quinta-feira, 6 de junho de 2013

Autobiografia de Irundy Dias ( p 28 )




Dois dias depois da reunião do clube, Noélia e eu fomos convocados a participar de uma sessão da Fundação Ginásio de Poções, onde soubemos da continuação do curso preparatório que havíamos começado em dezembro e que continuaríamos de 10 a 20 do corrente mês, para que os candidatos ficassem bem preparados a enfrentar os exames de admissão .Na mesma reunião ficamos sabendo que somente os funcionários principais receberiam ordenados, enquanto o corpo docente colaboraria gratuitamente durante dois anos( 1959 e 1960 ). Com o intuito de ajudar Poções, numa educação mais adiantada, abraçamos de corpo e alma a feliz iniciativa e outras pessoas abnegadas também se chegaram para formar parte daquela turma. O Grupo Escolar Alexandre Porfirio, através de sua Diretora, Professora Jacy Dourado Rocha, continuou cedendo uma sala para que nós participássemos das aulas das 15 as 17 horas. Dona Jaci, era esposa do padrinho de Noélia, Deco Rocha, já citado linhas atrás, como um dos baluartes na instalação do curso ginasial.
Após o Grito do Carnaval, soubemos que Dr. Alcides Pinheiro dos Reis, casado com a tia de Zenaide Borges, que era uma das candidatas no concurso, foi com ela para Itabuna e Ilhéus, pedirem votos, pois tinham alguns parentes na região. Ao saber dessa notícia, Amélia, irmã de Nó, muito amiga do Sr. Valdemar Guimarães, pai da candidata Simone, realizou uma reunião na casa do Sr. Jambinho e naquele mesma noite decidiu-se ir a Salinas, angariar votos, com o apoio de Valmir Andrade. Era uma ideia mirabolante. Sairmos daqui de Poções para vender votos em Salinas, para uma candidata que ninguém conhecia e que também não iria em nossa companhia. Naquela mesma noite saímos num jipe alugado e amanhecemos em Salinas, ficando hospedados numa pensão. Não dormimos. Após um banho revigorante e um café prá lá de razoável, saímos à procura de Valmir Andrade e explicamos o motivo de nossa ida até ali. Muito prestativo,  ele nos levou às pessoas em que ele confiava na aquisição dos votos. O certo é que ao fim da tarde, o dinheiro arrecadado, deu parta pagar toda a viagem e a sobra foi revertida em votos. Como ainda eu não possuí uma conta bancária, arranjei uma caixa de sapatos de homem, com a respectiva tampa e ali fui colocando todo o dinheiro proveniente desde a primeira apuração. Fidelis Sarno havia me escolhido para tesoureiro do clube e ninguém sabia o jeito que eu dei para guardar aqueles cruzeiros.
Em quanto o clima do concurso da rainha do carnaval, predominava nos bate-papos da cidade, um pequeno e decisivo grupo, agigantava-se organizando os preparativos para o exame de admissão, já oficialmente marcado para o dia 16 de fevereiro, com as provas escritas e Português e Matemática, em caráter eliminatório. Finalmente chegou a noite da última apuração. Muita gente apareceu por lá no interesse de verificar o resultado e por volta das 22 horas, a vencedora foi Simone Guimarães, ganhando por larga margem de votos não deixando nenhuma contestação, quanto a lisura do empreendimento lançado pelo clube social. Não sei se foi a motivação, o certo  é que aquele carnaval deixou saudades para todos que dele fizeram parte. Os dias 8, 9 e 10 passaram numa velocidade estonteante e nossas atenções ficaram voltadas para o início dos exames de admissão. Naquela mesma semana, após o carnaval, o Conselho Estadual de Educação, enviou um dos seus conselheiros, na pessoa do Dr. Othoniel de Almeida Moura, irmão do nosso juiz da comarca, Dr. Ignácio de Almeida Moura, que veio com a missão de supervisionar os exames de admissão das cidades de Poções e Nova Canaã.

                                                                  
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Reunimo-nos na residência do Sr. Deco Rocha, para sigilosamente organizarmos o teor das provas escritas das cinco disciplinas envolvidas. As provas de Português e Matemática eram eliminatórias, mas Geografia, História e Ciências, pesavam no conjunto da média final. Com os resultados das provas escritas, seriam então desenvolvidas as provas orais, para obterem-se definitivamente os nomes dos aprovados. Quando a sessão foi iniciada, usou da palavra o Dr.Othoniel  de Almeida Moura, que era uma pessoa de baixa estatura, de cor branca e bem metódico nas suas palavras iniciais:
--”Minhas senhoras, meus senhores, a maior parte das pessoas presentes, já nos foram apresentadas e sabemos todos nós, que aqui estamos reunidos, para iniciar nesta cidade e na de Nova Canaã, um processo de nova aprendizagem”. É esta, uma reunião de caráter bastante e extremamente sigilosa. Nada do que for resolvido aqui, poderá ser comentado em casa ou em qualquer lugar. Não abriremos a “cancela”, para que todos os candidatos sejam aprovados. “Iremos sim, efetuar uma seleção de caráter bem ameno e logo após o final desta reunião gostaria de passar as vistas nas provas que os senhores todos já organizaram.”
Outras pessoas, também usaram da palavra, inclusive o Sr. Olímpio Lacerda Rolim , atual Prefeito de Poções, que prometeu ajudar na medida das possibilidades da Prefeitura.
Após a reunião, o Dr. Othoniel, foi verificando o conteúdo das provas, onde foi cortando os quesitos considerados muito difíceis, pedindo para que cada professor fosse refazendo o texto inicial. Na minha vez, bem baixinho, para que nenhum dos presentes escutasse:
---Meu caro doutor, desse jeito ninguém será aprovado em Matemática. Faça uns quesitos mais benevolentes.
Educadamente, retruquei, dizendo que durante o curso preparatório, nós ministramos, aqueles assuntos, que foram bem repassados, mas prometi fazer uma nova correção e trazê-los de volta, para uma nova apreciação.
As provas escritas e orais transcorreram num clima ameno e sem complicações. Ao final, verificou-se que, quem não tinha mesmo condições, não foi aprovado. Logo no ato da matrícula, perdemos uma candidata, pois os pais haviam sido transferidos para Nova Canaã.
Nascia, portanto, naquele mês de fevereiro de 1959, mais uma etapa na vida dos poçõense. Primeiramente, HOSANAS aos que tiveram a brilhante ideia de trazer o curso ginasial a estas plagas e posteriormente aos abnegados professores que carregaram e seguraram o barco, por muito tempo. Gostaria portanto, de lembrar das figuras iniciais, como : Dr. José Carlos Peixoto Pereira, além de primeiro diretor, exerceu a docência de Português, em companhia de sua esposa, que lecionou História do Brasil. Irene Gomes Lamego, que passou os primeiros ensinamentos de Canto Orfeônico. Clóvis Pereira Júnior, que chamou para si  a responsabilidade de ensinar duas línguas: Latim e Francês.

HOSANAS: aclamação jubilosa. Louvor . Expressão de alegria: Salve !  Ave !  Viva !


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Dr. Alcides Pinheiro dos Reis, que abordou os temas atraentes de Geografia do Brasil. Noélia Gusmão Alves Dias, que lecionou Desenho por algum tempo e mais tarde Geografia, quando o Dr. Alcides deixou o Ginásio, por motivos profissionais. E este, autor dessas humildes linhas, que sem nenhum preparo pedagógico , abraçou a Matemática e só a largou 40 anos depois. Essas hosanas, que se estendam também aqueles continuadores, dessa obra meritória. Dizem que o brasileiro tem memória curta, mas acredito piamente que o povo de Poções é uma exceção à regra.
Bravos meus amigos ! Bravos caros colegas !
Aos que ainda são vivos, o meu abraço de justiça e  amizade e aos que já se foram, que Deus os guarde, num cantinho todo especial.

Certo dia, a Professora Jaci Dourado Rocha, chamou-me reservadamente e comentou:
---A garotada gosta muito de suas aulas, deixando-os bem à vontade, embora estejam pedindo menor quantidade de conteúdo, para acompanharem tudo direitinho.
Agradeci a contemporização e esforcei-me bastante para atender o seu pedido, Pudera também. Nunca havia ensinado coisa nenhuma em sala de aula.
Fidelis Sarno, sabedor de mais uma ocupação que eu estava tendo, logo após os exames de admissão, marcou uma reunião de diretoria do clube social, para sabermos dos lucros obtidos com a realização do concurso da rainha do carnaval. Na noite escolhida, peguei a minha caixinha de sapatos, que estava guardada em cima de um dos guardas roupas do quarto, porque nela estavam  selecionados, toda a sorte de dinheiro e papéis das despesas que foram apresentados pelas candidatas.
Eram mais de 20 horas quando a reunião começou. Todos os componentes da diretoria, sorriam, enquanto eu ia desenrolando a papelada, juntamente com o dinheiro e alguns poucos cheques.
--- “Você não teve medo de ser assaltado dentro de casa”--- comentou alguém da diretoria.
--- Medo? Para que vocês tomem conhecimento, nem Noélia soube onde eu guardei tanto dinheiro.
De imediato o pessoal começou a ajudar-me para ganharmos tempo e após alguns minutos de contas feitas, verificamos que o sucesso fora total.
Dias depois, ainda no mês  de março, recebi um recado do meu aluno Carlos Ferreira Santos, que por sinal, estava trabalhando na farmácia com Papai, que este queria ver-me à noite em sua casa, pois seria o melhor horário, devido as minhas atribulações. Acertamos a noite sugerida e Noélia e eu, fomos saber do que se tratava. Enquanto Nó , foi conversar com Mamãe, Papai e eu ficamos na sala. Ali, ele me relatou  o seguinte:


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--- Seu Dy,  a senhorita Doninha Leoni, atual secretária da Câmara de Vereadores, irá mudar-se para Salvador, pois naquela cidade irá exercer um bom emprego. Provisoriamente, no seu lugar, ficará o atual ajudante, o nosso amigo Arnaldo Fagundes. O certo entretanto, é que a vaga está aberta e se você quiser ficar no lugar de Doninha, eu posso falar com o atual Presidente da Câmara, vereador Aníbal Carvalho .
Era uma boa proposta, pois à noite nada tinha que me impedisse em exercer aquela função. Mas, mesmo assim, respondi:
--- Pai, o senhor irá me ensinando, porque nada entendo desse assunto.
---Ótimo, eu só queria saber do seu interesse. Assim que Doninha  afastar-se eu o aviso.
Saímos de lá, eufóricos, mas pedi a Nó que mantivesse sigilo absoluto, pois assuntos que envolviam política, o segredo era uma boa arma.
As aulas do Ginásio continuaram a todo o vapor e misturando o atendimento aos meus clientes e as aulas com os alunos  da primeira série ginasial, quase me esqueci da proposta que Papai me fizera. No começo de abril, recebi uma comunicação por escrito, que comparecesse no local designado, para  assistir a uma das sessões da Câmara de Vereadores, que naquela época, funcionava na Rua Maneca Moreira , bem próxima da residência do Padre Honorato.
Mas Doninha Leoni só se afastou definitivamente do cargo em fins de abril e somente no dia 29 daquele mês, o Presidente da Câmara, empossou-me  no cargo de Diretor daquela Casa de Leis. Felizmente, todos os vereadores compareceram naquela noite e assim aos poucos fui tomando conhecimento dos seus nomes. À medida que os mesmos iam  usando da palavra, meticulosamente, ia anotando numa folha de papel de rascunho, os mais variados assuntos que eram ditos, para posteriormente, passar à limpo no livro próprio. No dia seguinte fi=ui procurar Papai na farmácia, para ensinar-me a redigir a ata da sessão e ele me disse, que a mesma é um resumo do que se passou e não precisaria ter copiado quase que integralmente o que fora dito na sessão.
Na sessão seguinte aconteceu o inevitável. Naquela época,  de acordo com o Regimento Interno da Casa, o Primeiro Secretário da Câmara, era o encarregado de fazer a leitura da ata da sessão anterior. Como sempre, eu tive uma caligrafia bonita, modéstia a parte, caprichei ainda mais, para que a pessoa não tivesse nenhuma dificuldade. Depois  de iniciada a sessão, o vereador que não irei declinar o nome, por questão de ética, começo a gaguejar na leitura da ata. Do meu lugar, fiquei nervoso por ele. Ou o camarada não enxergava direito ou era semi analfabeto. Resmungava mais, do que lia o que estava escrito. Enfim, era uma verdadeira MIXÓRDIA. Quando afinal ele terminou, virou-se para o Presidente da Câmara, Vereador Aníbal Gonçalves de Carvalho e disse :
 ---“ Quem é esse novo Secretário desta Câmara, que não sabe escrever direito o português ?”

MIXÓRDIA: misturada de coisas variadas. Confusão . Bagunça


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Como funcionário da Casa, eu não poderia falar nada em minha defesa, mas no Grande Expediente, como vereador, Papai pediu a palavra e disse:
---Senhor Presidente. Meus caros colegas. Deixei para este momento fazer uso da palavra, porque logo após a leitura da ata , não disporia do tempo necessário, para as observações que gostaria de fazer. Então, primeiramente gostaria de frisar ao nobre colega, secretário desta Casa, que fizesse um bom exame ocular com algum oftalmologista bem competente, para evitar que V, Exa., chegue aqui no plenário e após a leitura da  ata, venha a ofender ao mais novo funcionário, aqui presente. Em segundo lugar, gostaria de dizer que  a nossa gentil  diretora desta Secretaria, senhorita Josina Leoni, por seus grandes méritos, irá exercer em Salvador, um novo trabalho e por isso mesmo, a partir data, o seu lugar, será preenchido por um novo funcionário. É meu desejo, portanto, neste instante, apresentar a todos, o novo Diretor desta Câmara, que é o Dr. Irundy Manta Alves Dias, dentista, diplomado pela Faculdade de Odontologia da Universidade da Bahia, que como pessoa de nível superior, é muito capaz de preencher a lacuna agora existente. Como muitos dos presentes, ainda não o conhecem, devo também esclarecer, que a Fundação do Ginásio desta Cidade, convidou-o a participar da primeira banca examinadora dos exames de admissão e atualmente ele está ocupando a docência da disciplina matemática. Com todos esses méritos, é mais do que certo, que ele irá desempenhar a contento os nossos trabalhos, incluindo também, a boa redação de nossas atas, num português bem legível. Agradeço ao Sr. Presidente e a todos os meus colegas pela atenção que deram às minhas humildes palavras.

Por coincidência do destino, o referido vereador era semianalfabeto e depois das palavras veementes do vereador Dr. Ary Alves Dias, nunca mais abriu o bico para dizer nada e para evitar outros constrangimentos, a partir da sessão seguinte, eu mesmo, lia as atas. Outro fato que nós verificamos, é que a partir daquela sessão, o tal  vereador  somente aparecia de quatro em quatro sessões para não perder o mandato.

Dali em diante, comecei a entrosar-me nos serviços da Câmara e lá de vez em quando, solicitava ainda uma ajudinha de Papai.




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