No dia seguinte, após o café
matinal, despedi-me do pessoal, pois
Bernardo Messias, iria levar-me até a pensão do Sr. Arlindo Carvalho, porque o
meu guia havia acordado cedo e colocara os animais em frente a porta ,
aguardando a minha chegada, para seguirmos viagem.
Após os agradecimentos ao Sr.
Bernardo Messias, partimos para Iguaí, onde há dez meses eu saíra.
Nos dois meses de férias, procurei
ajudar Papai na farmácia. Durante a semana, o movimento era fraco, mas ao
chegar sexta-feira o ajudante e eu, nos desdobrávamos fazendo pacotinhos de
alfazema, sene, de iodofórmio em pó, rui barbo e preenchendo latinhas de 50
gramas de vaselina. Pacotes maiores com bicarbonato de sódio, sulfato de sódio,
magnésia em pó, eram também preparados e colocados em gavetas maiores e separadas. No sábado, durante a
feira, no período de 7 às 14 horas, o movimento era intenso e a procura maior,
além dos produtos acima citados
,envolviam aqueles populares, como Saúde dos meninos, Saúde da mulher,
Biotônico Fontoura, Capivarol, Emulsão de Scott, Aguardente alemã ,Cafiaspirina
e muitos outros.( sem fazer alusão à propaganda).
Quase ao final da feira, Tezinha,
a cozinheira vinda de Maragogipe, chegava à farmácia, com o recado de Mamãe,
para que eu procurasse milho e farinha, a fim de preparar durante a semana
vindoura, a comidinha das galinhas. E
todos os sábados, aquela história se repetia e as nossas galinhas eram super. bem tratadas. Mamãe se esmerava nesse mister
e os ovos eram recolhidos diariamente numa média de seis a doze, todos os dias.
Meu período de férias era bem
dividido. Pela manhã, ajudava Mamãe a recolher ervas daninhas no quintal, que
por sinal, perto da cerca era bem inclinado e descendo mais alguns metros, a pessoa chegava à margem do rio Gongogi.
Enquanto Mamã e rebuscava os ninhos atrás de ovos, eu recolhia os matos e colocava
num saco. Tezinha por sua vez, ficava na
cozinha preparando o almoço, porque a pontualidade de Papai era de fazer inveja
a qualquer britânico( dizem, que o povo inglês é o mais pontual do mundo. Se
você marca um encontro para as dez, o inglês chega ás nove.)
Depois do almoço, nós dois seguíamos
à farmácia e somente lá pela quatro da tarde, saía para encontrar a turma do “baba”.
À noite ,depois do jantar,
novamente, Papai e eu saíamos juntos e íamos “ assinar o ponto” no bar do Sr.
Manoel Pereira, para ficar a par das notícias do Brasil e do mundo.
Mas as férias acabaram e Papai
recebeu um recado de tio Júlio, que já se achava em Poções e iria a Salvador
nos próximos dois dias e assim lá fui novamente juntar-me ao tio. Mas, naquela
mansidão dele, deu-me um chá de espera que fiquei em Poções, por quase seis
dias e mais um em Jequié, pois havia negócios pendentes e a necessidade de
recolher dinheiro, a fim de levar para as firmas em Salvador.
Em bora o atraso verificado no
retorno da viagem, não alterou os meus planos escolares, pois o Liceu Salesiano
do Salvador, sempre recomeçava as aulas nos primeiros dias março.
x.x.x
No decorrer das primeiras aulas,
observei que sempre no primeiro horário, aparecia um sargento do exército, que
durante uns quinze minutos, começava a falar sobre assuntos da guerra que se
alastrava na Europa. Em dias alternados,
um outro aparecia e retomava o assunto e aos poucos foram incutindo em
nossas cabeças de crianças e pré- adolescentes, como reconhecer um fuzil e
aprender os nomes de suas peças principais. Paulatinamente eles nos
massificavam com os horrores da guerra, inclusive os torpedeamentos dos nossos navios.
Contavam que o Governo Brasileiro,
estava se preparando para enviar tropas à Europa, pois a Guerra já era de caráter mundial
e os “Aliados”, estavam combatendo com unhas e dentes o poderio nazifascista.
Tal fato, comentei em casa e vovô falou que de fato o Governo Brasileiro estava
prestes a mandar um contingente de soldados ao FRONT e a retaguarda teria que ser organizada daquela forma.
---“Mas você é muito novo. Esqueça
isso e vá continuando os seus estudos.”
Até o final do ano de 1942, tia
Edite estava com os seus três filhos nascidos: Antônio Natalino viera em 1938, Maria da Conceição em 1941 e Carolina nesse
mesmo ano.
No dia 4 de dezembro, fui
acordado, quase aos sobressaltos, por minha prima Dalva, dizendo que vovó
Amália havia falecido, depois de dois meses de sofrimento. Há principio, não
acreditei, mas ao descer as escadas e chegando ao primeiro piso, encontrei o
pessoal chorando e caminhando de um lado para o outro.
Depois do café, ainda vesti a
minha farda e me desloquei até o Liceu e na Secretaria dei a notícia e me dispensaram
das aulas por dois dias seguidos.
Minha avó Amália era também a
minha madrinha de batismo e desenvolvera uns hábitos interessantes. Acordava
tarde e lá em cima mesmo, já tomava
banho e ao descer já passavam das dez horas da manhã.(Sei disso, porque
aos domingos o ritual não se modificava).Alimentava-se de qualquer ingrediente
que estivesse ao seu alcance e ficava pronta para o almoço, que era servido,
assim que vovô voltasse do Hospital da
Polícia Militar.
Ainda com os rumores da guerra em
minha cabeça, volta e meia, abordava vovô
e numa outra explicação ele disse:
“---Já lhe contei, que o Governo
Brasileiro declarou guerra às Potências do Eixo e aí aos poucos começa a
preparar os seus jovens, para uma futura necessidade, caso a guerra demore
muito.”
A guerra que fora iniciada em
setembro de 1939, passara dos três anos, já em caráter mundial, salvo para
aqueles países que se declararam neutros.
FRONT: Na guerra, linha avançada do conflito, onde se
travam batalhas e combates.
x.x.x
Em
março de 1943 nasceu Armando, que foi o único filho a não ter o sobrenome
Manta. Papai para homenagear um dos irmãos dele, por sinal, já falecera muitos
anos antes, registrou o meu irmão com o nome de Armando Alves Dias Sobrinho.
Com a vinda dele, a nossa família ficou ampliada com Papai, Mamãe, eu ,
Aryolinda, Silvio ,Affonso, Osvaldo e Armando. O mano Osvaldo nascera em meados
de 1941. E Armando em 31 de março, quando já estava em aulas em Salvador e só
soube muitos dias depois, numa carta que Mamãe escrevera endereçada a tia
Edite. Pelas notícias vindas de Iguaí, sabia que a estrada que ligava a Poções achavam-se
em estado deplorável e sendo assim, continuava gozando as minhas férias de meio
de ano, em Salvador.
Naquela
altura dos acontecimentos, já frequentava algumas salas de cinema, sendo as
mais próximas o Jandaia e o Aliança, onde registravam os mesmos esquemas:
jornal Nacional, Jornal com notícias da guerra, trailers, dois filmes e
seriados. Ia com o acompanhamento de alguns colegas da própria rua do Alvo.
Como
sempre citarei a rua do Alvo por algum tempo, iremos mostrá-la com os seus
principais arredores. Fazendo uma volta, começando pela direita da residência
de minha tia Edite, encontrávamos um
convento da congregação de freiras da “Providência”.
Seguindo chegávamos ao “Godinho”( uma
zona com casas de classe média de pequenos recursos).Depois, um pequeno
agrupamento de oitizeiros e a Igreja da Saúde, onde havia uma praça à sua
frente e em seguida uma ladeira bem íngreme que terminava na Baixa dos Sapateiros.
Seguindo ainda pela direita, retornava-se ao princípio da rua do Alvo.
Na zona
do Godinho, conheci por muito tempo, os amigos Chico e Alemãozinho, enquanto na
rua do Alvo, os primeiros amigos foram os irmãos Rui e Tó, que alguns anos,
depois mudaram-se para o Rio de janeiro. Em sequência, sem mencionar os anos
vindouros, fui conhecendo o Herbert, que gostava muito de dedilhar o seu
violão; o Renato Andrade e sua família; o José Otávio Mendonça, que foi meu colega
anos mais tarde, na Faculdade de Odontologia; Dulce Aninha, vizinhas do 42 e o
meu inesquecível amigo Jamil de Almeida Bagdede, cujos pais e irmãos
residiram numa casa em frente à nossa .
Quando a nossa turma começou e se conhecer
direito, organizávamos os nossos babas, ora com os próprios
colegas da rua e às vezes Saúde versus Alvo, ou Alvo versus Godinho e assim íamos
levando a nossa vidinha tranquila, a não ser quando um guarda civil nos
abordava, alertando que era proibido jogar bola em plena rua, a fim de não prejudicar
os transeuntes e por azar nosso . a bola alcançar os vidros de alguma janela.
Tendo em vista esses fatores, jogávamos com muita cautela e ao avistarmos um
guarda ao longe, a turma toda se dispersava momentaneamente, até a passagem do
mesmo. Logo após, o baba era reiniciado.
BABA: joguinho de futebol com algumas regras próprias,
geralmente realizado em praias ou em locais, onde se possa brincar, com uma bola de qualquer tipo.(De borracha,
de meia, de couro ,de bucho de boi, etc)
X.X.X
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