A C H E G A D A D A B A N D E I R A
( Tentativa simples de descrever um espetáculo indescritível )
Festa do Divino de 1996
I - O ANTIGO GIRO DA BANDEIRA
Antes de entrar, altiva na Cidade,
Como rajada de vento sagrado,
Na sexta-feira logo anterior
Ao dia triunfal de Pentecostes,
Trazida por distintos cavaleiros
Que a erguiam vitoriosa e soberana
Diante dos cristãos e dos ateus,
( Que tanto uns como outros a respeitavam),
A Bandeira da Festa do Divino
Percorria notável trajetória:
Percorria o chão seco da caatinga,
Os sertões esquecidos e remotos,
Levada por um grupo de devotos
Em procissão alegre e concorrida.
Em cada casa às beira das estradas
Ou perdida nos ermos, nos confins,
Nas veredas diversas e longínquas
Do mundo surpreendente que é o sertão,
Alimentados da fé ,que os nutria
De um espírito vivo de humildade,
Os fiéis conduziam a Bandeira,
Cantando os versos tradicionais.
Com o barulho de um vento, êi,
Com o barulho de um vento, êi,
Divino assim chegou, êi,
Em forma de uma pombinha, êi ,
Em forma de uma pombinha, êi ,
Os discípulos, inspirou, êi.
Meu Divino Espírito Santo, êi ,
Meu Divino Espírito Santo , êi ,
Divino consolador, êi ,
Consolai a nossa alma, êi,
Consolai a nossa alma, êi,
Quando deste mundo for, êi.
Os devotos, ingênuos e garridos,
Inclusive um aprumado velhinho
Que empunhava a Bandeira com fervor,
Todos usando roupas bem vistosas
E geralmente com chapéus de palha
E fitas coloridas nos chapéus,
Tendo à frente a Bandeira gloriosa,
Punham-se a visitar casa por casa.
Em cada casa a que compareciam,
Procediam ao mesmo ritual.
Primeiramente pediam licença
Ao dono da morada para entrar,
Coisa que era um só bom costume,
Porque o Divino está em toda a parte:
O Divino vem chegando, êi,
O Divino vem chegando, êi,
De longe do seu trabalho, êi.
Vem chegando e vem pedindo, êi,
Vem chegando e vem pedindo,êi,
Que lhe dê um agasalho, êi.
Em seguida, pediam uma ajuda,
Um auxílio, uma esmola, um adjutório
Para os festejos que iam chegar.
O óbolo do padroeiro de Poções
Era pedido em cântico festivo:
Chegando na vossa casa, êi,
Chegando na vossa casa, êi,
Eu venho vos visitar,êi,
Venho pedir uma esmola, êi,
Venho pedir uma esmola, êi,
Àqueles que queiram dar, êi.
Mas a esmola,(outro cântico advertia),
Só devia ser dada com prazer.
Quando der a sua esmola, êi,
Quando der a sua esmola, êi,
Não se ponha a reparar, êi,
Que ele é pobre pra pedir, êi,
Que ele é pobre pra pedir, êi
Mas é rico pra ajudar, êi.
Em geral, era doada em espécie,
(Para ser apregoada no leilão,
Que arrecadava fundos para a festa);
Um cocá, um peru, galinha, bode,
Um cabritinho novo, uma marrã.
A criação miúda sertaneja,
pois moeda era rara por ali.
Cada um oferecia o que podia,
E o Divino acolhia as oferendas.
E para que o devote se alegrasse
Com a dádiva, ou pequena ou vultosa,
Que ele ofertava à festa do Divino,
Um cântico fazia uma promessa:
Quem der dízimo a esse Santo, êi,
Quem der dízimo a esse Santo, êi,
Bota o seu dinheiro a juro, êi,
Quando for no outro mundo, êi,
Quando for no outro mundo, êi,
Tem a glória por seguro, êi.
Feita a oferenda, vinha a gratidão
Em versos inspirados e singelos:
Deus lhe pague pela oferta, êi,
Deus lhe pague pela oferta, êi,
Dada de bom coração, êi,
Neste mundo terá o prêmio,êi,
Neste mundo terá o prêmio, êi,
E de Deus a salvação, êi.
Seguia-se a partida da folia,
A despedida da primeira casa
E das demais que vinha a visitar.
Que o giro da Bandeira continuava
Por toda a parte onde havia um cristão,
Um coração amigo acolhedor :
O Divino se despede, êi,
O Divino se despede, êi,
Com prazer e alegria, êi,
Quem dele tiver saudade,êi,
Quem dele tiver saudade,êi,
Vá à festa do Seu Dia, êi.
E o giro da Bandeira prosseguia
De estrada em estrada,de casa em casa...
E enquanto não chegavam em uma casa,
Como a cumprir um voto assim solene,
Que Deus amava porque Ele o criou,
Todos os fiéis ficavam em silêncio
Ou conversando coisas divertidas
Em voz baixa, incapaz de perturbar.
Só um menino batendo no bumbo
Marcava o ritmo da ágil caminhada,
Num batido espaçado, repetido,
Mas não monótono: bum...bum...bum...bum...
Depois de caminhar pela caatinga,
Pela zona da mata em procissão
Também alegre, também concorrida,
A Bandeira ficava em Poçõezinho
Na fazenda de um Sátiro Ferreira,
Onde aguardava o grandioso dia
De ser triunfalmente conduzida
Por centena de cavaleiros fiéis...
Hoje não há mais giro da Bandeira...
E não há mais o tradicional leilão,
Ambos patrocinados pela Igreja ,
A única, então, senhora dos festejos...
No entanto, ainda existe, felizmente,
Graças ao Deus que tudo remedia,
A Festa da Chegada da Bandeira,
Que é o momento sagrado de poesia,
Precedido de lírica alvorada,
Pelos homens sensíveis consagrada
A mais bela do Estado da Bahia !
II - A ALVORADA
Uma linda, entusiástica alvorada
Com início às quatro horas da manhã,
( Que sai daquele lado da Matriz
Que dá para um jardim municipal
Onde está o Marco do Centenário
E avança para o centro da cidade
Parando só no pavilhão da festa
E lá fica a "brilhar" até mais tarde)
Ao som de uma efusiva filarmônica
A tocar um dobrado caprichoso,
Ao repicar do sino da Matriz
Convidando a todos para o sucesso
E ao espocar de bombas e foguetes
Acordando a cidade adormecida,
Uma alvorada, digo, esfusiante,
Acompanhada de manifestantes
Uns sóbrios, outros já tomados,bêbados
( O que é perfeitamente compreensível,
Inclusive para amenizar
A baixa temperatura de maio
A alvorada festiva, radiante,
Que muita gente espera sem dormir,
Faz conhecer a todos os quadrantes
Que o instante do cortejo se aproxima...
Nas horas que antecedem ao evento
Paira a geral, total expectativa...
III - A CHEGADA DA BANDEIRA
Às onze da manhã,sol quase a pino,
Vinda de Poçõezinho, o bairro amigo,
Remanescente dessa tradição
Antiga, secular, no município,
Seguindo pela Rua de Conquista,
Em todo o seu trajeto abençoado,
A cavalgada atinge, finalmente,
O centro da cidade de Poções,
Ao espocar de bombas e foguetes
E ao som da filarmônica e dos sinos
Que não param, contentes, de tocar
Durante o transcorrer da cerimônia,
Trazendo uma moção intraduzível
Em versos e palavras desse mundo.
Só o silêncio pode dar a voz
Ao espetáculo grandioso, único...
Só o silêncio ou lágrimas felizes,
Lágrimas que não podem ser contidas...
IV - A BANDEIRA É CONDUZIDA
À IGREJA MATRIZ
A Bandeira grená,bordada a ouro,
Suntuosa,magnifica, sublime,
Com o desenho de uma pomba branca
Simbolizando a paz que vem de Deus,
A Bandeira da Festa do Divino,
Ela, a grande, a Bandeira verdadeira,
A que não pode ser modificada,
Nem vilipendiada por ninguém,
Seguida por milhares de bandeiras
de várias cores, tremulando ao vento,
Levada por garbosos cavaleiros
E pelos vivos carros alegóricos,
Depois de percorrer, magnificente,
As ruas principais da urbe em festa,
Abençoando a todos os presentes,
Quer os da terra, quer os visitantes,
Chega por fim, à frente da Matriz
Na Praça do Monsenhor Honorato,
Onde é pomposamente recebida
Com vivas ao excelso padroeiro!...
V - A BANDEIRA ENTRA NA MATRIZ
Depois de grande manifestação
Popular, espontânea, fervorosa,
Típica da religiosidade
Do caatingueiro e do homem da mata;
Sendo saudada por algum discurso
De alguma eventual autoridade
E recebida pelo sacerdote
De modo respeitoso, reverente,
Afinal a Bandeira do Divino,
A Bandeira grená, bordada a ouro,
Adentra a santa nave da Matriz,
Sob a geral aclamação do povo...
(Outrora ela era ali mesmo guardada
Na sacristia , num antigo arcaz
Em gaveta para isso reservada
Até o mês de janeiro, quando então,
Levavam-na de novo ao interior,
Dando sequência a essa lição de fé...)
VI - OS CAVALEIROS REVERENCIAM A BANDEIRA
Enquanto ela é levada para a nave,
Todos os cavaleiros, um por um,
Reverenciam a Bandeira santa,
Gritando á plena força dos pulmões,
Num brado que penetra nos ouvidos
Mas sobretudo vai ao coração:
"Viva o Divino Espírito Santo"!
E o povo inteiro aclama: "viva ! viva !"
E o hino sacro de todas as novenas
E tão antigo quanto a própria festa
Traduz bem a emoção deste momento
Singularmente belo, deslumbrante:
Salve,ó Divino
Espírito Santo
Puro e Sagrado
Consolador !
Aceitai
As lindas rosas
Tão preciosas
Do nosso amor!
Aceitai , Senhor
As lindas rosas (bis)
Tão preciosas
Do nosso amor !
VII -O DESFILE DOS CAVALEIROS NA CIDADE
Depois, os cavaleiros ficam livres...
Vão, então,passear pela cidade
Cheia de multidões entusiasmadas,
Que à festa comparecem todo ano.
São centenas de firmes cavaleiros
Desfilando nas ruas e nas praças.
E são alguns milhares de devotos
Olhando a cavalgada majestosa.
E porque todos têm a proteção
Do amor misterioso do Divino
E porque todos têm a liberdade
De acima de tudo admitir o Bem,
Não acontece nenhum acidente,
Nada de mal advém a pessoa alguma...
Salve o Divino Espírito Santo,
Oiá, oiá, oiá.
Salve o Divino Espírito Santo,
Oiá, oiá, oiá.
Salve o Divino Espírito Santo,
Oiá, oiá, oiá...
Poções,24 de maio 1996
AFFONSO MANTA
AO LEITOR
Este poema foi escrito pelo autor, de moto próprio.
Mas louvou-se em subsídios importantes, fornecidos por três pessoas de Poções
conhecedoras da Festa do Divino e ciosas de sua centenária memória: Homero
Ferreira da Silva, João Cambuí da Silva e Eduardo Tadeu Rodrigues Alves, três
amigos, três especialistas, três devotos. Eduardo, sobretudo, revelou-se um
parceiro exemplar, sugerindo os temas de muitos versos pelo autor confeccionados.
O poeta tem a intenção de homenagear, de maneira simples e humilde, a pacífica
Cidade de Poções e o seu excelso padroeiro, o Divino Espírito Santo, como
também prestar um culto de saudade aos antigos festeiros do Divino, como Alcides
Pinheiro dos Reis e Corinto Sarno, para só citar dois dos mais conhecidos. Quer
também ser uma espécie de orientação, um guia para as atuações gerações de
poçõenses, que pretendam conhecer o legado sublime de suas próprias raízes e de
suas mais genuínas tradições.
Do presente poema foram extraídas 500 cópias, financiadas pelo autor e pelo já
referido Eduardo Tadeu.
AFFONSO MANTA .
A FESTA DO DIVINO EM POÇÕES
Quando o meu mano AFFONSO MANTA, eternizou nos seus poemas,
" A FESTA DO DIVINO" de Poções, ele citou num dos versos " A CHEGADA
DAS BANDEIRAS DO DIVINO ESPÍRITO SANTO".
Reverencio a memória de AFFONSO desculpando-me pública e antecipadamen-
te, se não alcancei de fato o que ele escreveu sobre o assunto.
Poções, maio de 2005 ----------------Irundy Manta Alves Dias
A FESTA DO DIVINO (AFFONSO MANTA) 1990
Não há nada mais belo neste mundo
Que a FESTA DO DIVINO DE POÇÕES:
Confraternização dos corações,
Amor simples, simpático, profundo.
A Festa do Divino, é a natureza
Dos Poçõenses numa ação de graça.
É a paz vivendo dentro de uma praça ,
É a vida num estado de beleza.
Reencontram-se os amigos mais distantes,
Gente que há muito tempo não se vê,
A inimizade acaba com a mercê
Das graças do Divino exuberantes.
Gente se casa, gente se batiza,
Há emoção na CHEGADA DA BANDEIRA.
Muitos se abraçam pela vez primeira,
E a amizade de sempre se eterniza.
Chegou agora a minha vez! Com métrica pobre, quase sem rima, estamos aqui para colaborar na coluna RELEMBRANDO AFFONSO MANTA, com uma poesia simples, fazendo um trajeto da Chegada das Bandeiras,pelos principais logradouros da Cidade de Poções.
A CHEGADA DAS BANDEIRAS DO
DIVINO ESPÍRITO SANTO
Irundy Dias
Um dos pontos grandiosos da festa,
Sempre foi a "Chegada das Bandeiras",
Os cavalos com enfeites na testa,
Os fiéis, com emoções verdadeiras.
Cavalgando as ruas desta Cidade,
Cavaleiros e damas sorridentes,
A turma do jegue, atrás, sem maldade,
Pula! grita! todos muito contentes!...
Percorrendo já a rua da Conquista,
Sob aplausos e vivas ao Divino...
---Você não participou? Não desista,
Isso poderá mudar seu destino!
Galgando a rua Maneca Moreira,
Sob justíssima ovação popular,
A cavalgada segue altaneira,
À Igrejinha chegar, prá rezar!
Góes Calmon. Rua Itália, com amor,
Seguiram os cavaleiros na festança,
Na Praça da Bandeira, com ardor,
Redobra-se a fé, com muita esperança.
Ladeira da Cônego Pithon, já subindo
Em direção à Igreja Matriz.
Muitos que estavam há horas seguindo,
Estampavam no rosto: ---Estou feliz!
Lá no alto, todos em frente à Igreja,
Esperando do padre, o sermão anual,
Rico! pobre! são! doente! : quem seja...
Assistiu a festa até o seu final.
Percorrendo o circuito sozinhos,
Ou talvez, muito bem acompanhados,
Descobrirão que todos com carinho,
Esperam ser sempre abençoados!
Quem achou que não foi dita a verdade,
Durante a "Chegada das Bandeiras",
Deve procurar com seriedade,
Chegar anualmente entre as primeiras.
Ano que vem, a história se repete
Com amor e sagrada devoção.
Dois mil e seis. Também, dois mil e sete...
Esperemos com fé no coração!
(Escrito em 2005)
Nenhum comentário:
Postar um comentário