quarta-feira, 6 de março de 2013

Autobiografia de Irundy Dias(p9)




No dia seguinte, após o café matinal, despedi-me  do pessoal, pois Bernardo Messias, iria levar-me até a pensão do Sr. Arlindo Carvalho, porque o meu guia havia acordado cedo e colocara os animais em frente a porta , aguardando a minha chegada, para seguirmos viagem.
Após os agradecimentos ao Sr. Bernardo Messias, partimos para Iguaí, onde há dez meses eu saíra.
Nos dois meses de férias, procurei ajudar Papai na farmácia. Durante a semana, o movimento era fraco, mas ao chegar sexta-feira o ajudante e eu, nos desdobrávamos fazendo pacotinhos de alfazema, sene, de iodofórmio em pó, rui barbo e preenchendo latinhas de 50 gramas de vaselina. Pacotes maiores com bicarbonato de sódio, sulfato de sódio, magnésia em pó, eram também preparados e colocados em gavetas  maiores e separadas. No sábado, durante a feira, no período de 7 às 14 horas, o movimento era intenso e a procura maior, além  dos produtos acima citados ,envolviam aqueles populares, como Saúde dos meninos, Saúde da mulher, Biotônico Fontoura, Capivarol, Emulsão de Scott, Aguardente alemã ,Cafiaspirina e muitos outros.( sem fazer alusão à propaganda).
Quase ao final da feira, Tezinha, a cozinheira vinda de Maragogipe, chegava à farmácia, com o recado de Mamãe, para que eu procurasse milho e farinha, a fim de preparar durante a semana vindoura, a comidinha  das galinhas. E todos os sábados, aquela história se repetia e as nossas galinhas eram super.  bem tratadas. Mamãe se esmerava nesse mister e os ovos eram recolhidos diariamente numa média de seis a doze, todos os dias.
Meu período de férias era bem dividido. Pela manhã, ajudava Mamãe a recolher ervas daninhas no quintal, que por sinal, perto da cerca era bem inclinado e descendo mais alguns metros,  a pessoa chegava à margem do rio Gongogi. Enquanto Mamã e rebuscava os ninhos atrás de ovos, eu recolhia os matos e colocava  num saco. Tezinha por sua vez, ficava na cozinha preparando o almoço, porque a pontualidade de Papai era de fazer inveja a qualquer britânico( dizem, que o povo inglês é o mais pontual do mundo. Se você marca um encontro para as dez, o inglês chega ás nove.)
Depois do almoço, nós dois seguíamos à farmácia e somente lá pela quatro da tarde, saía para encontrar a turma do “baba”.
À noite ,depois do jantar, novamente, Papai e eu saíamos juntos e íamos “ assinar o ponto” no bar do Sr. Manoel Pereira, para ficar a par das notícias do Brasil e do mundo.
Mas as férias acabaram e Papai recebeu um recado de tio Júlio, que já se achava em Poções e iria a Salvador nos próximos dois dias e assim lá fui novamente juntar-me ao tio. Mas, naquela mansidão dele, deu-me um chá de espera que fiquei em Poções, por quase seis dias e mais um em Jequié, pois havia negócios pendentes e a necessidade de recolher dinheiro, a fim de levar para as firmas em Salvador.
Em bora o atraso verificado no retorno da viagem, não alterou os meus planos escolares, pois o Liceu Salesiano do Salvador, sempre recomeçava as aulas nos primeiros dias março.
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No decorrer das primeiras aulas, observei que sempre no primeiro horário, aparecia um sargento do exército, que durante uns quinze minutos, começava a falar sobre assuntos da guerra que se alastrava na Europa. Em dias alternados,  um outro aparecia e retomava o assunto e aos poucos foram incutindo em nossas cabeças de crianças e pré- adolescentes, como reconhecer um fuzil e aprender os nomes de suas peças principais. Paulatinamente eles nos massificavam com os horrores da guerra, inclusive os torpedeamentos dos nossos navios.
Contavam que o Governo Brasileiro,  estava  se preparando para enviar tropas  à Europa, pois a Guerra já era de caráter mundial e os “Aliados”, estavam combatendo com unhas e dentes o poderio nazifascista.
Tal fato,  comentei em casa e vovô  falou que de fato o Governo Brasileiro estava prestes a mandar um contingente de soldados ao FRONT e a retaguarda teria que ser organizada daquela  forma.
---“Mas você é muito novo. Esqueça isso e vá continuando os seus estudos.”
Até o final do ano de 1942, tia Edite estava com os seus três filhos nascidos: Antônio Natalino viera em  1938, Maria da Conceição em 1941 e Carolina nesse mesmo ano.
No dia 4 de dezembro, fui acordado, quase aos sobressaltos, por minha prima Dalva, dizendo que vovó Amália havia falecido, depois de dois meses de sofrimento. Há principio, não acreditei, mas ao descer as escadas e chegando ao primeiro piso, encontrei o pessoal chorando e caminhando de um lado para o  outro.
Depois do café, ainda vesti a minha farda e me desloquei até o Liceu e na Secretaria dei a notícia e me dispensaram das aulas por dois dias seguidos.
Minha avó Amália era também a minha madrinha de batismo e desenvolvera uns hábitos interessantes. Acordava tarde e lá em cima mesmo, já tomava  banho e ao descer já passavam das dez horas da manhã.(Sei disso, porque aos domingos o ritual não se modificava).Alimentava-se de qualquer ingrediente que estivesse ao seu alcance e ficava pronta para o almoço, que era servido, assim que vovô voltasse  do Hospital da Polícia Militar.
Ainda com os rumores da guerra em minha cabeça, volta e meia, abordava vovô  e numa outra explicação ele disse:
“---Já lhe contei, que o Governo Brasileiro declarou guerra às Potências do Eixo e aí aos poucos começa a preparar os seus jovens, para uma futura necessidade, caso a guerra demore muito.”
A guerra que fora iniciada em setembro de 1939, passara dos três anos, já em caráter mundial, salvo para aqueles países que se declararam neutros.

FRONT:  Na  guerra, linha avançada do conflito, onde se travam batalhas e combates.

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Em março de 1943 nasceu Armando, que foi o único filho a não ter o sobrenome Manta. Papai para homenagear um dos irmãos dele, por sinal, já falecera muitos anos antes, registrou o meu irmão com o nome de Armando Alves Dias Sobrinho. Com a vinda dele, a nossa família ficou ampliada com Papai, Mamãe, eu , Aryolinda, Silvio ,Affonso, Osvaldo e Armando. O mano Osvaldo nascera em meados de 1941. E Armando em 31 de março, quando já estava em aulas em Salvador e só soube muitos dias depois, numa carta que Mamãe escrevera endereçada a tia Edite. Pelas notícias vindas de Iguaí, sabia que a estrada que ligava a Poções achavam-se em estado deplorável e sendo assim, continuava gozando as minhas férias de meio de ano, em Salvador.
Naquela altura dos acontecimentos, já frequentava algumas salas de cinema, sendo as mais próximas o Jandaia e o Aliança, onde registravam os mesmos esquemas: jornal Nacional, Jornal com notícias da guerra, trailers, dois filmes e seriados. Ia com o acompanhamento de alguns colegas da própria rua do Alvo.
Como sempre citarei a rua do Alvo por algum tempo, iremos mostrá-la com os seus principais arredores. Fazendo uma volta, começando pela direita da residência de minha tia Edite, encontrávamos  um convento da congregação de freiras da  “Providência”. Seguindo chegávamos  ao “Godinho”( uma zona com casas de classe média de pequenos recursos).Depois, um pequeno agrupamento de oitizeiros e a Igreja da Saúde, onde havia uma praça à sua frente e em seguida uma ladeira bem íngreme que terminava na Baixa dos Sapateiros. Seguindo ainda pela direita, retornava-se ao princípio da rua do Alvo.
Na zona do Godinho, conheci por muito tempo, os amigos Chico e Alemãozinho, enquanto na rua do Alvo, os primeiros amigos foram os irmãos Rui e Tó, que alguns anos, depois mudaram-se para o Rio de janeiro. Em sequência, sem mencionar os anos vindouros, fui conhecendo o Herbert, que gostava muito de dedilhar o seu violão; o Renato Andrade e sua família; o José Otávio Mendonça, que foi meu colega anos mais tarde, na Faculdade de Odontologia; Dulce Aninha, vizinhas do 42 e o meu inesquecível  amigo  Jamil de Almeida Bagdede, cujos pais e irmãos residiram numa casa em frente à nossa .

 Quando a nossa turma começou e se conhecer direito, organizávamos os nossos babas, ora com os  próprios colegas da rua e às vezes Saúde versus Alvo, ou Alvo versus Godinho e assim íamos levando a nossa vidinha tranquila, a não ser quando um guarda civil nos abordava, alertando que era proibido jogar bola em plena rua, a fim de não prejudicar os transeuntes e por azar nosso . a bola alcançar os vidros de alguma janela. Tendo em vista esses fatores, jogávamos com muita cautela e ao avistarmos um guarda ao longe, a turma toda se dispersava momentaneamente, até a passagem do mesmo. Logo após, o baba era reiniciado.

BABA: joguinho de futebol com algumas regras próprias, geralmente realizado em praias ou em locais, onde se possa  brincar, com uma bola de qualquer tipo.(De borracha, de meia, de couro ,de bucho de boi, etc)




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