segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

AUTOBIOGRAFIA DE IRUNDY DIAS (p 1 e 2)

Muito se tem escrito em pequenas notas de jornais, sobre a história de Poções.
O trabalho que estou me propondo, não é o de relatar por ouvir dizer, mas, sim e tão somente, a vivência
do dia a dia, desde a época que passei aqui, algumas horas, em outubro de 1939 e na sequência, outras inúmeras horas, quando de minhas viagens a Salvador, vindo de Iguaí, ou vice-versa,na continuação dos meus estudos.
É claro que, para dar ciência da evolução desta cidade, nestes últimos setenta e poucos anos, terei que colocar presente e bem anexa, a minha autobiografia.
Que autor seria eu, se fosse escrever dados sobre Poções e os meus mais conhecidos habitantes, se
OMITISSE a minha presença ?
De certa forma, nesse período de tempo, muitos personagens foram esquecidos, como também fatos de menor importância  .
Certa vez, o meu irmão Affonso, que Deus o tenha guardado em bom lugar, disse-me:
---"Dydy", (é como ele me tratava), porque você não escreve a sua autobiografia ?
Respondi quase que de imediato:
---"Fonso"(era como eu o tratava),publicar poesias é um trabalho bem mais fácil.Você reune alguma coisa
que escreveu, sobre assuntos os mais diversos possíveis, corrige, vai a tipografia, imprime e depois sai distribuindo aqui e  ali aos seus amigos e conhecidos. Escrever a minha autobiografia,é um trabalho penoso, pois terei que rebuscar no passado, tudo aquilo que a minha memória puder trazer ao presente, juntando pedacinhos da minha infância, da minha adolescência, ligando fatos e personagens, muitas vezes esquecidos...
Mas no meio dessa resposta, apareceu um outro detalhe:
---Quem irá interessar-se em saber o que eu fui , o que eu sou, a não ser alguns familiares bem chegados
a mim e uns amigos de bons laços ?
Mas Affonso insistiu:
--- Dydy reflita comigo. Nós viemos de muda para Poções em 1950, quando Papai trouxe a família de Iguaí, para cá. Você ,como irmão mais velho , passou pelas primeira vez por esta Cidade  em fins de 1939.
Porque então você não associa a sua autobiografia, ao desenvolvimento de Poções, desde aquelas datas
arté aos dias de hoje?




OMITISSE – Do verbo omitir .Deixar de fazer . dizer, mencionar ou escrever(algo)

                                                                      x.x.x


Pesquisei e vivenciei fatos dos setores sociais , estudantis, esportivos, políticos, enfim tudo o que fosse
necessário para o conjunto dessa obra.
Poções, de chão de terra batido, da década de 30, que à luz do sol, quando soprava uma mínima quantidade de vento, deixava nuvens de poeira ao redor, ou na época das chuvas intensas, alagava ruas e praças, apresentando um grosso lamaçal.
Os poucos carros, puxados por parelhas de bois,  que percorriam as nossa vias, com aquele rangido característico das rodas de madeira, eram costumeiramente os melhores veículos que a Cidade dispunha.
As carroças puxadas por um único burrinho, apareciam  em segundo plano.
E as noites ?
Poções era servida(ou mal servida), com uma luz TÊNUE, produzida pelo trabalho de um motorzinho
movido a óleo, que funcionava das 18 às 24 horas, com um detalhe de que faltando dez minutos, para o encerramento daquele serviço, um rápido sinal era dado, com o piscar das lâmpadas.
Quando Affonso terminou a sua fala insistindo para que eu iniciasse a minha autobiografia resolvi experimentar e aqui vamos nós:
Primeiramente vou apresentar os meus pais, e meus avós paternos e maternos:
Papai; Dr. Ary Alves Dias, médico, nascido a 2 de setembro de 1904 e falecido a primeiro de novembro de 1980.( 76 anos). Vou chama-lo assim em toda a narrativa, pois foi desse modo, que sempre  o tratei, em nossas conversações. O detalhe principal: Papai com P maiúsculo.
Mamãe:Olinda Manta Dias, doméstica, com primeiro grau incompleto, nascida a 31 de maio de 1906 e
falecida a 16  de maio de 1997( 91 anos).
Ambos nascidos em São Félix - Bahia e casaram-se em 11 de maio de 1929.
Avós paternos: Dr. Afonso Alves Dias - Engenheiro da Estrada de Ferro da Leste Brasileiro e Isaltina da
Costa Alves Dias,doméstica e entre a sua prole, Papai foi o quinto.
Avós maternos:Dr. José da Silva Neves Manta, médico e Capitão da Polícia Militar do Estado da Bahia e
Amália Seixas Manta,. doméstica,sendo Mamãe, a quinta.filha.
Nos primeiros meses de casados, a convite de vovô Afonso,os meus pais foram residir com eles e a caçula de minhas tias, por nome Moema,já com 13 anos, ao notar já a barriguinha de mamãe começando a crescer
ficava insinuando:
---"Essa criança vai nascer no dia do meu aniversário, 17 de fevereiro"

TÊNUE : Que é delgado, fraco , sutil , leve ,ligeiro, de pouco valor ou importância.

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O nosso parentesco com o poeta Castro Alves, veio através de minha bisavó Odília, mãe de vovó Isaltina,que era prima dele.Daí ,todos os descendentes  por parte de meus avós paternos tiveram o Alves em um dos sobrenomes,
Decorrido um certo tempo de estada em casa dos meus avós paternos, eis que os avós maternos, reivindicaram a nossa presença com eles,desde quando meu avô Manta, sendo médico, ele mesmo queria fazer o parto da própria filha. Todos eles residiam na península itapagipana e bem próximos por sinal.
Meus avós maternos ocupavam uma casa lugada à rua Álvaro Cova, próxima a Igreja da Penha, enquanto
vovô Afonso e família ficaram situados a Avenida Beira Bar.
Papai ,era balconista da Casa de ferragens Eduardo Fernandes, localizada na Cidade Baixa, perto do Plano Inclinado, onde trabalhava das oito às 17 horas. Ele "subia" num  BONDE , logo cedo. Almoçava lá mesmo e só voltava para casa ,quando encerrava o seu serviço, à tardinha. Como possuía outras aspirações, nas
horas de folga, estudava para fazer os exames preparatórios, hoje chamados de vestibular.Basta frisar, que as linhas de bonde que faziam o percurso da parte baixa do Elevador Lacerda até a Ribeira e vice-versa, os
passageiros perdiam um tempo exagerado e por isso mesmo, Papai ia pela manhã ao trabalho e só retornava quase ao escurecer.
No dia 17 de fevereiro de 1930, tal qual tia Moema havia pedido, precisamente ao meio dia ,nas mãos hábeis do Dr Manta, Mamãe deu a luz a um garotinho robusto, bonito pra caramba, cheiroso e que as tias
Licinha, Edite e Dulce ficaram babando para pegá-lo. Irundy , como foi registado posteriormente,veio ao mundo, para felicidade de todos.Papai só tomou conhecimento do fato, ao retornar do trabalho à noite.
Meses depois , fui batizado na Igreja da Penha, tendo como padrinhos, vovô Manta, vovó Amália e tia Licinha.
Em 1931, quando eu estava aniversariando pela primeira vez, Papai brindou a todos,  sendo aprovado nos Exames preparatórios do Curso de Medicina. Ele e os proprietários da Casa Comercial Eduardo Fernandes,entraram num acordo pra que só trabalhasse num turno, a fim de não perder as aulas da Faculdade de Medicina, que era pertinho. Papai subia para a Cidade Alta, pelo Plano Inclinado, saltava na Praça da Sé e dali seguia andando até o Terreiro, onde ficava a antiga Faculdade de Medicina.
A vidinha deles dois foi seguindo em frente e as minhas irmãs começaram a surgir de dois em dois anos.
Eliaci em 1932, Aryolinda em 1934 e Nair em 1936, quando também ocorreu, o falecimento de Eliaci.
Nesse intervalo de tempo, toda a família de vovô Manta  mudou-se para a rua da Poeira ,57.

BONDE:Veículo ferroviário elétrico, destinado ao transporte urbano e suburbano de passageiros.


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Já sabendo ler as notícias  dos jornais, em março de 1936, fui matriculado no Colégio Nossa Senhora de Lourdes, onde tia Dulce estava concluindo o seu Curso de Magistério.
Ao final do ano de 1936, Papai formou-se em Medicina e aí o pessoal da casa, resolveu fazer um pequena comemoração
Para ficar mais próximo dos familiares, o meu tio Arnaldo(Nadinho), mudou-se para a mesma rua no número 40 e por isso mesmo, o filho mais velho, por nome Inaldo, me fazia companhia até a escola, todos os dias.
A casa onde moramos na rua da Poeira, 57, possuía um andar térreo, ocupado por outra família e nós ficávamos no primeiro e segundo andares. Era um sobrado.
Certa feita, como  os banheiros dos dois andares estavam ocupados, dirigi-me a um banheiro ,que ficava no quintal, logo abaixo da janela da cozinha, que quase ninguém usava, pois descia-se dois lances de escada, com mais de vinte degraus em cada uma.
Descendo-se o primeiro lance chega-se a um pequeno patamar, onde a pessoa teria duas opções: indo pela esquerda, descia-se ainda uns quatro degraus seguindo para a porta da rua. Tomando a parte da direita, é que descia-se mais 20 degraus em direção ao quintal. Desci o primeiro lance e quando galguei os primeiros quatro degraus do segundo lance, avistei um individuo, junto a uma das paredes cortando uns canos de chumbo de um encanamento antigo. De imediato, perguntei:
--- Que é que você está fazendo aí , moço ?
---Aqui não é a casa do Sr. Matias ? --- respondeu ele
---Matias? Aqui é a casa do Dr. Manta, médico da polícia militar
---É que eu recebi ordens , para vir cortar esse canos de chumbo sem uso...
Depois desse pequeno diálogo , desci mais rápido pelos degraus que ainda faltavam, até chegar em frente ao banheiro e virando-me para cima, gritei bem alto:
---Joana, Joana! Acode aqui em baixo , que tem um ladrão tentando roubar o encanamento.
Ao ouvir as minhas palavras, o ladrão largou de imediato, tudo o que estava fazendo e correu para cima, pela escada, a fim de fugir. Da parte debaixo onde eu estava, ainda presenciei Joana chegando à tempo de dar um SAFANÃO no ladrão, que mesmo assim, ainda saiu correndo em direção a rua.                                             

De  passagem, quero apresentar a cozinheira Joana, que participou dessa história.

Era um preta de mais ou menos uns trinta anos, alta e robusta. Devia pesar entre setenta a oitenta quilos. Vocês já pensaram  como deve ter doído o que o malandro, recebeu do safanão dela, no encontro que tiveram entre os dois no patamar da escada?

SAFANÃO : Tapa forte com a mão aberta. Choque forte; empurrão, tranco



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