segunda-feira, 3 de dezembro de 2012
Relembrando AFFONSO MANTA ( 4 )
UM HERÓI DO TRABALHO
Em memória do meu irmão Armando
I
Recordo-o : sorridente, alegre, bonachão,
Na varanda da nossa humilde moradia,
A falar com mamãe sobre os temas do dia:
Semente, muda, flor, coisas de plantação.
Recordo-o: um baluarte, apoio seguro
Contra toda e qualquer intempérie da vida,
A providenciar ao náufrago acolhida
E sem perder seu ar tranquilizante e puro.
Recordo-o: um jovem pai e um marido feliz,
Ao lado da constante e bela Beatriz
E dos filhos em flor, todos na adolescência:
Silvio Caetano,Sérgio, Aline e Gustavinho,
Róseo jardim que ele plantou com o seu carinho,
Com a sua imensa paz e profunda ciência.
II
Ele gostava dos jardins e dos quintais.
Plantava humildemente as mudas e as sementes.
Tratava com ternura os seres vegetais,
Como se fossem criaturas conscientes.
Ele era compassivo em face ao sofrimento,
Pelos doentes tinha afeto especial.
Ajudava a lenir as dores e o tormento
De quem quer que o chamasse a se queixar de um mal.
Era um médico, em suma: um amigo fiel
De quem prova no corpo e na alma o amargo fel
Do desespero ou da cruel enfermidade.
Era sentimental,sensível, meigo, lhano,
E a medicina era o seu modo bem humano
De cultivar a flor da solidariedade.
III
Acordava bem cedo e ia para o trabalho,
Voltava já de noite, exausto, mas feliz
Por dar para a família a comida e o agasalho
E ser um cidadão neste ingrato país.
Trabalhou desde o tempo alegre de rapaz
Pensava no porvir, sensato e previdente.
E com o trabalho construiu, sábio e prudente,
Os seus honrados e suados cabedais.
Uma vítima a mais da poluição nefasta,
Que lentamente para os túmulos arrasta
As grandes multidões de operários da dor.
A fumaça do Polo envenenou-lhe o sangue,
Deixando-o uma febril, depauperada e exangue
Sombra do seu antigo e sereno valor.
IV
Ele morreu depois de muito sofrimento,
Uma febre voraz minava-lhe a energia.
Dias e noites suportou o violento
Assalto da doença imprevista e sombria.
Mesmo desenganado , ele não se abatia:
Continuava a sorrir, tranquilo e confiante,
Cultivando com graça a flor angustiante
Que dava no jardim noturno da agonia.
Ele era bom no mais perfeito e amplo sentido:
Bom filho, bom irmão, bom pai e bom marido,
Bom médico também, um tão simples doutor.
Que eu saiba, ele não tinha um único inimigo.
E até o fim da vida ele guardou consigo
A esperança de quem acredita no amor.
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