ingresso no Clube Social. Alcides Fagundes, Prefeito da Cidade e pai de Deusdete Fagundes, que em certa época de minhas viagens, conduziu-me até o local onde poderia pegar o transporte para Iguaí. Bernardo Messias, que numa outra ocasião hospedou-me em sua residência. Américo Libonati, parente da família Sarno e negociante. Dr. Alcides Pinheiro dos Reis. Engenheiro agrônomo, que militou por muito tempo nesta Cidade, sendo responsável pela Agência do Fomento Agrícola e outros mais, que participavam da mesa principal, onde estavam arrumados os objetos que fariam parte do leilão a ser realizados nos três dias da festa. Achei interessante em certo momento, quando entrou em leilão, um frango assado, todo envolto em papel transparente e arrumado com fitas e colocado sobre uma bandeja de metal inoxidável. O rapaz encarregado de passar próximo às mesas, oferecendo o produto, falava em voz alta, porque em certos momentos, a música vinda do parque de diversões, impedia que todos ouvissem claramente o que ele dizia.
Para que todos entendam direito o que se passou, naquela hora do leilão, vou trocar os cruzeiros da época, pelos reais de hoje, a fim de facilitar mais o entendimento.
O rapaz anunciou:
---E agora, um delicioso franguinho, vou pedir a gentileza dessa senhorita para que me diga quanto ele vale. A mocinha, que fazia parte de uma mesa, onde estavam cerca de cinco pessoas, olhou para os seus companheiros e arriscou: ---Ele vale dez reais. À partir daquele instante, começou uma disputa, entre participantes de duas mesas rivais, onde um deles chegou a dizer:  ---esse frango não chegará ao bico de vocês!
O certo é que depois de vários lances de parte a parte, o franguinho que começou a receber um lance inexpressivo de dez reais, foi arrematado pelo grupo vencedor, por duzentos e quarenta reais, com o seguinte adendo:
“---não disse a vocês, que não iriam provar desse frango!”

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Embora Noélia não tenha vindo para as Festas do Divino, devido as suas aulas, achei a minha missão cumprida. Vim para conhecer os movimentos e ao mesmo tempo vender os bilhetes da rifa, tendo a boa colaboração de Papai, que junto aos seus amigos, conseguiu dar um grande avanço nos bilhetes do meu talão. Em compensação, com o ganho que tive no jogo do “Estado”, ajudou-o na despesa da passagem de ônibus na volta a Salvador. Dias depois, já retornava  a Poções, para gozar as férias de meio de ano e com a companhia de Nó, pois havíamos combinado antecipadamente.
Nas duas quintas-feiras, que faziam parte das férias, fui ao Amianto, continuar os meus trabalhos dentários, mas o casal Dr. Pelissier/Dona Madeleine, haviam sido substituídos por outro gerente, solteiro, tipo boa vida. Um camarada mais aberto ao diálogo e por sinal um grande bebedor de whisky. Numa das quintas feiras, ele insistiu, para que demorasse mais um pouco a fim de nós jogarmos sinuca eo fizemos quase a tarde toda, também em companhia de Raimilson Gusmão. Nós chegamos de volta a Poções, somente após o jantar. Naquela oportunidade, ainda lembrei-me de uns dizeres de tia Edite, que em  certa ocasião, comentando sobre alguns franceses que ela havia conhecido:
---“Sabia que eles são pão duros, mas ignorava que fossem irresponsáveis e imaturos.”
Com as férias de meio de ano acabam num piscar de olhos, Nó e eu retornamos às nossas atividades e eu já preocupado com a minha consolidação na vendagem dos bilhetes da rifa do carro. Quando era marcada uma saída de grupos, nunca faltei a nenhuma delas. Certa feita então, o grupo de 5 combinou a passar uma poite em Praia Grande e Piripiri. Teríamos que tomar o bonde até a Calçada e de lá, pegar o trem para saltar em Praia Grande. Como Piripiri era vizinho, não seria necessário pegar outra vez o trem. Quando cheguei na estação da Calçada, somente compareceu o Péricles e fomos nós dois vender os bilhetes, que por sinal houve uma grande aceitação, mesmo porque, um primo nosso, nos ajudou bastante, com os amigos e conhecidos dele, daquela região. Resultado é que a porcentagem recaiu totalmente para nós dois, tendo em vista que os outros três colegas não compareceram.
Como já estava ciente, que Nó saía sempre todas as sextas feira, de quinze em quinze dias, logo que terminava a última aula da Faculdade, ia me postar, próximo ao portão de saída das alunas. O fardamento consistia numa blusa branca, com uma gravata azul. Saia azul marinho plissada e comprida, bem abaixo dos joelhos, caracterizando-se daquela forma, o espírito  PUDICO, implantado pelas freiras. Com o calor que fazia em Salvador, não sei como é que aquelas garotas aguentavam vestir-se daquela maneira. Dalí íamos à Rua Direita da Piedade, onde Nó ficaria hospedada o resto da[i] semana. À partir de então, para ficar economicamente melhor para mim, ficava hospedado também no pensionato, onde pagava somente duas diárias(sábados e domingos), ao invés de ficar ir e vindo da casa de tia Edite. E assim a história se repetia duas vezes ao mês e o pessoal já ficava avisado desde a minha saída na sexta feira.
PUDICO: que demonstra recato. Envergonhado. Tímido.





segunda-feira, 22 de abril de 2013

Autobiografia de Irundy Dias ( 21 )

Ao retornar, trouxe comigo, uma dessas cadernetas pequenas para anotações rápidas e no bolso, uma caneta, enquanto no palco, colocavam uma mesa quadrada, coberta por uma toalha e sobre ela uma caixa de sapatos, repleta de envelopes azuis, daqueles usados para colocar correspondências a  serem enviadas pelos Correios. Desci a pequena escada que comunicava o palco à plateia e dirigi-me às últimas fileiras, onde com a voz estridente anunciei o que iria executar. Aproximei-me de uma senhorita e pedi-lhe para escrever na caderneta, uma centena qualquer, com os sem algarismos repetidos. Recebi a caderneta de volta e falei em voz alta:
---Essa mocinha escreveu aqui na caderneta uma centena à sua livre escolha. Vou passar por diversas pessoas e cada uma delas, colocará também uma centena, de preferência diferente daquela que ela escreveu. Combinado?
À medida que mais quatro pessoas foram colocando as suas centenas, fui chegando perto do palco e subi a escada. Lá no palco, convidei  outra pessoa, que quisesse subir, para fazer a soma das cinco centenas que haviam sido escritas na caderneta . Assim que ele terminou, anunciei:
---Atenção pessoal! O nosso amigo aqui acabou de efetuar o cálculo e achou para a soma das cinco centenas, o número 2017. Quero antecipadamente agradecer a colaboração de todos e para encerrar o espetáculo, gostaria de chamar ao palco, um garoto ou uma garota, para nos ajudar numa outra tarefa. Assim que uma menininha de seus seis a sete anos subiu a escada com o auxílio de outra pessoa e chegou ao palco, pedi para que a mesma retirasse da caixa de sapatos, qualquer envelope azul, abrisse e mostrasse ao público o que estivesse dentro. A garotinha bem inteligente, por sinal, fez tudo direitinho como ensinei. Retirou um envelope qualquer, abriu-o e com a outra mão, puxou de dentro um papel branco. Colocou o envelope puro sobre a mesa e o papel que estava na outra mão, desenrolou-o e mostrou ao público o que em tinta NANQUIM aparecia escrito. Era o número 2017. Quando a plateia viu o resultado, a reações foram bem diversas: uns riram, outros assoviaram e mais alguns bateram palmas. Enfim, o truque da matemática, surtira o efeito desejado. Em sequência ao show, Clóvis Pereira Junior, anunciou: --- Senhoras e senhores, o nosso show é por demais variado. Agora, iremos nos reportar e reviver um pouco do passado em História Geral. Anunciaremos à seguir, Napoleão Bonaparte, passando o Monte Branco.
Quando as cortinas reabriram, vimos duas mesas grandes e juntas no centro do palco, contendo uma pilha enorme de peças brancas. Eram toalhas, camisas, calças, lenços, camisolas, lençóis, enfim todas as peças  amontoadas, eram brancas. Apareceu Affonso Manta com o mesmo uniforme que Napoleão Bonaparte vestia quando de suas batalhas memoráveis, mas segurava em uma das mãos, um ferro de engomar, enquanto a outra se situava por dentro do seu casaco, encostada ao peito. Suavemente, passava o ferro sobre as peças brancas, sem ter o cuidado de arrumá-las ou dobrá-las. Naquela posição se manteve alguns segundos, sem sequer dizer uma palavra. De imediato a cortina foi descerrada.
NANQUIM: Tinta preta  que se usa em desenho. Tecido de algodão amarelado, fabricado inicialmente apenas em Nanquim.
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O número seguinte apresentou  a nossa colega Dinah Sena Nery, que era bem magrinha e possuía uma facilidade incrível de se contorcer. Era uma dança bem suave e ela fazia uma manobra de pernas e braços com tanta perfeição, que deixou muita gente com vontade de repetir aquele contorcionismo em casa. A garota fez uma exibição fantástica.
Pela primeira vez, na noite,  Carlos Nápoli, pegou o microfone para comandar o espetáculo e anunciou a presença de mais dois calouros, sendo que um deles, apresentou-se fazendo EMBAIXADAS.
Logo em seguida, foi anunciada a presença de Affonso Manta, para daquela vez imitar as vozes e gestos de três pessoas queridas de nossa sociedade.   Assim que Affonso começou imitando a gesticulação do Sr. Alcides Fernandes, que tinha o hábito de esfregar as mãos, uma de encontro a outra, mas o fez com tamanha maestria, que o público prorrompeu em aplausos. Depois, ele imitou a voz e aquela tosse seca de Hidelbrando Rocha (Deco),que estando na farmácia de Papai, dizia:
“---Ary, ou Ary(com voz e tosse entrecortadas), vamos jogar uma partida de gamão?”
Mais risos e aplausos.
Por último, Affonso imitou a voz rouca e um pouco fanhosa do Sr. Saturnino Macêdo, o conhecidíssimo Yoyô Macêdo, que estando no seu cartório, dizia ao seu filho Vilobaldo:
“--- Vila, ô  Vila, que me passar o carimbo para eu reconhecer essa firma ?”
Outros aplausos, acompanhados de risos e assovios.
O interessante na apresentação do nosso espetáculo, é que cada número se superava a sí próprio se fosse comparado ao que tínhamos visto nos ensaios. Os rapazes e as moças brilharam de ponta a ponta.
Retornei ao comando e ao reabrirem as cortinas, no centro do palco achava-se um banco de jardim e nele sentados bem juntinhos como dois namorados, Clóvis Pereira Júnior e Rosimari. À medida que os segundos foram se passando, Rosimari foi-se afastando, fazendo uma cara de que algo mal cheiroso partia de Clóvis. Ele intrigado com o afastamento dela, notou também que o mau cheiro não partia dele e possivelmente seria ela, querendo colocar a culpa nele. E o fedor aumentava tanto, que os dois namorados já se encontravam quase sentados nas extremidades opostas do banco. Eis que de repente, por trás do banco, surgiu a figura de Carlos Nápoli, levantando-se e suspendendo as calças. Carlos de imediato olhou para o chão onde havia feito o seu “serviço” e dali saiu imediatamente de cena. O pano da cortina também se fechou, deixando os espectadores rindo à vontade.  --- Senhoras e senhores, esperamos que estejam gostando de nossas brincadeiras. Dentro de instantes apresentaremos os dois últimos calouros da noite e logo após, presentearemos o vencedor com um brinde oferecido por uma das casas comerciais a quem agradecemos.
EMBAIXADAS: Espécie de jogo, em que a pessoa com muita habilidade consegue manter uma bola no ar sem cair ao chão, manobrando-a com a cabeça, ombros e pés.
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Depois dessa fala, pedi ao público muita atenção no número à  seguir, pois a nossa colega Rosilda Luz, após um intenso treinamento com mambos, iria apresentar um tipo de dança mexendo e remexendo com as cadeiras. Saí de cena enquanto as cortinas eram reabertas. O fundo musical era daqueles mambos mais solicitados nas rádios. O palco estava repleto de cadeiras e todas completamente desarrumadas. Aí apareceu a figura de Rosilda Luz, que na maior calma do mundo, começou a colocar as cadeiras nos seus devidos lugares, bem arrumadinhas. Gozação de novo e o povo delirava, percebendo que naquela altura do show, a que grau de inteligência eles foram submetidos. A cortina foi fechada e surgiu o Clóvis Pereira Júnior anunciando  que à seguir o Dr. Plinio  apresentaria um novo número de ilusionismo e enquanto o palco seria arrumado, ele  chamou o vencedor entre os calouros na pessoa de Wilson José de Moraes. As cortinas ficaram cerradas, mas Clóvis  recebeu o Bio, como era popularmente conhecido o Wilson Jose de Moraes e pediu ao mesmo que novamente cantasse a música Granada, ao tempo em que entregou-lhe o prêmio a que fizera jus.

--- Senhoras e senhores, --- continuou o Clóvis --- estamos chegando ao final do nosso espetáculo. Para encerrá-lo, vamos destacar os três últimos números. Em antepenúltimo, teremos agora o nosso dentista Dr. Plínio, que colaborou e muito com o nosso show a quem penhoradamente deixamos aqui os nossos agradecimentos.   

Quando as cortinas foram reabertas, no centro do palco estava uma mesa e sobre ela uma gaiola, onde dentro, um pequenino pássaro branco, saltitava de um lado para o outro, talvez espantado com o que acontecia em sua volta. No canto esquerdo o palco, um rapaz, ajudante do Dr. Plínio, segurava em umas das mãos, um fio preto comprido, em cuja extremidade, achava-se um bocal com uma lâmpada, daquelas grandes de 150 velas, que por sinal, achava-se acesa . Na outra mão ele segurava um pano preto. Para que ninguém ficasse assustado, Dr. Plínio explicou que na continuação do número, momentaneamente as luzes seriam apagadas. Pegou  outro pano preto e cobriu delicadamente a gaiola, para não assustar mais o pássaro. Retirou da cintura um revólver e no instante em que fez mira em direção à gaiola, as luzes se apagaram e ao mesmo tempo ouviu-se o estampido da arma. Com o cinema às escuras e com o som do tiro, houve muita gente  da plateia dando  gritinhos HISTÉRICOS, mesmo sendo avisadas com antecedência. Segundos depois, as luzes voltaram à sua normalidade e então, dando prosseguimento ao seu número, Dr. Plínio, retirou o pano preto de sobre a gaiola, que achava-se totalmente vazia. Onde estava o pássaro? O rapaz, que ficara no canto do palco, ao mandado de Dr. Plínio, retirou o pano preto e a lâmpada agora apagada, abrigava o pássaro branco, saltitante com o sempre, como se nada houvesse acontecido.  O número foi muito bem executado o que gerou uma grande ovação.
Após, uns dois minutos de um pequeno intervalo, voltei ao palco para apresentar o penúltimo número, encontrando ainda e plateia comentando sobre o trabalho de ilusionismo  que acabara de ser apresentado. No centro do palco, encontrava-se uma mesa, coberta por um pano bordado, que cobre as mesas grandes de sala de jantar.
HISTÉRICOS: concernente a histeria. Que ou quem é excessivamente nervoso ou agitado.
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Quando a nossa colega Cleide Mendes Lopes, surgiu em cena, pedi a qualquer pessoa da plateia, que subisse ao palco, para colocar um lenço preto, sobre os seus olhos, vedando-os completamente e o próprio rapaz teve o cuidado de levá-la  pelo braço, para ficar sentada de costas para o público, com a cabeça pousada sobre a toalha da mesa. Desci a escada e dirigi-me às últimas filas de cadeiras do cinema. Daquele local, agora com um microfone na mão, tomei um objeto de um espectador e perguntei a Cleide:
--- Atenção Cleide! Que objeto tenho agora em minhas mãos? Prontamente ela respondeu:
--- Um guarda chuva!         Andei um pouco para frente e disse:
--- E agora garota, que objeto tomei emprestado dessa moça?  Novamente Cleide respondeu:
--- Uma bolsinha pequena !    
--- Ótimo, estamos indo muito bem. Preste bastante atenção, pois o objeto que  vou tomar dessa pessoa é bem menor dos que os outros.
--- Acredito que seja uma lapiseira—respondeu Cleide já um pouco indecisa.
--- Ora, ora. Não precisa se preocupar. Todos aqui da plateia sabem que você é uma estudante, como os demais desse espetáculo são. E ainda temos a acrescentar  se porventura qualquer 0erro acontecer, você será perdoada inteiramente. Vamos continuar? Que objeto estou segurando nesse instante?
--- O brinco da orelha de qualquer moça da plateia.
Naquele momento, dirigi-me a um rapaz que achava-se ladeado por duas mocinhas e solicitei aos três que anotassem o horário que estava marcado no mostrador do seu relógio. Aí, ergui o braço esquerdo, pois o outro segurava o microfone e perguntei:
--- Qual o objeto que tenho em mãos no momento?  A resposta veio rápida:
---Um relógio de algum rapaz.
--- Cleide, agora você irá se concentrar muito mais, porque a pergunta será dificílima. Está pronta?
--- Estou. Pode perguntar.
--- Quando eu tomei emprestado esse relógio, três pessoas, incluindo o  próprio dono, tomaram nota de algo que agora vou perguntar. Que horas e minutos estavam registrados no mostrador?     Silêncio absoluto. Cleide nem se mexeu na cadeira. Tentei pela segunda vez :
--- Cleide concentre-se um pouco e com calma responda.     Passaram-se alguns segundos e nenhuma resposta  foi ouvida .   Quando então, pela terceira vez insisti nas pergunta eis que

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lá no palco, Carlos Nápoli, saiu de debaixo da mesa e virando-se para o público, gritou bem alto ---Pessoal, não tenho olhos de raios  X ...
A cortina fechou-se rapidamente, deixando o ambiente num zum zum zum ,tremendo. Uns riam, outros comentavam o desfecho. Enquanto isso, aproveitei o momento e calmamente subi a escada. Em frente à cortina cerrada, ainda com o microfone em mãos, agradeci ao público presente, pedindo desculpas pelas brincadeiras a que nos propusemos e salientando mais uma vez, que a nossa intenção foi a de apresentar em Poções, algo diferente e nunca visto.
---E agora distinto público, antes que vocês se retirem do cinema, iremos apresentar como último número, onde todos os colegas irão apresentar o grande coro da UEP.
Afastei-me do centro do palco, no mesmo instante que as cortinas eram reabertas para uma gozação final. Todos os participantes do show apareceram em cena, segurando um enorme couro de boi e foram aos poucos atravessando o palco de um lado para o outro, dando tempo para que todos lessem: ESTE É O GRANDE CORO DA UNIÃO DOS ESTUDANTES DE POÇÕES.
A nossa imaginação foi tão fértil e as brincadeiras tão inocentes e singelas, que devem ter sido guardadas na memória de todas aquelas pessoas que estiveram presentes naquela noite.
Muitas saudades guardo daquele tempo e afirmo peremptoriamente que nunca mais assisti algo assim nesta cidade.
Dias depois, participamos do Carnaval promovido pelo Clube Social, onde as matinês foram bem melhores.
Nos primeiros dias março, Noélia seguiu a Salvador para continuar os seus estudos no Colégio das Mercês, enquanto eu fiquei aguardando notícias da Faculdade e soube alguns dias após a ida de Noélia, que somente em abril ,  as minhas aulas seriam reiniciadas.

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quinta-feira, 18 de abril de 2013

Autobiografia de Irundy Dias ( p 20 )


No dia 16 de janeiro de 1952, uma quarta feira, os advogados Ezequildes  e Francino Nunes finalmente conseguiram reunir os estudantes e mais alguns interessados, para a fundação da UEP( União dos Estudantes de Poções), entidade sem fins lucrativos, visando somente agregar a juventude de Poções. Nessa mesma reunião foi escolhido o nome do veiculo de divulgação, que serias um jornalzinho com o título de UNESPO. Depois foram traçados os primeiros rumos, para que em fevereiro, organizássemos um show de variedades a ser exibido num dos cinemas da cidade.
Enquanto isso, o nosso namoro ia de vento em popa. Todas as tardes, de segunda a sexta, nos víamos na praça do obelisco; aos sábados o nosso encontro era no Cine Santo Antônio e nos domingos à tarde, dança durante as matinês do clube.
No princípio do mês de fevereiro, ou mais precisamente, no dia 8, uma sexta feira, recebi um convite verbal para comparecer na residência do Sr. Juvêncio Lago Silva  e de sua esposa Iromar Nápoli Silva, onde iriam comemorar os 15 anos de sua filha Irene. Cheguei na casa, que ficava na Praça Deocleciano Teixeira, que por sinal, era a única residência da Praça, pois todas as demais, sempre fizeram parte do comércio principal da cidade. Eram pouco mais de 20 horas e trinta minutos. A sala onde estava sendo realizada a primeira parte da festa achava-se quase superlotada. Como o mês de fevereiro sempre foi muito quente em Poções, apesar das janelas da frente, o calor era insuportável. Alguém chegou na sala vindo da parte mais interna da casa e anunciou que o Dr. Antônio Carlos Barbosa, médico atuante em Poções, iria usar da palavra para saudar a aniversariante. Com isso, muitas pessoas se deslocaram para  a outra sala, inclusive eu e lá fomos assistir uma espécie de relato sobre a vida de Salvador, durante qualquer dia da semana. Até hoje não entendi bem o alcance daquela oração, com relação ao aniversário de Irene. Percebi então que as primeiras palavras dele se referiam ao que acontecia nas manhãs de Salvador. Referiu-se que pelas manhãs, logo quando o dia começa a clarear, os vendedores de cuscuz, regado com leite de coco; os mingaus de milho ou de tapioca, salpicados com canela em pó, saem às ruas oferecendo os seus produtos, ou então aqueles que já possuem os pontos marcados e por isso mesmo os fregueses os procuram. À medida que a manhã avança, aparecem os vendedores de banana da terra, laranjas do Cabula(Cabula é um, bairro de Salvador, muito conhecido por produzir uma boa quantidade de laranjas dulcíssimas); camarão seco da Rampa do Mercado Modelo( hoje em dia é muito mais fácil e mais cômodo, achá-los no Centro de Abastecimento do Rio Vermelho). O Dr. Antônio Carlos Barbosa, enquanto fazia a sua narração, cantarolava às vezes, algumas músicas referentes aos produtos que apresentava, no sentido de que as pessoas presentes gostassem do quer estava fazendo.
No período da tarde, continuava ele, aparecia o vendedor de taboca; o homem com a caixa de sorvete bem equilibrada sobre a sua cabeça, que ficava colocada sobre uma rodilha de pano; o baleiro, com a sua cesta de  vime, repleta de bombons, chicletes e chocolates de diversos tipos. Mais à tardinha, surgiam as baianas com as suas vestes bem alvas e seus tabuleiros cheios de abará, bolinhos de estudante, cocada puxa com vários sabores, onde se sobressaíam os pedaços de coco e os INDEFECTÍVEIS acarajés fritos na hora em azeite de dendê, às vistas dos fregueses.
Terminado o seu palavreado, foi muito aplaudido e como me referi não vi nenhuma ligação do seu assunto que viesse a se coordenar com os quinze anos da prima de Noélia. Para quem não conhecia a vida cotidiana de Salvador, foi uma boa explanação, que poderia ser oferecida numa outra oportunidade.
Em seguida, foram servidos salgadinhos e doces, acompanhados de cerveja e refrigerante, num vai e vem constante, pois à medida que o tempo ia passando a parte cerimoniosa dos convidados ia cedendo a outros impulsos mais atirados, como sempre acontece em todas as festas desse gênero.


INDEFECTÍVEL: PLURAL: INDEFECTÍVEIS : Que não pode faltar. Que não pode falhar.
                                             Certo. Infalível. Que sempre existirá. Indestrutível.Indefensável.

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Noélia e eu ,quase não tivemos tempo de conversar, porque além da grande parte de parentes presentes, não era momento propício para namorar. Chegando a hora do  “parabéns a você”, quando se apagou a luz da sala, achava-se sobre a mesa, um  imponente bolo de três andares, com uma bonequinha na parte alta segurando um pedestal, tendo ao seu lado, o número 15.
Antes das vinte e duas horas e trinta minutos, agradeci aos anfitriões e a aniversariante pelo convite e Noélia, não é que teve a coragem de ir comigo até a saída para nos despedirmos?
Os dias que se seguiram, foram de muito trabalho, pois Dr. Ezequildes e Dr. Francino, organizadores  do evento, que iria ser realizado  no dia  20, não davam trégua ao pessoal. Rapazes e moças envolvidos no show ensaiavam pela manhã e à tarde numa garra, para que pudéssemos apresentar algo inédito em Poções. Seria um espetáculo de variedades, incluindo-se uma programação, para premiar o melhor calouro da noite.
Caso a minha memória venha a falhar, já vou incluindo as minhas desculpas antecipadas, pelos nomes dos rapazes e moças que participaram do evento e que não estiverem incluídos na relação abaixo. Foram eles:
Rapazes: Antônio Rocco Libonati, Affonso Manta Alves Dias, Carlos Humberto de Campo Neto, Carlos Alberto Nápoli, Clemente Antônio de Brito (Clementãoi), Clemente Brito, Clóvis Pereira Júnior, Joel de Souza Curvêlo, José Otávio Duarte Curvêlo e eu.
Moças: Cleide Mendes Lopes, Rosemari  Gusmão, Rosilda Alves Luz, Dinah de Sousa Neri, entre outras.
Contamos também com a valiosa colaboração do dentista Dr. Plínio de Almeida Lírio, que apresentaria dois números de ilusionismo.
De acordo com os ensaios realizados, Dr. Francino escolheu três apresentadores que durante o espetáculo, fariam um revezamento entre si. Carlos Alberto Nápoli, Clóvis Pereira Júnior e Irundy Manta Alves Dias  foram os rapazes encarregados das apresentações de todos os números.
Dia 20 de fevereiro de 1952, uma quarta feira, foi a data escolhida, para que no Cine Santo Antônio, fosse realizado o melhor show de variedades já aparecidos em Poções. Portanto senhoras e senhores acomodem-se em suas poltronas, pois daqui a alguns instantes:
Como nós fizemos uma propaganda exemplar, o Cine Santo Antônio estava lotado. De forma IMPRETERÍVEL, as cortinas de abriram exatamente às 20 horas. O Dr. Ezequildes Nunes, como Diretor Presidente da UEP, foi quem fez a apresentação inicial e em seguida nos chamou ao palco, citando que caberia a nós três, a condução do show. Pediu também aos assistentes as nossas desculpas antecipadas, explicando que o motivo principal de nossa apresentação, era o de fazer algo que nunca fora visto em Poções e como não existiam profissionais e somente jovens estudantes e colaboradores, poderiam ocorrer alguns erros durante o evento.
IMPRETERÍVEL: que não pode deixar de ser feito ou executado.; indispensável.
                                                   
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Fui o primeiro a anunciar que teríamos no decorrer da  noite, um grupo de calouros, cantando ou dançando, ou ainda, cada qual mostrando as suas habilidades individuais. Para que os espectadores não ficassem cansados, nós iríamos intercalar os calouros, com os números promovidos pelos estudantes, fazendo um bom  revezamento. Assim é que, depois da cantoria dos dois primeiros calouros, a cortina se fechou e quase de imediato anunciei:
---Senhoras e senhores, ópera é um tipo de espetáculo que nem sempre agrada a todos. Por isso mesmo, iremos apresentar de forma bem rápida, a célebre ópera intitulada AÍDA DE VERDI.
A cortina foi reaberta. Bem suavemente ouvia-se os acordes da ópera mencionada. Aí apareceu em cena, a estudante Rosilda Alves Luz, toda vestida de verde, com uma faixa transversal branca, colocada sobre a seu vestido, com as palavra escrita em letras garrafais: Aída.
Simplesmente ela atravessou do lado esquerdo para o lado direito do palco e retornou de onde tinha vindo, quando então as cortinas se fecharam rapidamente, mostrando ao público, logo de saída, que tipo de espetáculo  eles apreciariam no decorrer da noite.
Em seguida, expliquei ao pessoal, que o número a seguir, era uma colaboração do dentista Dr. Plínio de Almeida Lírio. As cortinas se abriram e então apareceu, o Dr. Plínio, segurando a mão esquerda de uma garota. Foram saudados pela plateia e sem dizer nenhuma palavra ele e a moça colocaram duas cadeiras, uma em frente a outra, com um espaço de mais ou menos um metro. Ele ajudou-a a colocar a cabeça e ombros sobre uma delas, enquanto pernas  e pés ficaram sobre a outra. No espaço entre uma cadeira e outra, a moça procurou ficar bem firme, com o seu tórax e nádegas. À partir daquele instante, com uma das mãos, ele hipnotizou-a e sentindo a firmeza no que fazia, fez gestos para que o corpo da garota, deixasse o apoio das cadeiras, ficando flutuando no ar. Não cheguei a marcar o tempo, mas em questão de segundos, o Dr. Plínio fez a moça retornar ao seu estado inicial. Pelo trabalho executado ele recebeu muitos aplausos e tomando ligeiramente o microfone de minhas mãos falou:
“---Minha boa gente de Poções, estou tomando um curso de hipnose, para executar trabalhos  em meu gabinete dentário, a fim de que os meus pacientes não sofram qualquer tipo de dor e com isso, estou me aperfeiçoando em outros trabalhos, como o que acabei de apresentar e peço desculpas se não foi do agrado de vocês. Hoje mesmo, ainda irei apresentar um outro número, colaborando com essa estudantada. Obrigado.”
Passei momentaneamente o comando do espetáculo ao meu colega  Clóvis Pereira Junior, porque o número imediato seria da apresentação de mais dois calouros. Enquanto os dois candidatos iriam se apresentar, fui aos bastidores preparar-me, pois na volta estaria junto à plateia, para um número exclusivamente meu.

AÍDA DE VERDI: Giuseppe Verdi, músico romântico e compositor italiano, autor de várias óperas, como Rigoletto (1851), La Traviata ( 1853), Um baile de máscaras (1859) , AÍDA (1871) entre outras.   


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segunda-feira, 15 de abril de 2013

Autobiografia de Irundy Dias ( p 19 )

Chegado o dia do Réveillon, à pedido do nosso amigo, dancei com a namorada dele apenas duas vezes, mas acredito que ela não ligou muito para a suspensão  que ele recebera, pois dançou muitas vezes com diversos rapazes. Fiz a minha parte,. Mas não iria ficar como fiscal da moça que mal eu conhecia. De minha parte, cheguei a observar quer muitas pessoas ficavam olhando como eu dançava. Mas o meu aprendizado fora de longas jornadas no Rumba Dancing da Salvador(Mais adiante relatarei alguns casos de nossa passagem por ali.) O certo é que a festinha do Réveillon gostei muito, pois foi a primeira vez que dancei em Poções e variei com diversas mocinhas, inclusive aquela que foi certo dia lá em casa convidar o pessoal para o almoço festivo do casamento da irmã . À meia noite houve o espocar das garrafas de champanhe e os abraços entre todas as pessoas desejando mil venturas Os mais  íntimos se beijavam e tri=ocavam juras de amos e de fidelidade. Fui cumprimentado por diversas pessoas que até então nem conhecia. Notei que entre os músicos havia uma comunicabilidade muito extensa. Soube depois que eles pertenciam à família poçõense e é bem natural que o seu contentamento extravasasse com muitas alegrias.
Por informações obtidas no grande intervalo, para que os músicos fizessem o seu descanso natural, soube por alguns rapazes que a tal garota com quem eu dançara duas vezes, chamava-se Noélia e estava de namorico com um rapaz que por sinal não fora à festa. Deduzi que o mesmo talvez não fosse sócio e possivelmente não gostava daqueles ambientes  festivos. Como se diz na gíria, a festa foi tão boa que eu só saí no cisco.
No dia primeiro de janeiro de 1952, acordei quase ao meio dia. Quando abri a porta do meu quarto, que era voltado para a sala de jantar, avistei Papai sentado a cabeceira da mesa, já na posição de quem iria almoçar. Mamãe estava na cozinha orientando a cozinheira, para trazer os pratos à mesa. Quando acabei de efetuar o meu asseio corporal completo, ao voltar do banheiro  observei que Papai já havia saído para a rua e Mamãe chupava umas limas que pareciam estar bem doces. Almocei sozinho, mas troquei um breve diálogo com Mamãe, à respeito da festa, mas a mesma  deixou-me para curtir a sua sesta diária do após o almoço. Para não ficar perambulando pela casa, sem fazer nada, resolvi continuar o meu sono interrompido naquela hora. Estava ciente que a matinê do clube só começaria às 17 horas.  

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Chegado o dia do Réveillon, à pedido do nosso amigo, dancei com a namorada dele apenas duas vezes, mas acredito que ela não ligou muito para a suspensão  que ele recebera, pois dançou muitas vezes com diversos rapazes. Fiz a minha parte,. Mas não iria ficar como fiscal da moça que mal eu conhecia. De minha parte, cheguei a observar quer muitas pessoas ficavam olhando como eu dançava. Mas o meu aprendizado fora de longas jornadas no Rumba Dancing da Salvador(Mais adiante relatarei alguns casos de nossa passagem por ali.) O certo é que a festinha do Réveillon gostei muito, pois foi a primeira vez que dancei em Poções e variei com diversas mocinhas, inclusive aquela que foi certo dia lá em casa convidar o pessoal para o almoço festivo do casamento da irmã . À meia noite houve o espocar das garrafas de champanhe e os abraços entre todas as pessoas desejando mil venturas Os mais  íntimos se beijavam e tri=ocavam juras de amos e de fidelidade. Fui cumprimentado por diversas pessoas que até então nem conhecia. Notei que entre os músicos havia uma comunicabilidade muito extensa. Soube depois que eles pertenciam à família poçõense e é bem natural que o seu contentamento extravasasse com muitas alegrias.
Por informações obtidas no grande intervalo, para que os músicos fizessem o seu descanso natural, soube por alguns rapazes que a tal garota com quem eu dançara duas vezes, chamava-se Noélia e estava de namorico com um rapaz que por sinal não fora à festa. Deduzi que o mesmo talvez não fosse sócio e possivelmente não gostava daqueles ambientes  festivos. Como se diz na gíria, a festa foi tão boa que eu só saí no cisco.
No dia primeiro de janeiro de 1952, acordei quase ao meio dia. Quando abri a porta do meu quarto, que era voltado para a sala de jantar, avistei Papai sentado a cabeceira da mesa, já na posição de quem iria almoçar. Mamãe estava na cozinha orientando a cozinheira, para trazer os pratos à mesa. Quando acabei de efetuar o meu asseio corporal completo, ao voltar do banheiro  observei que Papai já havia saído para a rua e Mamãe chupava umas limas que pareciam estar bem doces. Almocei sozinho, mas troquei um breve diálogo com Mamãe, à respeito da festa, mas a mesma  deixou-me para curtir a sua sesta diária do após o almoço. Para não ficar perambulando pela casa, sem fazer nada, resolvi continuar o meu sono interrompido naquela hora. Estava ciente que a matinê do clube só começaria às 17 horas. 
(Gente, amigos leitores, agora irá começar o namoro mais sensacional de todos os tempos. Foi iniciado no dia primeiro de janeiro de 1952. Estou passando a limpo essa parte da minha autobiografia, no dia 16 de abril de 2013. Quem sabe fazer uma pequena subtração, irá encontrar em números redondos, só 61 anos sem contarmos meses e dias.) Vamos lá :
Acordei um pouco antes das cinco para não perder o inicio de matinê. Quando cheguei, a porta do clube ainda estava fechada, mas muita gente aguardava impacientemente a abertura.   Mas não demorou muito, quando um rapaz chegou e de imediato abriu o portão de entrada, para em seguida fazer o mesmo com as duas portas, que dava  acesso ao salão. As mesas existentes no salão só foram reservadas para a noite do Réveillon, portanto aqueles que c chegassem primeiro na matinê, ficariam com o assento garantido. Reservei-me no direito de ficar em pé  e inteiramente de olho na figura de Noélia, que juntamente com as suas amigas, tomaram conta de um das mesas, bem próxima ao pequeno palanque onde ficava o conjunto musical,  que por sinal, levava quase meia horas afinando os seus instrumentos. Isso, já era praxe em todas as festas, como fiquei sabendo posteriormente em conversas com os primeiros rapazes que também estavam na festa.

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Finalmente quando o conjunto começou a tocar, por sinal um bolero, parti de imediato para o local onde Noélia se encontrava ladeado por amigas e tirei-a para dançar. Desde a véspera já havia observado que entre todas as moças com quem eu dançara, ela foi a garota com o corpinho mais leve e isso fazia com que nós flutuássemos no salão. Em certo momento, em tom elogio e já me insinuando, disse para ela:
“---Olhe bem, se nenhum amigo atrapalhar e se você quiser, hoje à tarde, dançarei todas as partes com você.”
Ela sorriu, mas não me deu nenhuma resposta.
Eu também sabia que ela estava namorando, mas o rapaz não aparecia. Não fora ao Réveillon por qualquer motivo, mas com certeza na matinê ele iria aparecer, Havia também um outro amigo nosso interessado em Noélia, porque ele mesmo me falou em determinado momento da festa;
“---irundy, se fulano( por questão de ética não iremos declinar o nome do namorado)não vier, vou tentar namorar com ela.”
Ora, se de um lado havia um namorado, para mim desconhecido e do outro, um candidato sério, qual seria o meu papel. Enfrentar e lutar. Então banquei uma astuta estratégia. Quando notava que o conjunto            estava para terminar uma parte, a fim de começar o intervalo, já deixava Noélia no local onde ficavam as amigas e ficava por ali bem próximo, fazendo a devida marcação e pensando comigo mesmo:
“---se o namorado não veio até agora, é sinal que não vem mais. Quanto aos outros pretendentes a dançar com ela, vão ficar para trás, pois daqui desse ponto estratégico não arredarei o meu pé.”
Meu plano correu às mil maravilhas. O tempo passou. Nem o namorado apareceu, nem os demais tiveram chance. É bem provável que os demais dançarinos ou candidatos a namorar com Noélia, sentiram que eu estava fazendo marcação cerrada e aí desistiram finalmente, deixando o meu caminho livre até o final da festa. Eram umas 19 horas, quando saímos do clube, em companhia das amigas e fomos andando e conversando animadamente em grupo, até chegarmos à Praça Deocleciano Teixeira, onde todos se despediram.
Depois do jantar, apenas por teimosia, fui à rua onde ela morava, na esperança de encontrá-la, mas em vão. Não vi sinal de nenhum parente nas imediações da residência. Subi em direção á Praça da Bandeira, onde se situava  o OBELISCO e cheguei a ver alguns namorados sentados nos bancos que ladeavam aquela pirâmide. Resolvi voltar para casa, porque amanhã seria outro dia.
Encontrei alguns rostos pelo caminho, que aos poucos minha mente ia assimilando e saudava-os com um discreto boa noite.
OBELISCO: Monólito de base quadrangular, que se afina progressivamente e termina em uma ponta piramidal. O de Poções tinha uma base hexagonal com lados triangulares.
                                          
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Aí por volta das 16 horas do dia seguinte fui encontrá-la na praça do Obelisco, carregando nos braços o seu sobrinho mais velho ,por nome Marcos, q        ue às vezes descia até o chão, mas ainda não sabia andar. Noélia contou-me que o menino nasceu em abril de 1951 e não fizera ainda nove meses. Disse-me também, que na noite anterior o seu pai havia chegado da fazenda e o jantar foi servido bem tarde, dificultando a sua saída. Apesar de tudo, ela e suas irmãs gostaram, pois o seu pai residia na fazenda e elas só o viam semanalmente. Após as nossas primeiras conversações, livres totalmente daquela angustiante incerteza da festa, fomos nos desinibindo e senti que era uma garota bastante inteligente, mas bastante temerosa de ser vista em minha companhia, porque os parentes poderiam dedurá-la. Era, portanto, uma garotinha que havia feito 14 anos em dezembro e tímida como demonstrava ser, tinha receio,  dos seus parentes mais chegados. A culpa também, não era somente dela. Vivia-se numa cidadezinha provinciana e ficava-se exposto ao disse me disse das más línguas. E de fato, aconteceu, que ao descermos pela Rua Itália, tivemos que nos despedir no beco vizinho ao Cine Glória, onde atualmente hoje situa-se a Agência do Bradesco, porque naquele local mais discreto, não havia o risco dele ser vista por algum parente.
Ao chegar em casa, soube por Mamãe, que tio Júlio estava em Poções e iria a Iguaí e adjacências, para vender suas mercadorias. Papai, por sua vez, ao saber dessa notícia, desejava que eu fosse também a Iguaí, aproveitando a carona e lá fizesse o balanço anual da farmácia.
Como havíamos combinado ir ao cinema, à noite estive com Noélia e expliquei à mesma, que iria afastar-me da cidade por alguns dias.
Naquela altura dos acontecimentos, tio Júlio havia comprado uma caminhonete Ford, em segunda mão e fazia as suas visitas e vendagens tranquilamente. Nos locais de difícil acesso ou que não tivesse estrada de rodagem apropriada, ele voltava aos velhos tempos, onde alugava diversos animais com aqueles sininhos do pescoço, para poder executar o mesmo serviço. O motorista tinha o apelido de “samba”, mas se pronunciava “tchamba”. Perguntando depois a tio Júlio o porquê daquela pronuncia, ele me disse que quando conheceu o rapaz, estava completamente embriagado e ao perguntar o seu nome ele simplesmente respondeu:
“---o pessoá me chama de tchamba. Tchamba de dançar...”
Nunca soubemos de fato o seu nome de registro. Era Tchamba prá lá e Tchamba prá cá.
Em Iguaí, ficamos hospedados na pensão de Dona Raquel, e antes de viajar pela mata, tio Júlio avisou que estaria de volta, uns cinco a seis dias e que regressaria de imediato a Poções. Tchamba ficou de folga os primeiros dias, enquanto fui providenciar o balanço da farmácia de Papai.
Assim  que terminei o serviço, falei para Tchamba que gostaria de procurar uma pessoa, que não via há quase dois anos. Então os dois, na caminhonete de tio Júlio, saímos á  procura  de Tezinha  e como diz o velho ditado “quem tem boca vai a Roma”, fomos perguntando aqui e ali, até chegarmos fora da estrada e do alinhamento das ruas num casebre, bem perto do cemitério.
                                                        
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Meus olhos encheram-se de lágrimas ao vê-la. Não só pela saudade, mas pelo estado de pobreza em que a encontramos.
Durante os meses que passamos em Maragogipe, nos idos de 1937, antes de regressarmos, Mamãe solicitou à sua irmã, tia Dedé, que conseguisse uma mocinha, para ajudá-la nos afazeres de casa, somente para tomar conta dos meus irmãos menores. Não foi fácil, porque naquele tempo, os pais das mocinhas, não queriam que as mesmas se ausentassem da cidade e ainda mais, no nosso caso, que além de sair de Maragogipe, queríamos levá-la para Salvador.
De vez em quando, Mamãe mandava recado para tia Dedé e a resposta era sempre a mesma.
Um belo dia, tia Dedé conseguiu uma garota de seus treze a quatorze anos, cujos pais muito pobres e cheios de filhos, não fizeram objeção. Mas naquela oportunidade, já estávamos em Iguaí e o jeito foi tio Júlio conduzí-la até nós. O nome dela: Tezinha, que conviveu conosco, desde a sua chegada até o ano de 1950, quando nos mudamos definitivamente para Poções. Ela não quis nos acompanhar e achou por bem ficar morando em Iguaí e não nos deu mais notícias.
Tezinha achava-se sentada no chão do quintal da casa, com uma criança pretinha, no seu colo, dando de mamar. Outra garotinha estava dormindo em cima de um colchãozinho  todo estragado. Foi um quadro triste e doloroso pra mim, presenciar aquela pessoa que conviveu conosco por mais ou menos, uns onze anos, com todo o conforto que meus pais puderam dar-lhe e depois de apenas dois anos, encontrá-la naquele estado de extrema PENÚRIA.
Ao voltarmos à pensão de Dona Raquel, conversei com Tchamba, para organizarmos uma viagem de Iguaí a Jequié, passando por Poções, conduzindo os passageiros que aparecessem e o que pudéssemos arrecadar seria entregue a Tezinha.
O dia 6 de janeiro foi um domingo e quando chegamos aqui em Poções, para o almoço, Mamãe não nos esperava, mas mesmo assim, ela arrumou para nós e ficou satisfeita com a atitude que eu havia tomado com relação a Tezinha. Fomos então a Jequié e deixamos os passageiros. Voltamos, mas não havia passageiro no retorno. Quando chegamos em Poções, passamos novamente em  casa e Mamãe me entregou um dinheirinho para ser dado a Tezinha. Como ainda não havia escurecido, Tchamba resolveu prosseguir a viagem, chegando em Iguaí no LUSCO-FUSCO. No dia seguinte cedo, antes de tio Júlio retornar de sua viagem pelo interior da mata, fomos à casa de Tezinha, onde entregamos parte do dinheiro arrecadado e mais a parcela que Mamãe enviara para ela. Tezinha ficou chorando e nos agradeceu bastante Cerca de dez e meia tio Júlio apareceu e logo depois do almoço retornamos.

PENÚRIA: extrema pobreza; miséria. Privação do necessário; escassez; falta.

LUSCO-FUSCO: O período de transição entre o dia e a noite. No plural: Lusco-fuscos

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sexta-feira, 12 de abril de 2013

Autobiografia de Irundy Dias ( p18 )



Da posição em que me encontrava, dava para enxergar o que os outros colegas faziam. Um deles,  estava abaixado sobre o passeio da porta da Faculdade, tendo nas mãos várias caixas de fósforo. Dali,  retirava um de cada vez e os colocava sobre o passeio em fila indiana, um atrás do outro. Depois, soube pelo próprio colega, que após o serviço, ele teve que contar todos os palitos que foram postos de uma ponta a outra. Outro colega, bancando o maluco, subia e descia os degraus da Igreja da Catedral. Parava, mexia com a cabeça e em seguida recomeçava tudo de novo, subindo e descendo os degraus. Um terceiro colega subiu numa mesa de madeira, tendo outros colegas em volta. Lá do alto ele falava e gesticulava muito:
“---Meus amigos!  Minhas senhoras e meus senhores! Todos sabem que os calouros são extremamente burros. Só passaram no vestibular por que os veteranos tiveram que ajudar, pois se não fosse isso, não teríamos neste ano a primeira série de odontologia. Gostaria então de pedir ao distinto público presente, uma calorosa salva de palmas para os veteranos de medicina, odontologia e farmácia.”  E naquele esquema já previamente preparado, seguia-se o discurso até que aquele  cansasse e subia outro  para continuar.
Outros colegas estavam mais distantes e da posição onde me encontrava, não deu para observar o que tinham feito ou o que outros estavam fazendo.
A passeata então foi um sucesso. A turma conseguiu dois caminhões, que nos acompanhou desde a porta da faculdade, até o Campo Grande, ida e volta. Cartazes os mais diversos foram feitos, todos com alusão à verba  que  fora destinada  ao conserto da sala de clínica e que até então nada fora feito. Lembro-me bem, que naquela  época, houve uma eleição para um alto escalão do Exército e que um general por nome Estilac Leal, perdeu. Mas a turma associou uma coisa à outra e fez uma faixa dizendo:
“---Este lá que é leal, perdeu as eleições. Este cá que é o tal, ganhou oito milhões.”
As referências ao Reitor e à verba destinada à sala de Clínica, foram o ponto chave da passeata, que caíram certinho como uma luva.
Como a greve só iria terminar, quando fosse restaurada a sala de clínica, recebemos comunicações, para continuar a greve.
Voltei a Poções por poucos dias pois aqui, a coisa não estava boa. O São João de Poções, nunca foi comemorado a contento e havia a desvantagem de que o motorzinho que pertencia ao Sr. Braz Labanca, sempre estava falhando e quando não, só funcionava até à meia noite fosse dia de semana, domingo, feriado ou dia santificado. E quando enguiçava ou quebrava qualquer peça pequena, era um Deus nos acuda. Grande parte dos usuários corria até o local, para verificar de perto o ocorrido. O Sr. Nicola Leto, que era o braço direito do proprietário, ficava uma “fera”, quando ocorria qualquer pane no motor. Se o conserto fosse  rápido, era um alívio total. Mas se ocorresse um dano maior, dias e dias de escuridão total era a praxe.
Foi o que ocorreu naquela minha vinda. Passamos uns dois  dias no escuro e imediatamente retornei a Salvador.
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De imediato, fui à Faculdade copiar o horário das provas do primeiro semestre que estavam nessa ordem: Anatomia. Fisiologia, Histologia e Metalurgia.
Interessante era o esquema de aprovação para cada disciplina. Totalmente diferente daquele que estávamos habituados  nos cursos ginasial e colegial. Teríamos que fazer duas provas: sendo uma em junho e a outra em novembro. Para aprovação por disciplina era um total de 14 pontos, na soma das duas provas escritas. Caso a soma ficasse situada entre 10 a 13 pontos, iríamos fazer em dezembro, uma nova prova escrita e uma prova oral, cuja média seria cinco. Se a soma, entretanto ficasse colocada entre 6 e 9 pontos, o aluno cairia no  “vago”, termo criado não sei por quem e aí o estudante teria que fazer, prova oral e prática, cuja média seria somada com a nota da prova escrita, para obter a média final cinco. Meio complicado para quem era iniciante, mas o estudante  teria que aprender. Mas, se em último caso, o aluno só obtivesse entre junho e novembro um total de 0 a 5 pontos, iria direto para fazer segunda época em fevereiro e lá tentar conseguir fazer a média cinco. Mas se mesmo assim, o estudante não alcançasse a média cinco, seria aprovado nas disciplinas restantes, ficando dependente daquela, que não obteve a média para aprovação. Vale salientar que durante o meu curso, vi muitos casos parecidos com esse esquema que mostrei. Hoje em dia não sei como é que funciona.
Um fato muito comum que acontecia no meu tempo de faculdade, era a chamada “ciumada” entre um professor com os seus alunos e por causa disso, quase a nossa turma do primeiro ano ,sobrasse no caminho. O professor de Patologia Clínica do terceiro ano, era o mesmo  que lecionava Histologia em nossa turma. Ao final do primeiro semestre, os alunos do terceiro ano escolheram para Paraninfo outro professor, enquanto o lente de Patologia, que contava como “favas contadas”, a sua escolha, ao saber do resultado,  resolveu descontar em cima de nossa turma. Na prova escrita de Histologia verificou-se apenas uma nota cinco de uma colega, tida por todos nós, como CDF, termo muito usado entre os estudantes de qualquer nível. Todos os demais alunos do primeiro ano, obtiveram um espetacular zero, inclusive o Papai aqui

De imediato, fui à Faculdade copiar o horário das provas do primeiro semestre que estavam nessa ordem: Anatomia. Fisiologia, Histologia e Metalurgia.
Interessante era o esquema de aprovação para cada disciplina. Totalmente diferente daquele que estávamos habituados  nos cursos ginasial e colegial. Teríamos que fazer duas provas: sendo uma em junho e a outra em novembro. Para aprovação por disciplina era um total de 14 pontos, na soma das duas provas escritas. Caso a soma ficasse situada entre 10 a 13 pontos, iríamos fazer em dezembro, uma nova prova escrita e uma prova oral, cuja média seria cinco. Se a soma, entretanto ficasse colocada entre 6 e 9 pontos, o aluno cairia no  “vago”, termo criado não sei por quem e aí o estudante teria que fazer, prova oral e prática, cuja média seria somada com a nota da prova escrita, para obter a média final cinco. Meio complicado para quem era iniciante, mas o estudante  teria que aprender. Mas, se em último caso, o aluno só obtivesse entre junho e novembro um total de 0 a 5 pontos, iria direto para fazer segunda época em fevereiro e lá tentar conseguir fazer a média cinco. Mas se mesmo assim, o estudante não alcançasse a média cinco, seria aprovado nas disciplinas restantes, ficando dependente daquela, que não obteve a média para aprovação. Vale salientar que durante o meu curso, vi muitos casos parecidos com esse esquema que mostrei. Hoje em dia não sei como é que funciona.
Um fato muito comum que acontecia no meu tempo de faculdade, era a chamada “ciumada” entre um professor com os seus alunos e por causa disso, quase a nossa turma do primeiro ano ,sobrasse no caminho. O professor de Patologia Clínica do terceiro ano, era o mesmo  que lecionava Histologia em nossa turma. Ao final do primeiro semestre, os alunos do terceiro ano escolheram para Paraninfo outro professor, enquanto o lente de Patologia, que contava como “favas contadas”, a sua escolha, ao saber do resultado,  resolveu descontar em cima de nossa turma. Na prova escrita de Histologia verificou-se apenas uma nota cinco de uma colega, tida por todos nós, como CDF, termo muito usado entre os estudantes de qualquer nível. Todos os demais alunos do primeiro ano obtiveram um espetacular zero inclusive o Papai aqui. Como não havia mais possibilidades de fazer 14 pontos, o jeito foi estudar com afinco para a prova de novembro e todo mundo torcendo para que o Professor não fizesse outra igual. Dias antes da prova de novembro, em sala de aula, ele simplesmente deu o seguinte aviso :
“---Nessa prova escrita que faremos na semana vindoura, quem fizer tudo certinho, só conseguirá tirar a nota sete.”
Foi um Deus nos acuda! Qualquer descuido de nossa parte, tirando um cinco, iríamos direto para segunda época em fevereiro. Chamei João Alves Pereira, aquele amigo e colega de Iguaí, Otávio Conceição Mendonça, meu vizinho de rua e Péricles Alves do Nascimento, que residia quase na Ribeira, para organizarmos um  meio de estudar em conjunto, pois um iria tirando as dúvidas dos demais. Otávio não quis participar alegando que era filho único e os pais dele por serem muito idosos, poderiam necessitar de sua companhia à noite. Fizemos um revezamento, onde cada qual receberia os dois, em dias alternados. Por incrível que pareça o nosso plano deu certo e nós três tiramos sete, o que nos levou diretamente para o “vago”. Aconteceu o previsível. Dos 73 colegas que haviam tirado zero, somente dez escaparam de ir direto para fevereiro.
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        Um colega do terceiro ano a fim de acabar definitivamente com a rusga e o mal estar entre a turma deles e o Professor em questão, aproveitou do seu aniversário e convidou-o para participar de sua festinha. A residência do rapaz era na Barroquinha e sendo amigo muito íntimo do meu colega de infância, João Alves Pereira que por sua vez estendeu o convite para mim. Aceitei o convite e lá cheguei próximo das 20 horas. De nossa turma do primeiro ano, somente João e eu. Os demais eram alunos do terceiro ano e mais alguns convidados do aniversariante. O Professor, ladeado por diversas pessoas e num determinado momento, João pegou-me pelo braço e levou-me até a presença dele, dizendo:
“---Pessoal da licença. Professor quero mostrar esse colega nosso, que foi um dos dez que tiraram a nota sete na prova escrita e que amanhã irá dar um show entra a oral e a prática.”
O Professor olhou-me assim  de um certo modo, de cima a baixo, como quem está medindo alguma coisa para poder se lembrar depois e disse:
“ ---Faço votos que repita outro sete.” Esta foi a resposta LACÔNICA   dele.
Fiquei aborrecido e chateado com a atitude de João. Não levei nem mais de dez minutos na festa. Fui para casa pensando no que poderia ocorrer no dia seguinte. “ Será que o professor iria me marcar”. “ João havia falado que eu daria um show”...
No dia seguinte na Faculdade, no horário da prova oral, havia até torcida organizada. Todos torcendo por todos. O Professor, enviou cinco de nós ao laboratório de prática, para o assistente dele, ir adiantando o serviço, enquanto os outro cinco, inclusive eu, ficamos com ele, para participar do exame oral. Apo chegar a minha vez, ele me disse:
“---Você foi um dos que tiraram sete na escrita. Então, é porque sabe mesmo  aquele assunto, não é mesmo ? não iremos sortear ponto algum. Sente-se e começaremos a sua prova oral, pelo primeiro quesito da prova escrita.”
E daquele jeito, fiz toda a prova oral, com o mesmo assunto que caiu na prova escrita, embora, à maneira dele, havia mudanças no questionamento das perguntas. Depois,  falou:
“---Agora vá a sala de prática e faça a sua prova com o meu assistente.”
Novamente eu fizera um bom exame, contando com a torcida da turma , que ficava bem próxima, assistindo a tudo bem interessada, para também avaliar como eles todos, seriam recebidos na prova de fevereiro . Foi de fato, uma parte da manhã, bem tensa. No meu caso, estaria aguardando um novo sete, para repetir a nota da prova escrita. Pensativo nos acontecimentos daquela manhã e ainda me recordando da noite passada, dirigi-me ao laboratório. Já encontrei pelo caminho, alguns colegas, aborrecidos com o tipo de exame que estava sendo imposto. Agora, bem nervoso, entrei.


LACÔNICA: Que usa de poucas palavras. Conciso. Breve

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Sorteado o ponto, o assistente mandou-me sentar próximo  a uma mesa com um microscópio e colocou umas lâminas para começar o meu exame.  O fato é que errei mais do que acertei, pois  o esquema era o de reprovar, quem bobeasse. Depois da prova prática, os comentários no corredor, não foram nada agradáveis. Ninguém havia feito boa prova prática. A nossa salvação, seria mesmo a prova oral, mesmo encarando de perto aquele Professor. Uma hora depois que o Professor e seu assistente, retiraram-se da Faculdade nós chamamos o BEDEL. Entregamos a ele uma pequena quantia em dinheiro, para que nos trouxesse a lista com as nossas notas. Nessa expectativa, cada um começava a fazer as contas. Eu que tirara sete na prova escrita. Fiz o seguinte cálculo. Outro sete na oral com um três na prática, já me dava média cinco, independentemente da prova escrita. Dali a instantes o bedel trouxe a lista e os mais afoitos, agarraram a lista forçando a que todos os demais corressem atrás deles. Foi uma euforia geral, porque um deles gritou parta a turma toda.
“---Todo mundo passou.”
  Mas, depois com calma, alguns foram saindo, para que Péricles e eu olhássemos com calma as nossas notas. Vi claramente o meu nome com as notas ao lado. Prova escrita, sete. Prova oral cinco e prova prática um. Média final cinco. Aquele “vago” foi o primeiro e último na minha vida escolar. Dois dias depois fiz a prova de Fisiologia, ficando com média seis e sendo aprovado para cursar no ano seguinte o segundo ano de Odontologia. Mesmo estudando conosco, João Alves Pereira nos acompanhou o tempo todo, mas preferiu deixar para fevereiro os seus exames.
Voltei a Poções, aqui chegando antes do Natal e fui procurado por dois advogados novatos na cidade, que gostariam de travar conhecimento com estudantes do nível médio e do curso superior, para organizarem um jornalzinho e nele difundir ideias, para aprimorar artes, música, teatro, esporte, enfim tudo o que satisfizesse o adolescente, principalmente os moradores da cidade.
Os dias foram passando e soube que o clube social estaria organizando a festa do Réveillon do 31 de dezembro e uma matiné dançante para o dia primeiro de janeiro de 1952.
Papai não era sócio do clube e só me restava comprar ingresso, o que não foi difícil, mas alguém teria que ser o responsável por minha conduta no recinto. Recorri ao Sr. Bernardo Messias, pois era a única pessoa que eu conhecia, mas infelizmente ele como Diretor do clube, não poderia apresentar-me. Era uma regra estatutária e ele não queria infringir. Como Papai era amigo dos italianos, resolveu pedir ao Sr. Corinto Sarno, que prontamente aquiesceu e só vim a conhecê-lo dias depois. Um amigo nosso, cujo nome não vou declinar por questão de ética, pediu-me para dançar algumas vezes com a sua namorada, porque estava suspenso e não poderia frequentar o clube.


BEDEL : funcionário subalterno em alguns estabelecimentos de ensino. Funcionário encarregado de manter a disciplina na escola. Inspetor.

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