segunda-feira, 3 de junho de 2013

Autobiografia de Irundy Dias ( p 27 )

 No mês de novembro,  de 1958, a convite do nosso amigo Valmir Andrade, chegou a cidade, um bom grupo de desportistas, com a finalidade de estreitar as relações sociais, esportivas e amigáveis, entre as pessoas daqui e de lá da cidade de Salinas, situada ao norte de Minas Gerais, havendo inicialmente um confronto futebolístico entre as  seleções das duas cidades, num empate de 2 a 2.
Havia no centro da Praça da Igrejinha, uma quadra de chão batido, onde treinávamos de vez em quando. Ali mesmo, organizamos o jogo de voleibol, onde certas vezes, eu treinava como titular e em outras, como reserva. Naquele mesmo local., aproveitando o tamanho da praça, o falecido e ex-prefeito Tonhe Gordo, mandou construir uma área bem requintada, que hoje é utilizada para grandes eventos, principalmente para as Festas do Divino Espírito Santo.
No jogo de voleibol, o nosso time possuía três bons “cortadores”, nas pessoas de Zezito, um rapaz que residiu aqui em Poções, por pouco tempo; José Otávio Curvêlo, filho de uma das famílias mais ilustres de Poções, tendo sido há pouco tempo, Prefeito de Itapetinga, onde reside e exerce a sua profissão médica; Carlos Nei Dias Messias, que faleceu na cidade de Fortaleza há alguns atrás, quando na praia notou uma moça se afogando, tentou salva-la e morreu com ela. Conheci-o, com pouco mais de dois anos de idade, quando numa de minhas viagens, fiquei hospedado a convite do seu pai, Bernardo Espinheira Messias. No grupo de “levantadores”, só pude participar dos dois primeiros “sets”, pois a bola pegou de mau jeito no dedo anular da mão esquerda, afastando-me do restante do jogo; Vicente Sarno , que de vez em quando, ao vir de  Salvador, onde reside, recorda comigo daqueles bons tempos; Clóvis Pereira Junior( Nino ), já falecido em Niterói há uns dois anos atrás.Com aquele time de vôlei, hoje em dia com as regras totalmente mudadas, ganhamos do time de Salinas por três a zero.
Como o pessoal de Salinas, ficou satisfeitíssimo com a nossa recepção, convidou-nos para que em princípios  de janeiro de 1959, retribuíssemos a visita . À noite, houve uma festa dançante de despedida, onde todos os presentes se congratularam, com a renovação da promessa de irmos a Salinas em janeiro próximo.
Como prometemos aos diretores do grupo Fundação Ginásio de Poções, durante o mês de dezembro, no período da tarde, entre 15 e 17 horas, lecionamos gratuitamente, aos candidatos aos exames de admissão, fazendo uma pequena pausa no período, Natal/Réveillon.
Como a nossa diretoria do clube social, pretendia despedir-se solenemente, trabalhamos com todo o afinco  para deixar a sociedade local, com saudades de nossa gestão. E durante a festa, não me lembro de quem , partiu a ideia de se fazer o concurso da rainha do carnaval de Poções, algo inusitado na época. Por insistência de muitos sócios, ficamos de estudar o assunto, tão logo retornássemos de Salinas.
 O Natal, passou sem muitas preocupações, mas o Réveillon teria que ser uma festa de arromba. Mas o dia 31 amanheceu muito quente e durante a tarde, quando dávamos os últimos retoques no salão do clube, sentimos que teríamos chuva em breve.

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 Nó e eu jantamos normalmente e ficamos fazendo preparativos para a festa de Réveillon, que prometia ser das melhores. Era a nossa primeira festa depois de casados e morávamos há poucos metros dali. Com o calor que já se tornava insuportável, notamos alguns clarões de relâmpagos, seguidos de trovões, que com o passar dos minutos se tornavam mais fortes e mais AMIÙDE. Quanto mais se aproximava do horário do início da festa, que estava programada para ser iniciada às vinte e duas horas, maior era a claridade dos relâmpagos e muito maior a intensidade dos trovões, que se repetiam incessantemente. Aos poucos a chuva começou a cair e uma angústia começou a se apoderar de nós. Tão próximos morávamos do clube e mais inertes ficavam as nossas convicções. Possuíamos um guarda chuva, mas seria uma temeridade sairmos dependendo do abrigo dele. Chegaríamos ao Clube, totalmente “ensopados”. Eis que, ao chegarmos às vinte e duas horas e cinco minutos, ouvimos uma buzina de um carro à nossa porta. Era Fidelis Sarno, o presidente, com a sua caminhonete, que viera nos buscar. Abrimos o guarda chuva e nos enfiamos  dentro do carro, que percorreu aqueles metros que nos separavam do clube. Havíamos separado uma mesa em companhia do nosso vizinho Ernesto com a sua esposa, que desistiram de ir. Por sua vez, Tavinho, Dr. Ruy e Fidelis, que haviam reservado as suas mesas juntas, nos chamaram a fazer companhia com eles. De acordo o que fora decidido em reunião de Diretoria, naquela festa, sobre a mesa de cada sócio, seria posta uma garrafa de champanhe e na hora da saudação, à meia noite, Fidelis lançaria o concurso da rainha do carnaval como fora pedido pelos sócios. A minha mesa, foi vendida a outro sócio que chegou em última hora e nós dois ficamos ao lado daquela turma toda. À principio ficamos inibidos, mas a medida que a champanhe foi começando a fazer efeito, resultou numa euforia bem agradável. Reparem bem uma coisa: nós dois recém-casados ao lado daquele pessoal, todos eles acostumados a ingerir litros e mais litros de uísque.  Fomos na onda. Após o esvaziamento das três garrafas de champanhe, alguém sugeriu a continuar tomando champanhe, para não misturar com outras bebidas. Nó e eu que não tínhamos o hábito de ingerir tanta bebida fomos ficando grogues e rindo À-TOA. Dona Juraci, esposa de Fidelis, havia levado uns pedaços de frango assado, misturados com uma farofa incrementada, mas o efeito do champanhe já nos tinha atingido em cheio. Noélia sorria à valer. Minha cabeça parecia que tinha um bombo dentro. O jeito foi pararmos senão não conseguiríamos nem dançar.
Na hora aprazada, Fidelis fez uma bela saudação aos associados e suas famílias e por última explicou que a diretoria atendendo ao pedido do pessoal, lançava naquele instante o concurso da rainha do carnaval de 1959, e que na apuração daquela noite, só iriam concorrer as duas mais votadas. Durante a festa o voto seria gratuito, mas posteriormente, cada voto seria dado ao preço de um cruzeiro.
AMIÙDE: repetidas vezes. Frequentemente.
À-TOA: sem importância. Desnecessário. Que pode ser feito sem muito esforço. Que é desprezível.

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Depois das duas horas da madrugada, uma comissão de sócios nomeada por Fidelis, apuraram os votos da urna e verificaram que as duas moças mais votadas, cujos nomes  logo anunciados, foram: Zenaide da Silva Borges e Simone Guimarães. Essas duas então, seriam as indicadas pelos sócios ao concorrer ao com curso da rainha do carnaval de 1959, Logo depois das três horas Noélia e eu fomos para casa. A chuva já havia AMAINADO. Aos “trancos e barrancos”,   “bebinhos, bebinhos”, fomos praticamente, um apoiando ao outro e ao chegar no quarto de dormir, jogamos as peças das roupas, pelos quatro cantos e caímos na cama.
Quando o dia primeiro de janeiro de 1959, amanheceu,  acordei  enjoado e salivando bastante. Percebi que Nó, vomitava no chão ao lado dela, o que me provocou num náusea tremenda. Não tive também condições de levantar-me. Imitei-a, vomitando para o meu lado. Que cena DANTESCA. Foi a primeira e a última vez que isso aconteceu conosco. Desse detalhe, por muito tempo  não tomamos mais champanhe. Basta salientar, que muitos anos depois, durante o casamento de Maria Sybele, é que eu tomei um golezinho, somente para comemorar o evento. Noélia, nem isso fez.
Mal janeiro começara, quando chegou o convite de Valmir Andrade , endereçado ao Presidente da Liga de esportes de Poções, que por sinal não havia nem liga, quanto mais presidente. Mas foi uma mera formalidade, para que o convite fosse estendido aos desportistas da cidade. Como o assunto era sério pois envolvia a comunidade, reunimos as pessoas interessadas e marcamos o dia 9 de janeiro, que cairia numa sexta feira. Aqueles dias que antecederam a viagem, foram de uma expectativa tremenda. Reunimos o grupo de voleibol com apenas um reserva. Fiquei fora da lista, porque ainda sentia o dedo que fora machucado no jogo anterior. Enquanto isso, Antônio Luz e outros, organizaram o time de futebol. Combinou-se então, que sairia um caminhão com todo o pessoal interessado . Nino ajeitou o seu carro e ao seu lado, foi sentado o Carlos Ney. No banco de trás,  José Otávio, Nó e eu fomos confortavelmente instalados. Saímos as quatro horas da manhã pois a distância era bem grande e as estradas, não ofereciam nenhuma segurança para percorrermos com grande velocidade. Havia também a diferença entre um automóvel com cinco  e um caminhão com cerca de umas trinta pessoas. Na primeira parada que o automóvel de Nino fez, abastecemos com gasolina até encher o tanque. Fizemos um bom lanche, mas José Otávio e Carlos Ney acharam de beber várias garrafas de cerveja, naquela hora da manhã. Ficamos fazendo horário, até a chegada do caminhão e entre espera e lanche, perdemos quase duas horas. Então, ali no posto, combinamos que seguiríamos em frente e não mais esperaríamos o caminhão. Ao sairmos, entramos definitivamente no território mineiro.
AMAINADO: do verbo amainar, Diminuir a força do vento ou da chuva. Abrandar. Minorar. Acalmar. Tornar sereno.
DANTESCA: Relativo ao poeta italiano Dante Alighieri. Próprio do estilo do “Inferno” de Dante, primeiro poema da Divina Comédia. De um horror grandioso. Diabólico.

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No prosseguimento da viagem, José Otávio e Carlos Ney, nos deram um trabalho danado. Nino foi obrigado a parar o carro duas vezes, porque o efeito da cerveja enjoou-os de tal forma, fazendo-os vomitar sucessivamente, uma vez um, e na outra vez, o segundo. Depois, caíram num sono profundo, somente vindo a acordar, quando já se passavam das doze horas e Nó pediu a Nino que estacionasse o carro num local com sombra, para que pudéssemos almoçar. Nó, na véspera da viagem, mandara a nossa cozinheira preparar um franguinho cozido, com farofa de feijão verde e nós oferecemos aquele pequeno almoço, também aos três.  À principio os dois enjoados fizeram cara para não aceitar, mas Nó agindo como uma irmã mais velha, insistiu muito e advertiu aos dois:
---Se vocês não  comerem, aí  é que   irão passar mal, mesmo!
E ela estava certa. Depois que almoçamos, todos se sentiram com mais disposição. Entretanto, um novo dilema surgiu. A que distância ficava Salinas?. A gasolina colocada lá naquele posto começava a baixar no mostrador do carro. Em certo momento, Nino avistou um pessoal caminhando ao longo da estrada e reduzindo um pouco a velocidade do automóvel perguntou:
---Boa tarde, minha gente! Salinas está perto?
Um deles com o braço direito estendido e com o lábio inferior bem esticado, respondeu:
---Está ali...
Ficamos animados com a resposta, mas depois de uns vinte quilômetros, a gasolina estava quase zerada. Aí, Nino falou para nós todos:
---Pessoal o carro está praticamente sem gasolina. Vamos parar e esperar que algum carro passe e possa nos socorrer.
Eram mais de 16 horas, quando finalmente apareceu um jipe, vindo em sentido contrário. Nino explicou a nossa situação e pelos cálculos feitos entre ele e o motorista do jipe, concordaram entre si, que aquela quantidade de gasolina daria para chegarmos a Salinas. Mesmo assim, ainda paramos umas duas vezes ao encontrarmos andarilhos na estrada. Mas a resposta era a de sempre:
--- É ali ...
O fato é que, depois das dezessete horas  ( cinco da tarde ), chegamos a uma passagem estreita, onde duas pequenas elevações, (lados direito e esquerdo ),estavam apinhadas de pessoas, empunhando lenços brancos e bandeirolas, onde umas gritavam, outras saltitavam, alguns espocavam foguetes e fogos de artificio, num espetáculo de cores, deslumbrante. A recepção fora bem organizada, mas não sabiam que o caminhão estava bem atrasado. Nino estacionou o carro mais adiante e ao saltarmos fomos cumprimentados por várias pessoas que nos cercaram, inclusive com  a presença da Valmir Andrade, que certamente organizara aquilo tudo. Ao saberem do atraso do caminhão, fomos conduzidos para várias residências.


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A noite avançava. Tomamos banho e quando já estávamos à mesa jantando em companhia do casal que nos hospedou, ouvimos o espocar de fogos ao longe. Já se passavam das 20 horas. O restante da caravana finalmente chegara a Salinas. O casal  que nos hospedara, reuniu as três filhas para que conhecêssemos de perto. A mais velha, alcançara há dias atrás, os doze anos, a do meio estava entre seus seis a sete anos e a caçula beirava os quatro. Quando a conversa estava bem adiantada, já sabendo que eu era dentista, soube pelo pai, que o “colega” de Salinas, havia feito uma determinada restauração, num incisivo central de sua menina mais velha, umas quatorze vezes. Chamei a garotinha para perto de mim e com o apoio da luz refletida sobre a sua boca, verifiquei que naquelas condições, quantas vezes o tal colega insistisse, outras tantas a restauração não ficaria no local da cárie.. Aconselhei-o a leva-la a Belo Horizonte, procurando um dentista diplomado, para resolver o problema.
No dia seguinte, sábado, após o café da manhã, saímos e fomos encontrar o pessoal, para curtir a cidade, visitando os seus lugares mais interessantes. Num restaurante de relativo bom tamanho, adaptamos mais umas mesas e ali mesmo todos almoçaram. À tarde, continuamos a nossa visita a outros pontos de Salinas, que nos mostrou ser uma cidade pequena.
À noite, houve uma recepção no cinema local, quando em nome de todos nós, o meu mano Affonso, com um discurso invulgar, deixou muitos de nós e consequentemente, toda a plateia mineira, boquiaberta.
O domingo amanheceu esplendoroso e após o café, seguimos para o local onde seria realizado o jogo de voleibol. Novamente vencemos por três a zero, pois os mineiros ainda estavam nos primeiros passos daquele esporte.
Onde estávamos hospedados, o almoço foi servido ,quase ás quinze hora, pois aos domingos eles tinham a mania de dizer, que naquele dia da semana, ao invés de almoço no horário habitual, faziam uma espécie de ajantarado mineiro. Não sei se hoje em dia, a moda continua. Mas o certo, é que, almoçamos apressadamente com o intuito de correr ao estádio local, para assistirmos ao jogo de futebol. Assim que chegamos, soubemos que o time de Salinas já vencia por um a zero. Mas em determinado momento, aconteceu o que ninguém  esperava. Um dos nossos zagueiros atrasou a bola para o goleiro Antônio Luz, que inexplicavelmente ao invés de recolocar a bola em jogo, colocou-a sobre a linha da grande área e afastou-se como se fosse cobrar um tiro livre. Naquele mesmo instante, o centro avante deles, muito esperto, correu em direção à pelota e chutou-a para as redes do nosso gol. Com aqueles dois a zero, foi mesmo que ter jogado um balde de água fria em toda a equipe. Mais adiante, aconteceu o terceiro gol e fomos inapelavelmente derrotados. À noite ainda saímos um pouco, mas fomos dormir cedo, pois o retorno era longo. Assim que chegamos em Poções, recebemos um aviso de Fidelis Sarno, que reuniu a Diretoria e lançou  a ideia de fazermos um grito de carnaval, no dia 24 de janeiro, sábado, para realizarmos a primeira apuração dos votos do concurso da rainha do carnaval e no dia 4 de fevereiro, sem festa, a apuração final, pois o carnaval cairia nos dias 8, 9 e 10 e o tempo estava curto. Um pouco relutantes, os componentes da diretoria, meio CÉTICOS, quanto ao resultado do empreendimento, aceitaram.

CÈTICOS: no singular cético. Aquele que não crê. Que duvida de tudo. Que é desconfiado

                                            
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