quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Autobiografia de Irundy Dias(p6)


As aulas da primeira série ginasial começaram em março e logo nos primeiros dias, um colega por nome Altino Soares, por sinal um bom caricaturista, virou-se para mim e disse:
---Irundy, você está com o rosto bem vermelho e empolado.
Quando cheguei em casa, procurei logo mostrar a  vovô Manta o que o colega falara. Mandou-me tirar a blusa e constatou de imediato:
---Sarampo ! Quarentena ! Vai ficar lá em cima até o sarampo não existir mais!
Lembro-me que passei mais  ou menos uma semana longe de minhas habituais atividades.
Dias depois,  refeito de tudo e já frequentando o Liceu, eis que surge lá em casa de tia Edite,a figura simpática de um estudante de medicina, por nome Arlindo Martins, morador de Iguaí, filho de um dos grandes amigos de Papai, Manoel Martins de Souza. A presença dele, agradou-me muito, pois trouxera notícias mais recentes dos meus pais e irmãos. Nessa conversação, ele me disse que num outro dia iria passar para levar-me ao cinema. E de fato não demorou mesmo . Pela primeira vez fui ao cinema e por sinal ali pertinho, ao final da ladeira da rua do Alvo , cujo nome era Jandaia. Naquela primeira vez, pude anotar a sequência da programação, De inicio, eles apresentavam um Jornal Nacional. Em seguida,  vinha um jornal com as últimas notícias sobre a guerra, trazendo os acontecimentos  dos avanços alemães, sobre os países da Europa. Depois eram exibidos diversos TRAILERS dos próximos filmes. Em sequência, eram exibidos dois filmes e por último um seriado , onde todas as semanas eram apresentados novos capítulos.  E sabem o preço dessa jornada toda ?
---Um cruzado, ou também chamado de quatrocentos réis. Era uma moeda branca, grande, existente na época.
Já que toquei nesse assunto de moedas, não sei se vou me lembrar de todas que circulavam naquele tempo.
A menor de todas era a de cem réis, também conhecida por um tostão. A de quinhentos réis, parecida com a de dez centavos de hoje(2013), só que a espessura era mais fina. A de um mil réis, um pouquinho maior. Essas todas, eram da cor de cobre. As de cor prateada eram duas:
O cruzado ou quatrocentos réis e a de dois mil réis.


TRAILERS: Montagem com trechos de filmes, novelas, programas, etc. exibidos como propaganda.



Iremos agora, dar uma boa revirada no tempo.

Meus pais casaram-se a 11 de maio de 1929.
Naquele ano, os políticos do Brasil, já se articulavam em depor o presidente de então, por nome, Washington Luís. A crise econômica provocou de imediato a queda do preço do café.
Pela regra do jogo, caberia a Minas Gerais indicar o candidato a Presidente e os políticos mineiros  tinham a preferência por Antonio Carlos de Andrade. Mas Washington queria um sucessor que garantisse a continuidade de sua política financeira. Por isso preferiu indicar Carlos Prestes. Foi aí que surgiu a ideia de se formar umas aliança entre gaúchos e mineiros, contra o grupo paulista. Obtendo ainda o apoio de João Pessoa pela Paraíba, a Aliança Liberal foi  firmada colocando-se Getúlio Vargas a frente.. Mesmo assim, o pleito foi vencido por Carlos Prestes, quando Washington Luís provou que a máquina eleitoral, jamais permitiria o triunfo da oposição. Entretanto fatos acontecidos durante o ano de 1930, inclusive a deposição do Presidente Washington Luís, evitou-se muito derramamento de sangue, através de uma guerra civil iminente.
Nesse mesmo ano, o partido nazista aumentou a sua votação nas eleições gerais na Alemanha, prenuncio de que algo estaria para acontece  nos próximos anos. E de fato, pouco a pouco, Adolf Hitler começou a colocar as suas “manguinhas de  fora “, pois, logo que perdeu a sua cidadania austríaca, tornou-se cidadão alemão e daí foi  um pulo para alcançar a chancelaria, anunciando o Terceiro Reich e de imediato instaurou o anti-semitismo, começando a perseguição aos judeus. Em 1934, com a morte de Hinderburg, ele recebeu o titulo da Führer na Alemanha. Em 3 de abril de 1939, os chefes militares nazistas, chefiados pelo já poderoso Adolf Hitler, receberam o “plano branco”, que consistia em destruir o poderio polonês no Este. Eles teriam cerca de 4 meses, para organizar todas as forças de ataque contra Varsóvia, capital da Polônia.
Por coincidência, no dia 23 de agosto de 1939, quando nascia o meu mano Affonso, Hitler e Stalin, assinaram entre Alemanha e Russia, um pacto de não agressão.
No dia primeiro de setembro de 1939, às quatro horas da manhã, as forças alemãs invadiram a Polônia, começando naquele momento, o que mais tarde se tornaria na segunda guerra mundial.
A França e a Inglaterra, foram os primeiros países da Europa a se declararem contra o atos de BELIGERÂNCIA  da Alemanha.

BELIGERÂNCIA  : Nações que fazem ou tomam parte na guerra, numa formação regular ou reconhecida pelas convenções.

                                                              x.x.x


E Poções minha gente?  Como é que andavam as coisas por aqui ?
Pelo que me consta em pesquisas feitas, vamos separar por setores;
Citei em linhas atrás que no período noturno, só havia energia das 18 às 24 horas e quando faltavam dez minutos para encerrar-se o serviço, um aviso de piscar de lâmpadas era o suficiente para que os poucos habitantes que o utilizavam, se preparassem para dormir.
Mas durante o dia, como é que as coisas funcionavam?. Como o serviço interno era precário, a população, a despeito do transporte horroroso e das estradas em péssimas condições de tráfego, possuíam ainda duas opções: seguir à esquerda para Vitória da Conquista, a fim de superar 65 km de terreno encascalhado e esburacado, ou à  direita, indo a Jequié com quase 90 km pela frente, nas mesmas condições e ainda com as curvas existentes. Entre um lado e outro, a preferência sempre coube ao vizinho mais próximo.
Entretanto, quando as minhas viagens estudantis começaram, não tinha outra alternativa. Minha rota era sempre a de Jequié, onde depois de dois a três dias ,partindo de Iguaí .tomava sempre aquele velho trem poeirento, seguindo até Nazaré e mais, tarde o porto de São Roque.
Nesse roteiro que estou descrevendo, o prezado leitor deve encarar, sempre o tempo seco, sem chuvas, pois se observar o tempo chuvoso as estradas ficam enlameadas e com maior quantidade de buracos, onde os caminhões, caiam dentro deles, aumentando ainda mais, o tempo da viagem  . Hoje , pela televisão, nós assistimos quase que diariamente, a dificuldade que muitos habitantes do nosso querido Brasil, ainda passam. por esse interior aí afora, Pegue então esse retrato e mire por uns instantes a nossa precariedade naquele tempo. Poções era isso, ou pior.
No setor da Educação, era uma lástima. Mal , mal, Poções possuía uns dois educandários a nível estadual dentro da sede, porque os seus distritos principais ,como Ibicuí, Iguaí e Nova Canaã eram desprovidos de tudo. Funcionavam uma poucas escolinhas em caráter particular e sorte daqueles que conseguiam uns bons educadores..
Na saúde, o serviço era precaríssimo, mas tão precário.  que só  para encurtar a história, façam as contas comigo; Papai, que residia com  a nossa família em Iguaí, foi nomeado médico do posto de saúde de Poções  em 1949. Em 1950, a nossa família veio de muda para cá. Vejam bem agora. Anos mais tarde, quando a CNEC  começou a funcionar no prédio, onde hoje é O Grupo Escolar Luiz Heraldo Curvêlo, Nó e eu íamos à pé, passando em frente ao Hospital Regional,  construído no Governo do Presidente Eurico Gaspar Dutra(1945),que por descaso das autoridades, ficou relegado anos e anos, servindo de habitação para mendigos numa PROMISCUIDADE á toda a prova.

PROMISCUIDADE: convivência muito estreita com pessoas de toda espécie, em que há alguma forma de degradação moral.


quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Autobiografia de Irundy Dias(p5)


Não havendo aulas aos sábados, na parte da manhã, seguia até a feira com alguns trocados, a fim de comprar milho para as galinhas que mamãe começara a criar no quintal. Com o passar do tempo, descobri que ao final da feira, os vendedores baixavam os preços das mercadorias, para não terem o trabalho de voltar para as suas roças com as mesmas. Assim se pela manhã eu comprasse o milho, por sete ou oito litros por um mil réis, com certeza ao final da feira, facilmente eu acharia do mesmo tipo de milho, por 14 ou 15 litros pelos mil réis.
Papai e Mamãe se regozijavam com as minhas habilidades em descobrir um milho mais barato e da mesma qualidade e dessa forma comecei também a comprar farinha, pois Mamãe achou que o milho e a farinha juntos, produziam melhor efeito junto aos galináceos. Comiam mais à vontade e produziam uma boa quantidade de ovos diariamente.
Mas o tempo passou e em janeiro de 1941 fui a Salvador em companhia de tio Júlio, pois em fevereiro, iria submeter-me ao famigerado exame de admissão ao ginásio. No intervalo entre a nossa ida a Iguaí, no fins de1939 e o retorno em meados de janeiro de 1941, tio Júlio comprara uma casa à rua do Alvo número 38, deixando definitivamente aquele casarão da rua da Poeira 57.
Meus avós maternos, tia Licinha e tia Dulce acompanharam na mudança e quando eu cheguei já encontrei minha prima Dalva, ocupando um quarto contíguo ao de tia Licinha. Não havendo quarto para eu ficar, me instalaram no corredor que ficava entre o quarto de meus avós e um pequenino quarto que servia para colocar as imagens dos santos da predileção de vovô Manta.
A casa da rua do Alvo possua a parte térrea e o primeiro andar além de pequeno SÓTÃO.
Na parte térrea, a porta da rua dava logo de frente a um vasto corredor que iria até a sala de jantar, nos fundos. À sua esquerda, entrava-se na sala de visitas que tinha duas janelas voltadas para a rua. Vizinha à sala de visitas, havia uma outra sala, que às vezes funcionava como quarto. Prosseguindo pelo corredor, sempre à esquerda, víamos a porta do segundo quarto, uma porta que dava acesso a uma escada que seguia para o andar superior, uma terceira porta, onde ficava um quartinho para guardar poucos objetos e uma outra porta, que ligada ao quarto vizinho à sala de jantar. Esse era o quarto preferido por tia Edite, que ali se alojava com tia Dulce, quando tio Júlio estava em viagem.
Todo o andar térreo, possuía forro de madeira, exceção feita à sala de jantar, que era coberta com telhas . A esquerda da sala de jantar, encontrava-se uma cozinha e depois dela, um banheiro provido de torneira e logo em seguida um sanitário, Na parte da direita, um pequeno retângulo acimentado e um pequenina área com terra.(Era o quintal da casa). Subindo as escadas que ficavam na parte média do corredor, seguia-se ao andar superior.Subindo as escadas que ficavam nas parte média do corredor, seguia-se para o andar superior.
Da frente para o fundo, notava-se o quarto de tia Licinha tendo ao lado o quartinho dos santos. Em linha reta, o corredor onde sempre fiquei e ao fundo o espaçoso quarto dos meus avós. Do lado esquerdo do corredor, havia uma porta, que nem sempre se abria, pois levava por uma escada, ao referido sótão mencionado linhas atrás.

SÓTÃO: Parte de uma construção entre o forro e a armação do telhado, usado geralmente como depósito de objetos de pouco uso.


Em princípio de janeiro de 1941,tio Júlio Dantas, já citado na primeira estória, estava aqui em Poções, hospedado na " República dos Viajantes", somente para dormir, pois fazia todas as refeições, na pensão do Sr.Arlindo Carvalho, e sabedor que eu iria submeter-me aos exames de admissão ao ginásio, em Salvador,enviou um recado a Papai, dizendo se não seria bom Irundy vir a Poções,porque daqui nós iríamos
juntos.
Nós,  havíamos passado por aqui em fins de novembro de 1939 e o que acontecera comigo, desde aquela data, até janeiro de 1941 ?...
Quando saímos de Salvador em novembro de 39, Papai tivera o cuidado de trazer os meus documentos escolares, dando-me aptidão para continuar o quarto ano primário. Iguaí naquela época, não possuía nenhuma escola pública, nem estadual e nem municipal.Então aí por volta dos meados de janeiro de 1940,apareceu por lá, um senhor com um defeito na coluna vertebral, professor formado, casado com dois filhos  e colocou um aviso no serviço de alto-falantes que iria ministrar as aulas de caráter particular. Foi aquela correria.A escola ,era uma casa que ele . Prof. Miguel, alugara  e com  o auxílio de sua esposa,conseguiu colocar para funcionar com apenas 16 alunos,  considerando-se  o tamanho da sala, cujas janelas eram voltadas para a rua.
Nos dois primeiros meses iniciais,notamos que o Prof. Miguel não conseguiria levar avante a sua intenção,
Era  por demais violento. Brigava com os alunos, dava cascudos ou piparotes nas cabeças, bolos nas mãos com aquela palmatória da madeira.(Certo dia ,fui generosamente agraciado com um bolo em cada mão.)
Às vezes, punha os meninos ajoelhados sobre grãos de milho num dos cantos da sala. E uma série de coisinhas tais, que foram chegando aos ouvidos dos pais que começaram a se reunir para tomar umas providências legais. E o final foi drástico. Ou ele saía da vila ou a policia iria ser  acionada.O Prof. Miguel,achou por bem ou por mal mudar-se para bem longe de Iguaí. Nesse meio termo,apareceu uma Professora, por nome ESTER GALVÃO GONÇALVES, com todas as letras maiúsculas colocadas por mim mesmo, para homenagear uma das  pessoas mais gradas que conheci em todos os meus anos de vida, em todos os ramos de qualquer atividade.DEUS A GUARDE SEMPRE EM BOM LUGAR.
Com os ensinamentos adquiridos lá em Iguaí, ao final de dezembro, tia Edith, irmã de mamãe, já enviava as primeiras cartas, alertando que os exames de admissão, iriam ser realizados, provavelmente em principíos de fevereiro, antes do Carnaval.
Quando então,  papai, recebeu o recado de tio Julio, vim quase de imediato a  Poções.
A pressa de nada adiantou, pois fiquei aqui de molho, bem  uns três dias. Foi aí então, que comecei a conhecer de perto esta Cidade. Hospedado, juntamente com tio Julio, na República dos Viajantes, verifiquei que a Cidade, naquela época ,se resumia à praça comercial.
 Ainda retenho na memória, as casas comerciais: Farmácia Rolim, Daniel José Alves, Abel Magalhães,Casa Sarno, pois essas , perduraram por muito tempo com seus títulos em sua fachadas.Naquela praça, existiam duas árvores frondosas, que serviam até de apoio para os animais ficarem amarrados nos dias de feira.
Na outra praça, ficavam a pensão do Sr. Arlindo Carvalho, a Igrejinha e mais umas duas ou três casas, sem qualquer destaque especial.
A República dos Viajantes, já citada, ficava bem ao meio da ladeira,onde hoje é o inicio da Avenida Cônego Pithon. Dali opara cima só se via matagal.
No dia então, que tio Julio resolveu os seus afazeres comerciais, viajamos a Salvador . E aí...

À partir de 1941, comecei a participar de uma jornada por demais ingrata. Uma viagem de Salvador a Iguaí e vice-versa, girava em torno de quatro dias inteiros,se tudo ocorresse dentro dos "conformes". No primeiro dia , a viagem era de navio( o chamado "vapor", daquela época), que fazia o percurso de Salvador até Nazaré ( a conhecida Nazaré das Farinhas, que tantas vezes , o nosso falecido amigo Carlos Tôrres, citava á respeito), Por sinal, era a viagem mais gostosa. Aquela brisa entremeada com as águas do Atlántico e o rio Paraguaçu. As canoas que traziam e desembarcavam passageiros. Os apitos sonoros do vapor, quando cruzava com outras embarcações. Os acenos das pessoas conhecidas. Enfim , era uma festa, que nos preparava para encarar o restante da jornada.
No segundo dia, partíamos de trem, de Nazaré com destino a Jequié, numa viagem horrorosa. Um trem mal cuidado, com bancos de madeira, poeira à beça, durante todo o trajeto. Às vezes ,surgiam pessoas mal encaradas.Nas paradas das estações, entravam vendedores com alimentos, sabe-se lá como foram feitos, oferecendo aos passageiros, que em sua maioria, também compravam afoitos, naquela ânsia incontida. como se o mundo  fosse acabar naquele momento.Estudante, como eu, considerado pobre sempre,engolia em seco, mas, via aquilo tudo com asco e desprezo. Se tudo ocorresse bem, chegávamos em Jequié nas primeiras horas do anoitecer.
No terceiro dia, aí sim, era o sofrimento maior . Onde arranjar transporte?
Quando surgia um caminhão que viesse para esse destino,Poções, no caso,era um corre-corre desmedido.
Não quero dizer, que todo aquele pessoal viesse para essas bandas, mas o certo que desciam do caminhão ao decorrer da estrada. Se o tempo estivesse firme, com sol , um caminhão bem equipado(é até engraçado falarmos em caminhão bem equipado),o motorista conseguia viajar de seis a oito horas entre Jequié e Poções, contando-se todas as paradas necessárias.
No quarto dia, como os animais já estavam aqui de véspera, seguíamos até Iguaí, montados, sendo que o acompanhante, levava a bagagem com ele.
 Como citei ao longo dessa página, se tudo, tudo fosse visto e ocorrido às mil maravilhas, contando-se quatro dias de vinda de Salvador e mais quatro de volta, lá se iam oito dias  só em viagens. Então Papai achou melhor , que eu não viesse nas férias de meio de ano.Ia para as aulas em março e só retornava a Iguaí em dezembro. E aí...

No meio dessa sequência de viagens ,ia a Salvador em fins de fevereiro ou principio de março e só voltava em meados de dezembro, houve duas que não podemos esquecer.
Numa delas, saímos da Salvador numa SEGUNDA-FEIRA(maiúsculas para chamar atenção), com alguns colegas que no mesmo dia já estavam em casa, desfrutando do seu ambiente familiar.Em determinado momento, um deles disse assim:
---Não suporto viajar. Olhem que eu vou saltar em Santo Antonio de Jesus, que é aqui pertinho. Antes do meio dia estarei em casa.
Vale salientar, que foi construído um terminal marítimo no local chamado de Porto de São Roque, e o navio não prosseguia até Nazaré, pois o trem já estava ali aguardando todos os passageiros que iriam seguir viagem. Sendo assim, a nossa viagem já estava reduzida em um dia.Havia também um pequeno senão. O trem fazia uma parada para o almoço o que já atrasava a viagem em pelo menos uma hora. Tio Julio que passara por ali há pouco tempo, me instruiu, que eles serviam um prato de sopa bem quente, antes de colocar os demais pratos.E dessa forma apliquei os velhos ensinamentos.Coloquei salada, feijão arroz, carne, enfim o que tivesse na mesa. Só então tomaria a sopa. A contagem de tempo era tão bem organizada, que ao chegar nos últimos lances do almoço, o apito do trem, já avisava que a continuação da viagem estava próxima. 
No próprio trem, fiquei sabendo que na região de Jequié estava chovendo muito e de fato quando lá chegamos por volta das quatro da manhã, caía um TORÓ, de meter medo a qualquer um. Um rapaz, conhecido de Papai , por apelido Duca, estava à minha espera e me conduziu à sua residência. Ele era recentemente casado.Fui dormir. Quando acordei, por volta das nove da manhã de TERÇA -FEIRA,a esposa de Duca, me serviu um  delicioso café e me explicou, que ele fora avisado do atraso do trem no dia anterior.
Ao meio dia Duca voltou do trabalho e me falou que até o momento, não havia aparecido nenhum caminhão para o prosseguimento de minha viagem. E isso ocorreu, quase às quatro e meia da tarde. Subi na carroceria, com a minha pequena maleta e fomos enfrentar a estrada lamacenta até que, mais ou menos às oito da noite, o caminhão caiu num buraco  e tivemos que retornar em outro veículo, a Jequié, chegando à casa de Duca novamente, quase a meia noite. Ao me ver, o mesmo exclamo---Irundy,você ainda por aqui. ?!...
Na QUARTA-FEIRA, após o almoço, conseguimos um outro caminhão, que conseguiu aos trancos e barrancos, chegar em Cachoeira de Manoel Roque, hoje Manoel Vitorino, quase às seis horas da tarde. Felizmente não estava chovendo. Mas o motorista, preferiu pernoitar por ali mesmo. Arranjou-se uma pensão,  para passarmos a noite, depois de jantarmos, uma comidinha feita às pressas, pois a dona da pensão não esperava  , tanta gente de uma vez só.
Na QUINTA-FEIRA, após o café, seguimos viagem, chegando em Poções à tardinha, sem termos tido nenhuma confusão.
Poções, continuava no mesmo de sempre. Evolução praticamente nenhuma.
Como sempre, fui hospedar-me na Pensão do Sr. Arlindo Carvalho.
Eram cerca de cinco da tarde, quando uma das empregadas da pensão, foi ao meu quarto, dizendo que na porta estava um senhor querendo falar comigo.Fui ver quem era.
Um senhor, aparentando estar perto dos quarenta anos, baixo, meio gordo,avermelhado, pensei a principio estar em presença de um parente do Sr. Arlindo Carvalho, que se identificou como sendo Bernardo Espinheira Messias.
---Sou amigo do seu pai e vim buscá-lo para ficar conosco em nossa residência.
Fui pegar a bagagem e falei com a moça que depois viria acertar a hospedagem da pensão.
No trajeto para a casa dele, o Sr. Bernardo disse-me que quando recebeu o recado vindo de Iguaí, o caminhão havia chegado antes e por isso ele fora me procurar àquela hora.Disse-me também, que devido as chuvas, os animais iriam atrasar um pouco e provavelmente só poderíamos viajar no sábado.
Na residência do Sr.; Bernardo, conheci a sua esposa, por nome Enedite , um garoto pequeno com uns três anos de idade, por nome Carlos Nei e uma menina quase recém -nascida, chamada de Rosa..
Tomei banho, jantamos e o resto da noite fiquei brincando com o Carlos Nei em cima de um tapete da sala, com os brinquedinhos dele.
Na SEXTA-FEIRA,saí após o café com o Sr. Bernardo ,que trabalhava numa Coletoria e fui rever os pontos principais da Cidade.
Somente à tarde, um rapaz chegou com dois animais e fui avisado que no sábado logo cedo, iriamos a Iguaí.
De fato, no SÁBADO, após o café ,despedi-me do Sr. Bernardo,de Dona Enedite e em companhia do rapaz, começamos a galgar a última etapa da viagem. Eram 57 quilômetros, de Poções até lá. Atravessamos muitos rios cheios o que dificultou mais ainda o nosso percurso. O fato é que no meio da tarde, chegamos no mesmo local, que anos atrás Papai repousara com toda a nossa família.
Somente no DOMINGO, próximo o meio dia, chegamos ao portão lá de casa. Uma semana inteira viajando de Salvador a Iguaí. Também foi a primeira e última. Quando mamãe me viu exclamou:
---Meu filho, há quanto tempo !...       E aí...

A estrada de rodagem, Poções-Iguaí , passando por Nova Canaã, era lastimável.
Um certo dia, Papai chegou em casa dizendo que um caminhão iria sair pouco depois das dezesseis  horas e eu me preparasse para viajar nele, à Poções. O tempo estava ameaçador. Nuvens negras já se formavam ao longe. Na hora aprazada, subi na carroceria em companhia de uma meia duzia de pessoas, fora as que estavam na boléia ao lado do motorista.A viagem estava tranquila até Canaã , quando se formou repenti- namente uma tempestade daquelas que estava a acostumado a ver naquela zona da mata,embora nunca tivesse viajado com uma delas. Era costume naquele tempo, colocar-se correntes nas rodas dos caminhões,  porque a subida chamada de SETE VOLTAS OU CAPA BODE, era sumamente perigosa.Os veículos derrapavam muito e ninguém se aventurava a subir ou descer aquela serra. Embaixo da lona, o pessoal começou a cochichar, demonstrando inquietação e medo. De vez em quando eu ajeitava o meu chapéu de feltro, que Papai comprara, por causa da poeira durante a viagem de trem. Devido ao movimento do caminhão, a lona de vez em quando desarrumava o chapéu da cabeça e tornava recolocá-lo.
Eis que, em certo momento, devido a incessante chuva, entremeada com relâmpagos, raios e trovões, o caminhão resvalou e caiu num buraco. O motorista e o ajudante, debaixo daquela chuva torrencial, tentaram de todos os jeitos e maneiras , safar o veículo do buraco,mas não conseguiram. A noite se avizinhava e o empecilho estava formado. Um dos passageiros falou ao motorista:
---Olhe, aqui perto mora um amigo meu, e nós poderíamos pedir abrigo por esta noite.
Todos concordaram em fazer aquela tentativa. Porque passar a noite em baixo daquela lona com aquela chuva toda, não era programa pra ninguém.
Por sorte nossa( em parte ,diga-se de passagem) o dono da casa, possuía uma espécie de barracão, acho que para armazenar mercadorias de todos os tipos.Era um salão grande e alto, tendo lá no fundo umas divisórias,  possivelmente quarto e cozinha para ele e a esposa. Não vi nenhuma criança.
Uns homens mais desenvoltos, começaram a comandar aquele estado de coisas.Assim, é que foram distribuídas para todos, umas lascas de lenha, que iriam servir de cama. No centro do salão, armaram uma pequena fogueira, para nos aquecer durante a madrugada.Alguém, que trazia consigo, requeijão, mel e farinha, vendeu a todos determinados quinhões, por preço relativamente razoável e foi um jantar do qual não tenho saudades. Requeijão horrível !. Mel, onde as abelhas deveriam ter passado a uns mil quilômetros. Farinha? daquelas bem grossas, para não escapar dos sacos. Só salvou-se mesmo, a água, que por certo a dona da casa, aparou, logo após, a chuva ter lavado bem a cobertura da casa.
Agora, vamos dormir!
Pergunta-se : ALGUÉM, QUE ESTÁ LENDO ESSE RELATO, JÁ DORMIU ALGUMA VEZ,EM CIMA DE ALGUMAS LASCAS DE LENHA, SOBRE UM CHÃO ÚMIDO E DURO E AINDA COM  A CHUVA CAINDO LÁ FORA ?
Aos poucos, o pessoal foi parando de conversar e o sono finalmente, chegou para todos.
Meu travesseiro, foi o chapéu de feltro.
Lá para as tantas da madrugada, alguém , sem fazer barulho, sorrateiramente, se deslocou entre todos que dormiam profundamente e saiu solicitando uma lasca de lenha de sua cama, para colocar na fogueira a fim de que a mesma não se apagasse.
Felizmente o dia estava amanhecendo. A chuva cessara.
Mas , comecei a perceber uns piados incessantes ao meu lado direito. Os piados aumentavam aos poucos,à medida que se aproximavam de mim.  Fui raciocinando sobre o que poderia estar acontecendo:
---"Seria uma cobra pequena, que devido a chuva, esgueirou-se e estava por ali para aquecer-se ?".
Quando então, notei,  que o piado estava quase próximo ao meu ouvido do lado direito, num ímpeto de coragem, virei=me rápido e com a mão esquerda agarrei algo quente. Com a claridade da fogueira, percebi que segurara o pescoço de um filhote de perua.
QUE ALÍVIO !
O dia clareou e aos poucos cada qual procurou lavar o seu rosto e enxaguar a boca num pequeno córrego formado pela própria chuva durante a noite.
Os homens se prontificaram em ajudar ao motorista e ao ajudante e em pouco tempo conseguiram desvencilhar o caminhão do buraco.
O restante da viagem foi tranquila e chegamos a Poções, por volta das dez da manhã.  






sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Autobiografia de Irundy Dias(p4)


Em 23 de agosto de 1939, Mamãe deu a luz ao mano Affonso, sendo assistida mais uma vez por  Vovô  Manta.

Papai recebeu a notícia por carta, dias depois, mas respondeu, dizendo que só voltaria em novembro, já com a intenção de levar a família toda para Iguaí.
Poderia não ser uma mina de ouro, mas para começar, seria uma boa tentativa.
Objetivando para que de novo eu não perdesse o ano escolar( eu estava cursando o terceiro ano primário),tia Dulce foi comigo até o Colégio Nossa Senhora de Lourdes e explicando a situação, solicitou a que fizessem as minhas provas finais, antecipadamente. O que foi feito e fui aprovado, para fazer  no ano seguinte, a quarta série do curso primário.
Assim, em fins de novembro, partimos para a segunda e por sorte nossa, a última aventura.
Observem  bem o tipo de viagem daquela  época.
No primeiro dia de viagem, embarcamos  num navio que no levou de Salvador  até Nazaré(antigamente chamada de Nazaré da farinhas, porque havia  um bom fabrico de farinha naquela   redondeza), num percurso que levou aproximadamente seis horas.  Pernoitamos numa pensão bem perto da estação ferroviária, porque no segundo  dia  de  viagem , quase às cinco horas da matina, o trem de ferro partiu da estação, com destino à cidade de Jequié. Foi uma viagem cansativa e aborrecida. Um trem vagaroso, poeirento, de vez em quando parava nas estações, que ficavam ao longo daquele trecho. Para encurtar a história, chegamos à cidade de Jequié perto das vinte e duas horas. Alguns carregadores de bagagem, ajudaram a Papai a arrumar tudo , numa espécie de veículo, que eles chamavam de taxi e dai rumamos para um hotel, se não me engano, por nome REX. E assim, se foi o segundo dia.
Assim, que raiou o terceiro dia, viajamos num automóvel, previamente contratado por Papai, que nos trouxe até POÇÕES, fazendo uma boa pausa, na pensão do Sr. Arlindo Carvalho , onde Mamãe cuidou dos asseios dela própria e das crianças menores. Em quanto isso, tomei meu café e fui até à porta da rua,  conhecer  de longe, aquela nova  Cidade. O sol batia bem de frente nas  paredes da pensão, mas naquele horário da manhã, nunca havia sentido tanto frio em minha vida. Ali encontrei  o Sr. Arlindo, o dono da pensão, um senhor baixo, gordo, bem avermelhado, que sentado numa cadeira, parecia estar esquentando-se ao sol.
Vi uma praça bem grande e lá no fundo, divisei uma igrejinha, quando naquele instante, dois padres caminhavam para lá.
---O senhor conhece aqueles dois padres? --- perguntei ao Sr. Arlindo ,sem cerimônia.
---Conheço sim garoto. O de cabeça bem alva, é o  Padre Pithon( foi aquela a única vez que o vi), que será substituído  pelo outro, que o povo, já está aprendendo a chamá-lo de Padre Honorato.
Depois desse breve diálogo, já com o pessoal todo arrumado, entramos no automóvel  saindo da frente da pensão pela esquerda, em direção à uma outra praça, ladeada de várias casas comerciais. Fomos até um povoado chamado Morrinhos, onde o automóvel nos deixou.

Ali, é que nós começamos a sentir o peso da viagem. Papai montou num burro. Mamãe, toda desajeitada, ficou em cima de outro. Um moço por nome Catarino, levou Affonso, agora com três  meses, enquanto um outro rapaz conduzia Aryolinda no cabeçote da sela.Um terceiro rapaz,  fazia o mesmo com Silvio Caetano. Fui sentado na  GUARUPA do animal, segurando o cinto das calças do rapaz ,que conduzia o seu animal.
Imaginem viajar naquelas condições, pela primeira vez durante 57 quilômetros. Felizmente para todos, é que a viagem  foi realizada em dois dias.
À tardinha, chegamos praticamente ao meio da jornada, em uma casa onde Papai certamente havia planejado todos os detalhes, com antecedência, pois tudo estava arrumadinho a nossa espera. Ali nos banhamos, jantamos e dormimos. No dia seguinte(quarto dia, portanto)logo cedo, após um reforçado café da manhã, seguimos definitivamente a Iguaí, lá chegando por volta das 16 horas. No percurso, havia muito rio para atravessar e isso dificultava e atrasava a viagem. Nos hospedamos na Pensão de Dona Raquel, porque a casa que Papai alugara, ainda estava nos últimos retoques de limpeza e pintura.
Como criança, não sente o cansaço, logo após o jantar, Zezito, um rapazinho dos seus 15 anos, filho de Dona Raquel, levou-me a um circo armado na outra praça. Iguaí, não possuía luz elétrica, mas o circo dispunha de um mortorzinho, que supria as necessidades dos seus funcionários, como também deixava a plateia à vontade.
Era um circo do tipo ,que hoje em dia é chamado de MAMBEMBE. Existiam dois palhaços, um malabarista, um ilusionista e umas moças vestidas de maiôs, que só apareciam, para mostrar os corpos. A primeira parte foi só de atrativos variados. Na segunda parte, o grupo encenou uma peça alusiva ao Natal, visto que o mesmo já estava próximo.
À partir daquele dia, ficamos esperando para passar à casa alugada. Mamãe foi andando comigo e verifiquei que a mesma era mais ou menos, assim disposta.  A sala da frente dispunha de duas janelas que eram voltadas para a rua. Havia uma saleta menor, logo após aquela sala e que dispunha de uma janela voltada para a parte lateral da casa . Foi nessa saleta que mais adiante  Papai  atendeu os  clientes. Seguindo  em frente pelo lado direito, estavam três quartos sucessivos, todos com a porta voltada para a sala de jantar e janelas para a outra parte lateral da casa. Em seguida ao último quarto vinha um banheiro com torneira. Ao lado da sala de jantar é que vinha uma cozinha ,que possuía uma porta, voltada para o quintal. Bem longe da casa ,próxima ao muro, havia uma pequenina construção que serviria às necessidades fisiológicas. Por isso mesmo, Papai teve que comprar urinóis que mandou colocar embaixo de cada cama.
GARUPA : A anca dos quadrupedes, especialmente dos equídeos.

MAMBEMBE  : Lugar afastado sem recurso, nem conforto.
                           Grupo teatral  itinerante de baixa qualidade  e formado por atores amadores.
                           De má qualidade ou pouco valor.  Ordinário. 


Quando Papai começou a entrosar-se no serviço médico, com o atendimento dentro da própria casa, apareceu Tio Júlio , trazendo de Maragogipe uma mocinha de seus quinze anos, por nome Tezinha, que veio trabalhar com Mamãe, para cuidar da casa e dos meninos, pois Papai já havia arrumado uma cozinheira. Com a chegada de Tio Júlio, Papai mostrou a ele uma lista de medicamentos  necessária para os atendimentos de urgência. Como também Iguaí não dispunha de farmácia. Alguns medicamentos eram conseguidos em mãos de um rapaz, que de vez em quando, viajava e trazia , para vender aos incautos. Mas ,sabedor da presença de Papai, ele começou a se abster de  praticar a medicina charlatã. Papai  e tio Júlio tiveram a ideia então, de montar uma pequena farmácia.
Todas as noites, sem exceção, eu seguia Papai até o bar do Sr. Manoel Pereira, para saber das notícias transmitidas pelo rádio de bateria, principalmente  futebol  e sobre a guerra que já se alastrava pela Europa.No bar do Sr. Manoel Pereira, existiam duas mesas onde os rapazes jogavam bilhar ou sinuca.O rádio era colocado em cima de uma prateleira de madeira, há quase dois metros e meio de altura, para que a transmissão fosse audível para todos.  Possuía também um balcão de madeira, onde eram servidas bebidas aos fregueses que não quisessem sentar-se  em volta das duas mesas  dispostas no salão.A freguesia era boa, principalmente no horário da “Voz do Brasil” e quando eram transmitidos os jogos de futebol .
E nessa vidinha boa, 1939 foi embora.
Assim que começou o novo ano, à partir de fevereiro, Papai matriculou-me na escola particular do Sr. Miguelzinho. Era um tipo mal encarado, baixinho, corcunda, de pele avermelhada, casado com uma mulher muito bonita , com dois filhos menores, com quatro e dois anos respectivamente.
Não sei  explicar se por causa do seu defeito físico, ou porque os homens não tiravam os olhos de sua mulher, o problema era revertido em cima dos alunos. E quem caísse na desgraça do professor Miguelzinho, estaria sujeito a:
a)ficar de joelhos em cima de caroços de milho, no canto da sala de aula.(Fiquei duas vezes, por brigas com colegas);
b)ficar de joelhos em cima das janelas da sala de aula, com as pernas voltadas para dentro de casa, com uma coroa de papelão na cabeça e ainda ostentando um faixa onde se lia :”SOU BURRO”;
c)ganhar bordoadas nas mãos, aplicadas com uma  PALMATÓRIA  de madeira.
Além desse castigos, os alunos  eram submetidos  a receber  “cascudos”,  “beliscões” e piparotes nos lóbulos das  orelhas.
Tendo em vista tantas atrocidades, os pais se reuniram e retiraram todos os filhos da escola do Sr. Miguelzinho, que não tendo outro meio de vida, mudou-se de Iguaí.

PALMATÓRIA: Peça de madeira, geralmente redonda, dotada de um cabo, usada para bater  na mão de quem merecesse tal castigo.





Para nós, da quarta série, surgiu a figura  benemérita e serena  da Professora  Ester Galvão Gonçalves, cujo nome e imagem, sempre guardei  em minha memória, mesmo tendo passado todos esses anos. Era uma pessoa bondosa, calma, cônscia dos seus deveres profissionais. Além das disciplinas constantes do currículo, ela incluía música, teatro, religião com os aconselhamentos de uma boa mãe.
Éramos quatro, os alunos da quarta série, começando  pelos mais velhos em ordem decrescente:
João Mãozinha(nunca soube o sobrenome dele).Era um rapaz com cerca de dezessete anos, alto moreno que possuía na mão esquerda um defeito, onde os quatro dedos, ressecados se juntavam ao polegar normal. Como ele era destro, usa somente a mão esquerda para ajudar a segurar os objetos, o que fazia com toda a habilidade possível. Professava a religião sabatista e a Professora Ester  tendo  que dispensá-lo das aulas de sábado, o fez também conosco. Somente os alunos das outras séries é que frequentavam a escola.
Arnaldo Désquivel  Souza ,com cerca de dezesseis anos, era neto de um comerciante ,por nome João Batista de Souza, que por sinal, Papai tomou-o para ser meu padrinho de crisma. Os pais de Arnaldo residiam no Rio de Janeiro e assim que o mesmo concluiu a quarta série, viajou e nunca mais o vi.
João Alves Pereira, estava com treze anos. O pai dele era o Sr. Manoel Pereira, dono do bar e certa feita convidou os meus pais para serem padrinhos de uma filha dele, logicamente, irmã de João .Após a conclusão do seu curso, ele e eu, tomamos caminhos diferentes e anos depois fomos nos encontrar em plena Faculdade de Odontologia.
Quanto à Professora Ester Galvão Gonçalves, deveria estar viva ainda, para que eu pudesse dar-lhe um grande abraço de agradecimento. Com os ensinamentos dela, quando fui chamado a Salvador por Tia Edite, para prestar os exames de admissão, não precisei fazer teste algum. Passei direto de primeira, para fazer a primeira série ginasial.
Além dos seus ensinamentos normais, a professora Ester periodicamente, organizava uns debates estudantis, entre todos os alunos  das diversas séries. Assim é que, a nossa turma participou de dois debates durante o ano de 1940.No primeiro, José Mãozinha e eu, juntos, tivemos que escrever e defender a atuação dos religiosos na comunidade ,enquanto Arnaldo e João Pereira, fizeram a defesa dos advogados. Em outra oportunidade, João Pereira e eu fomos defender os médicos e João Mãozinha e Arnaldo defenderam os professores. Era um debate sadio e nenhuma dupla acusava a adversária. Cada qual defendia  o seu ponto de vista e a plateia era formada, justamente pelos pais de alunos que iam assistir e provavelmente saiam satisfeitos.
Quem se lembrava de que em algum dia fomos alunos de um tal Miguelzinho?
Concluímos  o nosso curso primário e a despedida foi emocionante. Chorávamo-nos alunos e a Professora não se continham em prantos. Possivelmente em toda a carreira dela, nunca tivera alunos tão estudiosos. A lembrança de cada lado ,deve ter sido eterna. Professora que Deus  a guarde num bom lugar.

                                                           x.x.x






quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Autobiografia de Irundy Dias( continuação) p3


Enquanto a nossa vida seguia rotineira, Papai por sua vez, já formado, ficava procurando locais
onde  trabalhar na nova  profissão, pois assim que terminou a Faculdade de Medicina, afastou-se  da Casa de ferragens Eduardo Fernandes.O primeiro convite veio de Maragogipe, através de uma carta de tia Dedé, irmã de Mamãe, explicando que  em sua cidade estava necessitando de mais médicos, pois aqueles existentes  não davam conta do recado, pois só a fábrica de charutos e cigarrilhas Suerdick, com inúmeros empregados de forma  direta e indireta, absorvia uma grande quantidade de pessoas. Papai, ao invés de ir só, achou de nos levar em sua companhia. Ressalte-se também que  filha mais nova de nome Nair, hav ia falecido há poucos dias atrás. Então a nossa família composta com Papai, Mamãe, Aryolinda e eu seguimos para uma  primeira aventura.

Ficamos hospedados na própria casa de tia Dedé, esposa de tio Anisio e já estava com os seguintes filhos: Fernando, Dalva, Orlando, Diva e Nelson.

Lembro-me muito bem, que a casa era assobradada e ficava próxima à  padaria de tio Anisio onde pela manhã,  íamos assistir os operários pisotear a massa  dos pães, que era envolta por um tipo de pano bem grosso, para que não houvesse contato  dos pés deles com a massa. Dali,  a massa era levada aos cilindros, até  que ficasse no ponto de ser levada ás mesas, onde era cortada nos tamanhos desejados para os diversos tipos de pães . Havia também um rudimentar fabrico de caramelos. Nesse mister, Fernando., Orlando iam a escola pela manhã, enquanto à tarde, já com os pães prontos, ficávamos atrás do balcão, ajudando a tio Anisio a vendê-los.
Recordo-me de uma passagem  INUSITADA: na hora do almoço, estávamos à mesa: Fernando,
Dalva, Orlando, Diva, Nelson, assistido pela babá e eu. Alimentávamos de uma lauta feijoada, quando em dado momento, Dalva saiu da mesa correndo em direção ao primeiro quarto perto da sala  e de lá gritou bem alto para que todos ouvissem:
---Achei um   CABELOUROI !  Achei um  CABELOURO !    Venha ver Diva !  Venha ver  Diva !

INUSITADA  : Que não é comum aos padrões conhecidos, Ocorrência incomum no dia a  dia .

CABELOURO :   ligamento  que vai da cabeça  à   extremidade  da coluna  vertebral   do boi.
No folclore brasileiro, quem comer  cabelouro , fica bonito  e especialmente se mastigá-lo  atrás da porta

Como começa a vaidade da criança. Dalva, minha prima, estava  com uma idade aproximadamente entre 8  à 9  anos

                                                      x. x. x




Quando o tempo estava bom, íamos até o cais assistir  a chegada do VAPOR, que fazia  a linha Salvador- Cachoeira e vice-versa. Interessante será frisarmos que o referido meio de transporte, só poderia passar por ali, quando a maré estivesse cheia, pois do contrário, ficaria correndo o risco de  encalhar  na areia. Era uma festa  para todos nós, vermos uma pessoas chegando de viagem, enquanto outras embarcavam.  Quando a maré estava baixa e que a areia estava descoberta, o pessoal dizia:
--- Vamos até as coroas tomar banho ?
Ir até as coroas só fui uma vez e assim mesmo de canoa.  Embora aquela parte da água pertencesse ao rio Paraguaçu, o seu sabor era salgado, devido a presença forte do Oceano Atlântico.
Depois de uns dois meses de experiência, tudo voltou à estaca zero
Tio Anisio com fortes tendências políticas quis fazer uma média  com os seus amigos e compadres e certo dia, Papai  negou-se a  atender  a  um dos seus pedidos, advindo  um certo desentendimento entre ambos e daí foi arrumar as malas de volta a Salvador, em meados de 1937. Em setembro ganhei  o primeiro irmão, cujo nome foi Silvio Caetano em  homenagem ao Santo.
Com essa reviravolta, saí prejudicado, pois não fui à escola nesse ano e no  seguinte, ou seja em 1938, recomeçaria os estudos para fazer o segundo ano primário.

Quando 1938 começou e quando pensávamos que mais um ano iria embora, eis quem chega a Salvador, depois de mais uma de suas eternas viagens pelo sertão de Bahia e norte de Minas. Tio Julio Dantas, esposo de Tia Edite, uma outra irmã de Mamãe. Com  grandes ideias , para Papai, primeiramente fizeram uma reunião familiar, entre tio Julio, tia Edite, Papai e Mamãe.
Depois de ouvirem todas os pormenores, sobre o local, o tipo de viagem  que iriam fazer,a acomodação e mais alguns detalhes essenciais, Mamãe se fez ouvir:
---Tudo bem , mas dessa vez Ary  irá só, para não acontecer de novo , como  ocorreu em Maragogipe. Se você gostar, na sua próxima viagem irá a família toda. Em caso contrário, partiremos a uma nova aventura.
Com tudo planejado, tio Julio pediu  um tempinho, enquanto ele se organizava , junto às casas comerciais que  ele representava, preparando os seus mostruários. Nesses  mostruários, existiam mercadorias de tamanho maior e outras menores. As primeiras eram negociadas apenas pelos mostruários, enquanto as outras, eram de pronta entrega.
Enquanto esperavam tio Julio,  que levava dias providenciando os seus contatos, Papai e tio Rubens(outro irmão de Mamãe), ficavam dias e dias, ouvindo as transmissões da Copa do Mundo de futebol , através do rádio Mullard, pertencente a Vovô Manta.
Papai e tio Rubinho não se comunicavam pelos seus próprios nomes e sim, pelo apelido “jaco”,que nunca soube o que significava. Lembro-me bem de um pequeno diálogo travado entre os dois ,à respeito de um jogo da referida Copa.
Disse Papai a tio Rubens:
--- Jaco, o que você achou do resultado entre Brasil e Polônia?
---Jaco, aqueles  6 a 5 para nós, depois da prorrogação em 4 a 4, mostraram aos demais países, que estamos na briga pelo título.



Até então, eu não entendia nada de futebol, mas gostava de vê-los conversando e torcendo, apesar da péssima audição proporcionada pelo rádio de vovô Manta.
Dias depois, lendo o jornal A Tarde, fiquei sabendo que a Itália, sagrara-se bi- campeã de futebol , enquanto o Brasil ,ficara em apenas terceiro lugar.
Tio Julio,  era uma pessoa magnifica. De boa índole, caráter íntegro, bondoso, muito calmo, ostentava a profissão de  COMETA,  levando mercadorias das casas comerciais de Salvador, para vendê-las no interior da Bahia e no norte de Minas Gerais. Nessas viagens, ela gastava não menos do que quatro meses. Mas dessa vez, saindo em companhia de Papai, partiram logo no primeiro dia de julho de 1938 e por dois motivos e  voltaram em meados de outubro. O primeiro ,era que Tia Edite estava grávida do primeiro filho e o segundo para saber da decisão final de Papai. O local escolhido pelos dois, unanimemente, foi uma Vila pertencente ao Município de Poções, chamada de Iguaí. Então ficou acertado que Papai ainda sozinho, retornaria  a Iguaí logo nos primeiros dias de janeiro de 1939 e que ficaria hospedado na pensão de uma senhora, conhecida por Dona Raquel.                           





Na véspera de Natal, nasceu Antônio Natalino Manta Dantas, filho de tio Julio e tia Edite.
Pelas leituras que fazia periodicamente no jornal A Tarde, comecei também, a ouvir  as conversas entre vovô Manta, Mamãe, tia Edite e tia Dulce e às vezes tio Nadinho, quando lá aparecia, à respeito das escaramuças na Europa, que redundavam na possibilidade de uma nova guerra.
Em fevereiro de 1939, vovô Manta foi promovido a capitão médico e como tal teria que viajar ao interior da Bahia  , Alagoas e Sergipe, pois as  MILÍCIAS dos três Estados, estavam à procura do bando de Lampião. Vovô como médico atenderia somente aos feridos.       
À partir de então, todas as noites, chegava um soldado depois das dezenove horas e ficava à serviço de Vovô, no que ele precisasse. Praticamente, ele gostava do serviço, pois a maior parte do seu tempo, era preenchido com as minhas brincadeiras.
José Dias, era o ORDENANÇA que mais comparecia e com o passar do tempo, foi ganhando muita afeição por mim, porque enquanto o pessoal ficava na sala  de jantar, conversando, lendo jornais ou simplesmente ouvindo as notícias, pelo rádio, ficávamos nós dois, no corredor  sendo que ele ficava sentado numa cadeira e eu me movimentando jogando GUDES de um lado para o outro.


COMETA: Pessoa, animal ou coisa que não permanece muito tempo num só lugar, surgindo e desaparecendo de repente.
MILÍCIAS: Arte militar. Força militar. Corpo de homens armados para fazer um serviço particular.
ORDENANÇA: Soldado que fica a disposição de um oficial.
GUDES: Jogo com bolinhas de  vidro que os jogadores  devem fazer para as mesmas entrarem  em buracos ou na falta destes, para derrubar  outros objetos menores.



segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

AUTOBIOGRAFIA DE IRUNDY DIAS (p 1 e 2)

Muito se tem escrito em pequenas notas de jornais, sobre a história de Poções.
O trabalho que estou me propondo, não é o de relatar por ouvir dizer, mas, sim e tão somente, a vivência
do dia a dia, desde a época que passei aqui, algumas horas, em outubro de 1939 e na sequência, outras inúmeras horas, quando de minhas viagens a Salvador, vindo de Iguaí, ou vice-versa,na continuação dos meus estudos.
É claro que, para dar ciência da evolução desta cidade, nestes últimos setenta e poucos anos, terei que colocar presente e bem anexa, a minha autobiografia.
Que autor seria eu, se fosse escrever dados sobre Poções e os meus mais conhecidos habitantes, se
OMITISSE a minha presença ?
De certa forma, nesse período de tempo, muitos personagens foram esquecidos, como também fatos de menor importância  .
Certa vez, o meu irmão Affonso, que Deus o tenha guardado em bom lugar, disse-me:
---"Dydy", (é como ele me tratava), porque você não escreve a sua autobiografia ?
Respondi quase que de imediato:
---"Fonso"(era como eu o tratava),publicar poesias é um trabalho bem mais fácil.Você reune alguma coisa
que escreveu, sobre assuntos os mais diversos possíveis, corrige, vai a tipografia, imprime e depois sai distribuindo aqui e  ali aos seus amigos e conhecidos. Escrever a minha autobiografia,é um trabalho penoso, pois terei que rebuscar no passado, tudo aquilo que a minha memória puder trazer ao presente, juntando pedacinhos da minha infância, da minha adolescência, ligando fatos e personagens, muitas vezes esquecidos...
Mas no meio dessa resposta, apareceu um outro detalhe:
---Quem irá interessar-se em saber o que eu fui , o que eu sou, a não ser alguns familiares bem chegados
a mim e uns amigos de bons laços ?
Mas Affonso insistiu:
--- Dydy reflita comigo. Nós viemos de muda para Poções em 1950, quando Papai trouxe a família de Iguaí, para cá. Você ,como irmão mais velho , passou pelas primeira vez por esta Cidade  em fins de 1939.
Porque então você não associa a sua autobiografia, ao desenvolvimento de Poções, desde aquelas datas
arté aos dias de hoje?




OMITISSE – Do verbo omitir .Deixar de fazer . dizer, mencionar ou escrever(algo)

                                                                      x.x.x


Pesquisei e vivenciei fatos dos setores sociais , estudantis, esportivos, políticos, enfim tudo o que fosse
necessário para o conjunto dessa obra.
Poções, de chão de terra batido, da década de 30, que à luz do sol, quando soprava uma mínima quantidade de vento, deixava nuvens de poeira ao redor, ou na época das chuvas intensas, alagava ruas e praças, apresentando um grosso lamaçal.
Os poucos carros, puxados por parelhas de bois,  que percorriam as nossa vias, com aquele rangido característico das rodas de madeira, eram costumeiramente os melhores veículos que a Cidade dispunha.
As carroças puxadas por um único burrinho, apareciam  em segundo plano.
E as noites ?
Poções era servida(ou mal servida), com uma luz TÊNUE, produzida pelo trabalho de um motorzinho
movido a óleo, que funcionava das 18 às 24 horas, com um detalhe de que faltando dez minutos, para o encerramento daquele serviço, um rápido sinal era dado, com o piscar das lâmpadas.
Quando Affonso terminou a sua fala insistindo para que eu iniciasse a minha autobiografia resolvi experimentar e aqui vamos nós:
Primeiramente vou apresentar os meus pais, e meus avós paternos e maternos:
Papai; Dr. Ary Alves Dias, médico, nascido a 2 de setembro de 1904 e falecido a primeiro de novembro de 1980.( 76 anos). Vou chama-lo assim em toda a narrativa, pois foi desse modo, que sempre  o tratei, em nossas conversações. O detalhe principal: Papai com P maiúsculo.
Mamãe:Olinda Manta Dias, doméstica, com primeiro grau incompleto, nascida a 31 de maio de 1906 e
falecida a 16  de maio de 1997( 91 anos).
Ambos nascidos em São Félix - Bahia e casaram-se em 11 de maio de 1929.
Avós paternos: Dr. Afonso Alves Dias - Engenheiro da Estrada de Ferro da Leste Brasileiro e Isaltina da
Costa Alves Dias,doméstica e entre a sua prole, Papai foi o quinto.
Avós maternos:Dr. José da Silva Neves Manta, médico e Capitão da Polícia Militar do Estado da Bahia e
Amália Seixas Manta,. doméstica,sendo Mamãe, a quinta.filha.
Nos primeiros meses de casados, a convite de vovô Afonso,os meus pais foram residir com eles e a caçula de minhas tias, por nome Moema,já com 13 anos, ao notar já a barriguinha de mamãe começando a crescer
ficava insinuando:
---"Essa criança vai nascer no dia do meu aniversário, 17 de fevereiro"

TÊNUE : Que é delgado, fraco , sutil , leve ,ligeiro, de pouco valor ou importância.

                                                         x.x.x


O nosso parentesco com o poeta Castro Alves, veio através de minha bisavó Odília, mãe de vovó Isaltina,que era prima dele.Daí ,todos os descendentes  por parte de meus avós paternos tiveram o Alves em um dos sobrenomes,
Decorrido um certo tempo de estada em casa dos meus avós paternos, eis que os avós maternos, reivindicaram a nossa presença com eles,desde quando meu avô Manta, sendo médico, ele mesmo queria fazer o parto da própria filha. Todos eles residiam na península itapagipana e bem próximos por sinal.
Meus avós maternos ocupavam uma casa lugada à rua Álvaro Cova, próxima a Igreja da Penha, enquanto
vovô Afonso e família ficaram situados a Avenida Beira Bar.
Papai ,era balconista da Casa de ferragens Eduardo Fernandes, localizada na Cidade Baixa, perto do Plano Inclinado, onde trabalhava das oito às 17 horas. Ele "subia" num  BONDE , logo cedo. Almoçava lá mesmo e só voltava para casa ,quando encerrava o seu serviço, à tardinha. Como possuía outras aspirações, nas
horas de folga, estudava para fazer os exames preparatórios, hoje chamados de vestibular.Basta frisar, que as linhas de bonde que faziam o percurso da parte baixa do Elevador Lacerda até a Ribeira e vice-versa, os
passageiros perdiam um tempo exagerado e por isso mesmo, Papai ia pela manhã ao trabalho e só retornava quase ao escurecer.
No dia 17 de fevereiro de 1930, tal qual tia Moema havia pedido, precisamente ao meio dia ,nas mãos hábeis do Dr Manta, Mamãe deu a luz a um garotinho robusto, bonito pra caramba, cheiroso e que as tias
Licinha, Edite e Dulce ficaram babando para pegá-lo. Irundy , como foi registado posteriormente,veio ao mundo, para felicidade de todos.Papai só tomou conhecimento do fato, ao retornar do trabalho à noite.
Meses depois , fui batizado na Igreja da Penha, tendo como padrinhos, vovô Manta, vovó Amália e tia Licinha.
Em 1931, quando eu estava aniversariando pela primeira vez, Papai brindou a todos,  sendo aprovado nos Exames preparatórios do Curso de Medicina. Ele e os proprietários da Casa Comercial Eduardo Fernandes,entraram num acordo pra que só trabalhasse num turno, a fim de não perder as aulas da Faculdade de Medicina, que era pertinho. Papai subia para a Cidade Alta, pelo Plano Inclinado, saltava na Praça da Sé e dali seguia andando até o Terreiro, onde ficava a antiga Faculdade de Medicina.
A vidinha deles dois foi seguindo em frente e as minhas irmãs começaram a surgir de dois em dois anos.
Eliaci em 1932, Aryolinda em 1934 e Nair em 1936, quando também ocorreu, o falecimento de Eliaci.
Nesse intervalo de tempo, toda a família de vovô Manta  mudou-se para a rua da Poeira ,57.

BONDE:Veículo ferroviário elétrico, destinado ao transporte urbano e suburbano de passageiros.


                                                          x.x.x

Já sabendo ler as notícias  dos jornais, em março de 1936, fui matriculado no Colégio Nossa Senhora de Lourdes, onde tia Dulce estava concluindo o seu Curso de Magistério.
Ao final do ano de 1936, Papai formou-se em Medicina e aí o pessoal da casa, resolveu fazer um pequena comemoração
Para ficar mais próximo dos familiares, o meu tio Arnaldo(Nadinho), mudou-se para a mesma rua no número 40 e por isso mesmo, o filho mais velho, por nome Inaldo, me fazia companhia até a escola, todos os dias.
A casa onde moramos na rua da Poeira, 57, possuía um andar térreo, ocupado por outra família e nós ficávamos no primeiro e segundo andares. Era um sobrado.
Certa feita, como  os banheiros dos dois andares estavam ocupados, dirigi-me a um banheiro ,que ficava no quintal, logo abaixo da janela da cozinha, que quase ninguém usava, pois descia-se dois lances de escada, com mais de vinte degraus em cada uma.
Descendo-se o primeiro lance chega-se a um pequeno patamar, onde a pessoa teria duas opções: indo pela esquerda, descia-se ainda uns quatro degraus seguindo para a porta da rua. Tomando a parte da direita, é que descia-se mais 20 degraus em direção ao quintal. Desci o primeiro lance e quando galguei os primeiros quatro degraus do segundo lance, avistei um individuo, junto a uma das paredes cortando uns canos de chumbo de um encanamento antigo. De imediato, perguntei:
--- Que é que você está fazendo aí , moço ?
---Aqui não é a casa do Sr. Matias ? --- respondeu ele
---Matias? Aqui é a casa do Dr. Manta, médico da polícia militar
---É que eu recebi ordens , para vir cortar esse canos de chumbo sem uso...
Depois desse pequeno diálogo , desci mais rápido pelos degraus que ainda faltavam, até chegar em frente ao banheiro e virando-me para cima, gritei bem alto:
---Joana, Joana! Acode aqui em baixo , que tem um ladrão tentando roubar o encanamento.
Ao ouvir as minhas palavras, o ladrão largou de imediato, tudo o que estava fazendo e correu para cima, pela escada, a fim de fugir. Da parte debaixo onde eu estava, ainda presenciei Joana chegando à tempo de dar um SAFANÃO no ladrão, que mesmo assim, ainda saiu correndo em direção a rua.                                             

De  passagem, quero apresentar a cozinheira Joana, que participou dessa história.

Era um preta de mais ou menos uns trinta anos, alta e robusta. Devia pesar entre setenta a oitenta quilos. Vocês já pensaram  como deve ter doído o que o malandro, recebeu do safanão dela, no encontro que tiveram entre os dois no patamar da escada?

SAFANÃO : Tapa forte com a mão aberta. Choque forte; empurrão, tranco



                                                         x.x.x