Dois dias depois da reunião do
clube, Noélia e eu fomos convocados a participar de uma sessão da Fundação
Ginásio de Poções, onde soubemos da continuação do curso preparatório que
havíamos começado em dezembro e que continuaríamos de 10 a 20 do corrente mês,
para que os candidatos ficassem bem preparados a enfrentar os exames de
admissão .Na mesma reunião ficamos sabendo que somente os funcionários
principais receberiam ordenados, enquanto o corpo docente colaboraria
gratuitamente durante dois anos( 1959 e 1960 ). Com o intuito de ajudar Poções,
numa educação mais adiantada, abraçamos de corpo e alma a feliz iniciativa e
outras pessoas abnegadas também se chegaram para formar parte daquela turma. O
Grupo Escolar Alexandre Porfirio, através de sua Diretora, Professora Jacy
Dourado Rocha, continuou cedendo uma sala para que nós participássemos das
aulas das 15 as 17 horas. Dona Jaci, era esposa do padrinho de Noélia, Deco
Rocha, já citado linhas atrás, como um dos baluartes na instalação do curso
ginasial.
Após o Grito do Carnaval,
soubemos que Dr. Alcides Pinheiro dos Reis, casado com a tia de Zenaide Borges,
que era uma das candidatas no concurso, foi com ela para Itabuna e Ilhéus,
pedirem votos, pois tinham alguns parentes na região. Ao saber dessa notícia,
Amélia, irmã de Nó, muito amiga do Sr. Valdemar Guimarães, pai da candidata
Simone, realizou uma reunião na casa do Sr. Jambinho e naquele mesma noite
decidiu-se ir a Salinas, angariar votos, com o apoio de Valmir Andrade. Era uma
ideia mirabolante. Sairmos daqui de Poções para vender votos em Salinas, para
uma candidata que ninguém conhecia e que também não iria em nossa companhia.
Naquela mesma noite saímos num jipe alugado e amanhecemos em Salinas, ficando
hospedados numa pensão. Não dormimos. Após um banho revigorante e um café prá
lá de razoável, saímos à procura de Valmir Andrade e explicamos o motivo de nossa
ida até ali. Muito prestativo, ele nos
levou às pessoas em que ele confiava na aquisição dos votos. O certo é que ao
fim da tarde, o dinheiro arrecadado, deu parta pagar toda a viagem e a sobra
foi revertida em votos. Como ainda eu não possuí uma conta bancária, arranjei
uma caixa de sapatos de homem, com a respectiva tampa e ali fui colocando todo
o dinheiro proveniente desde a primeira apuração. Fidelis Sarno havia me
escolhido para tesoureiro do clube e ninguém sabia o jeito que eu dei para guardar aqueles
cruzeiros.
Em quanto o clima do concurso da
rainha do carnaval, predominava nos bate-papos da cidade, um pequeno e decisivo
grupo, agigantava-se organizando os preparativos para o exame de admissão, já
oficialmente marcado para o dia 16 de fevereiro, com as provas escritas e
Português e Matemática, em caráter eliminatório. Finalmente chegou a noite da
última apuração. Muita gente apareceu por lá no interesse de verificar o
resultado e por volta das 22 horas, a vencedora foi Simone Guimarães, ganhando
por larga margem de votos não deixando nenhuma contestação, quanto a lisura do
empreendimento lançado pelo clube social. Não sei se foi a motivação, o
certo é que aquele carnaval deixou
saudades para todos que dele fizeram parte. Os dias 8, 9 e 10 passaram numa
velocidade estonteante e nossas atenções ficaram voltadas para o início dos
exames de admissão. Naquela mesma semana, após o carnaval, o Conselho Estadual
de Educação, enviou um dos seus conselheiros, na pessoa do Dr. Othoniel de
Almeida Moura, irmão do nosso juiz da comarca, Dr. Ignácio de Almeida Moura,
que veio com a missão de supervisionar os exames de admissão das cidades de
Poções e Nova Canaã.
x.x.x
Reunimo-nos na residência do Sr.
Deco Rocha, para sigilosamente organizarmos o teor das provas escritas das
cinco disciplinas envolvidas. As provas de Português e Matemática eram eliminatórias,
mas Geografia, História e Ciências, pesavam no conjunto da média final. Com os
resultados das provas escritas, seriam então desenvolvidas as provas orais,
para obterem-se definitivamente os nomes dos aprovados. Quando a sessão foi
iniciada, usou da palavra o Dr.Othoniel de Almeida Moura, que era uma pessoa de baixa
estatura, de cor branca e bem metódico nas suas palavras iniciais:
--”Minhas senhoras, meus
senhores, a maior parte das pessoas presentes, já nos foram apresentadas e
sabemos todos nós, que aqui estamos reunidos, para iniciar nesta cidade e na de
Nova Canaã, um processo de nova aprendizagem”. É esta, uma reunião de caráter
bastante e extremamente sigilosa. Nada do que for resolvido aqui, poderá ser comentado
em casa ou em qualquer lugar. Não abriremos a “cancela”, para que todos os
candidatos sejam aprovados. “Iremos sim, efetuar uma seleção de caráter bem
ameno e logo após o final desta reunião gostaria de passar as vistas nas provas
que os senhores todos já organizaram.”
Outras pessoas, também usaram da
palavra, inclusive o Sr. Olímpio Lacerda Rolim , atual Prefeito de Poções, que
prometeu ajudar na medida das possibilidades da Prefeitura.
Após a reunião, o Dr. Othoniel,
foi verificando o conteúdo das provas, onde foi cortando os quesitos
considerados muito difíceis, pedindo para que cada professor fosse refazendo o
texto inicial. Na minha vez, bem baixinho, para que nenhum dos presentes escutasse:
---Meu caro doutor, desse jeito
ninguém será aprovado em Matemática. Faça uns quesitos mais benevolentes.
Educadamente, retruquei, dizendo
que durante o curso preparatório, nós ministramos, aqueles assuntos, que foram
bem repassados, mas prometi fazer uma nova correção e trazê-los de volta, para
uma nova apreciação.
As provas escritas e orais
transcorreram num clima ameno e sem complicações. Ao final, verificou-se que, quem
não tinha mesmo condições, não foi aprovado. Logo no ato da matrícula, perdemos
uma candidata, pois os pais haviam sido transferidos para Nova Canaã.
Nascia, portanto, naquele mês de
fevereiro de 1959, mais uma etapa na vida dos poçõense. Primeiramente, HOSANAS aos que tiveram a brilhante ideia de trazer o
curso ginasial a estas plagas e posteriormente aos abnegados professores que
carregaram e seguraram o barco, por muito tempo. Gostaria portanto, de lembrar
das figuras iniciais, como : Dr. José Carlos Peixoto Pereira, além de primeiro
diretor, exerceu a docência de Português, em companhia de sua esposa, que
lecionou História do Brasil. Irene Gomes Lamego, que passou os primeiros
ensinamentos de Canto Orfeônico. Clóvis Pereira Júnior, que chamou para si a responsabilidade de ensinar duas línguas:
Latim e Francês.
HOSANAS:
aclamação jubilosa. Louvor . Expressão de alegria: Salve ! Ave !
Viva !
x.x.x
Dr. Alcides Pinheiro dos Reis,
que abordou os temas atraentes de Geografia do Brasil. Noélia Gusmão Alves
Dias, que lecionou Desenho por algum tempo e mais tarde Geografia, quando o Dr.
Alcides deixou o Ginásio, por motivos profissionais. E este, autor dessas
humildes linhas, que sem nenhum preparo pedagógico , abraçou a Matemática e só
a largou 40 anos depois. Essas hosanas, que se estendam também aqueles
continuadores, dessa obra meritória. Dizem que o brasileiro tem memória curta,
mas acredito piamente que o povo de Poções é uma exceção à regra.
Bravos meus amigos ! Bravos caros
colegas !
Aos que ainda são vivos, o meu
abraço de justiça e amizade e aos que já
se foram, que Deus os guarde, num cantinho todo especial.
Certo dia, a Professora Jaci
Dourado Rocha, chamou-me reservadamente e comentou:
---A garotada gosta muito de suas
aulas, deixando-os bem à vontade, embora estejam pedindo menor quantidade de
conteúdo, para acompanharem tudo direitinho.
Agradeci a contemporização e
esforcei-me bastante para atender o seu pedido, Pudera também. Nunca havia
ensinado coisa nenhuma em sala de aula.
Fidelis Sarno, sabedor de mais
uma ocupação que eu estava tendo, logo após os exames de admissão, marcou uma
reunião de diretoria do clube social, para sabermos dos lucros obtidos com a
realização do concurso da rainha do carnaval. Na noite escolhida, peguei a
minha caixinha de sapatos, que estava guardada em cima de um dos guardas roupas
do quarto, porque nela estavam selecionados,
toda a sorte de dinheiro e papéis das despesas que foram apresentados pelas
candidatas.
Eram mais de 20 horas quando a
reunião começou. Todos os componentes da diretoria, sorriam, enquanto eu ia
desenrolando a papelada, juntamente com o dinheiro e alguns poucos cheques.
--- “Você não teve medo de ser
assaltado dentro de casa”--- comentou alguém da diretoria.
--- Medo? Para que vocês tomem
conhecimento, nem Noélia soube onde eu guardei tanto dinheiro.
De imediato o pessoal começou a ajudar-me
para ganharmos tempo e após alguns minutos de contas feitas, verificamos que o
sucesso fora total.
Dias depois, ainda no mês de março, recebi um recado do meu aluno
Carlos Ferreira Santos, que por sinal, estava trabalhando na farmácia com Papai,
que este queria ver-me à noite em sua casa, pois seria o melhor horário, devido
as minhas atribulações. Acertamos a noite sugerida e Noélia e eu, fomos saber
do que se tratava. Enquanto Nó , foi conversar com Mamãe, Papai e eu ficamos na
sala. Ali, ele me relatou o seguinte:
x.x.x
--- Seu Dy, a senhorita Doninha Leoni, atual secretária
da Câmara de Vereadores, irá mudar-se para Salvador, pois naquela cidade irá
exercer um bom emprego. Provisoriamente, no seu lugar, ficará o atual ajudante,
o nosso amigo Arnaldo Fagundes. O certo entretanto, é que a vaga está aberta e
se você quiser ficar no lugar de Doninha, eu posso falar com o atual Presidente
da Câmara, vereador Aníbal Carvalho .
Era uma boa proposta, pois à
noite nada tinha que me impedisse em exercer aquela função. Mas, mesmo assim, respondi:
--- Pai, o senhor irá me ensinando,
porque nada entendo desse assunto.
---Ótimo, eu só queria saber do
seu interesse. Assim que Doninha
afastar-se eu o aviso.
Saímos de lá, eufóricos, mas pedi a Nó que mantivesse sigilo absoluto,
pois assuntos que envolviam política, o segredo era uma boa arma.
As aulas do Ginásio continuaram a
todo o vapor e misturando o atendimento aos meus clientes e as aulas com os
alunos da primeira série ginasial, quase
me esqueci da proposta que Papai me fizera. No começo de abril, recebi uma
comunicação por escrito, que comparecesse no local designado, para assistir a uma das sessões da Câmara de Vereadores,
que naquela época, funcionava na Rua Maneca Moreira , bem próxima da residência
do Padre Honorato.
Mas Doninha Leoni só se afastou
definitivamente do cargo em fins de abril e somente no dia 29 daquele mês, o Presidente
da Câmara, empossou-me no cargo de
Diretor daquela Casa de Leis. Felizmente, todos os vereadores compareceram naquela
noite e assim aos poucos fui tomando conhecimento dos seus nomes. À medida que
os mesmos iam usando da palavra,
meticulosamente, ia anotando numa folha de papel de rascunho, os mais variados
assuntos que eram ditos, para posteriormente, passar à limpo no livro próprio.
No dia seguinte fi=ui procurar Papai na farmácia, para ensinar-me a redigir a
ata da sessão e ele me disse, que a mesma é um resumo do que se passou e não
precisaria ter copiado quase que integralmente o que fora dito na sessão.
Na sessão seguinte aconteceu o
inevitável. Naquela época, de acordo com
o Regimento Interno da Casa, o Primeiro Secretário da Câmara, era o encarregado
de fazer a leitura da ata da sessão anterior. Como sempre, eu tive uma
caligrafia bonita, modéstia a parte, caprichei ainda mais, para que a pessoa
não tivesse nenhuma dificuldade. Depois de iniciada a sessão, o vereador que não irei
declinar o nome, por questão de ética, começo a gaguejar na leitura da ata. Do
meu lugar, fiquei nervoso por ele. Ou o camarada não enxergava direito ou era
semi analfabeto. Resmungava mais, do que lia o que estava escrito. Enfim, era
uma verdadeira MIXÓRDIA. Quando afinal ele
terminou, virou-se para o Presidente da Câmara, Vereador Aníbal Gonçalves de Carvalho
e disse :
---“ Quem é esse novo Secretário desta Câmara, que não sabe escrever
direito o português ?”
MIXÓRDIA:
misturada de coisas variadas. Confusão . Bagunça
x.x.x
Como funcionário da Casa, eu não
poderia falar nada em minha defesa, mas no Grande Expediente, como vereador,
Papai pediu a palavra e disse:
---Senhor Presidente. Meus caros
colegas. Deixei para este momento fazer uso da palavra, porque logo após a
leitura da ata , não disporia do tempo necessário, para as observações que
gostaria de fazer. Então, primeiramente gostaria de frisar ao nobre colega,
secretário desta Casa, que fizesse um bom exame ocular com algum oftalmologista
bem competente, para evitar que V, Exa., chegue aqui no plenário e após a
leitura da ata, venha a ofender ao mais
novo funcionário, aqui presente. Em segundo lugar, gostaria de dizer que a nossa gentil
diretora desta Secretaria, senhorita Josina Leoni, por seus grandes
méritos, irá exercer em Salvador, um novo trabalho e por isso mesmo, a partir
data, o seu lugar, será preenchido por um novo funcionário. É meu desejo,
portanto, neste instante, apresentar a todos, o novo Diretor desta Câmara, que
é o Dr. Irundy Manta Alves Dias, dentista, diplomado pela Faculdade de
Odontologia da Universidade da Bahia, que como pessoa de nível superior, é
muito capaz de preencher a lacuna agora existente. Como muitos dos presentes,
ainda não o conhecem, devo também esclarecer, que a Fundação do Ginásio desta
Cidade, convidou-o a participar da primeira banca examinadora dos exames de admissão
e atualmente ele está ocupando a docência da disciplina matemática. Com todos
esses méritos, é mais do que certo, que ele irá desempenhar a contento os
nossos trabalhos, incluindo também, a boa redação de nossas atas, num português
bem legível. Agradeço ao Sr. Presidente e a todos os meus colegas pela atenção
que deram às minhas humildes palavras.
Por coincidência do destino, o referido
vereador era semianalfabeto e depois das palavras veementes do vereador Dr. Ary
Alves Dias, nunca mais abriu o bico para dizer nada e para evitar outros
constrangimentos, a partir da sessão seguinte, eu mesmo, lia as atas. Outro
fato que nós verificamos, é que a partir daquela sessão, o tal vereador
somente aparecia de quatro em quatro sessões para não perder o mandato.
Dali em diante, comecei a entrosar-me
nos serviços da Câmara e lá de vez em quando, solicitava ainda uma ajudinha de
Papai.
x.x.x
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