quinta-feira, 6 de dezembro de 2012
Relembrando AFFONSO MANTA ( 3 )
VIDA DE MENINO
Eu quero ter os olhos de um menino
Para ver tudo com sabedoria.
Olhar um grilo assim tão pequenino
E nele ver motivo de alegria.
Fazer uma boiada dos ossinhos
De mocotó de boi,trocá-la adiante
Por picolé com outros garotinhos,
Guardar tampinhas de refrigerante.
Criar dinheiro vivo, bom, corrente,
De carteiras vazias de cigarro.
E na enxurrada pacientemente,
Açudes construir de areia e barro.
Jogar com bolas de meia a valer.
(Hoje elas são de plástico de que?)
Brincar de tonga.Sim, tonga, tonguê,
Bata na bunda e vá se esconder.
Jogar pião, castanha, rolimã,
Caçar com um bodoque traiçoeiro,
Esfregar na parede a pucumã
E, quando quente, queimar o parceiro...
Tomar banho de rio... Cavalgar
Cavalinhos de pau com as próprias pernas...
Encher balõezinhos de cor com ar
Das bocas infantis que são eternas...
E a gangorra, o carrinho, a amarelinha,
O pirulito, o chicote- queimado,
A bolinha de gude, a cirandinha
E tudo o mais que está lá no passado:
Mingau e quebra-queixo pela feira...
Álbuns de figurinhas coloridas...
Guerras de espadas de zinco e madeira...
E as arraias no céu tão divertidas...
E a patinete, que é o maior brinquedo
Para quem não pode ter bicicleta...
E histórias de assombrações que dão medo
Dentro da noite grávida e quieta...
E a roda de pneu, que se conduz
Com um pedaço de pau pela calçada...
E a noite da Natal cheia de luz...
E a noite de São João iluminada...
E o carrossel... e a roda gigante...
E o palhaço que vai e volta já,
No seu incerto andar bamboleante,
E vai ali comer maracujá...
Criança rima, sim, com esperança.
Criança é uma lição de liberdade.
Quero ter a visão de uma criança
Para viver a vida de verdade...
A RUY ESPINHEIRA FILHO
Os teus poemas falam das tranquilas
Águas de um rio interior que corre...
Tu és sempre o menino que não morre
Na paz de tuas lúcidas pupilas.
Hoje passei na Praça da Bandeira
E contemplei as altas casuarinas
E me lembrei de ti e das traquinas
Poesias dos meninos lá de Feira...
Lembrei-me do teu pai, do teu avô,
Que estão dormindo o sono bom, eterno,
E do Mário, que está no meu caderno,
E da Matilde, a quem mando um "alô".
Daqui deste recanto dos pardais
E das tuas queridas andorinhas
Também envio estas saudades minhas...
Abraços, meu amigo, estejam em paz.
O GAROTO POBRE
Ao Padre Valmir N eves
Esse garoto magro, maltrapilho,
Órfão de pai e de mãe pobre filho
E de cor negra como uma andorinha,
Não pôde nunca frequentar escola.
Ele vive a pedir, na rua, esmola
Para comprar um pouco de farinha.
Nas suas mãos magrinhas, inocentes,
Jamais pousou a graça dos presentes,
Que os meninos recebem no Natal.
No seu olhar há dor e desamparo
E, em germe,aquele sentimento claro
De que na vida há menos bem que mal.
Nalgum barraco da periferia,
Iluminado pelo sol de dia
E à noite pela chama de um fifó,
Ele mora com a mãe e os irmãozinhos,
Também famintos, magros e pretinhos,
Só para não dizer que vive só.
Esse garoto é fruto, como um pária,
Da civilização não solidária,
Também chamada ocidental cristã,
Que de cristã tem tão somente o nome,
Pois nela há multidões que passam fome,
Sem nenhuma esperança no amanhã,
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