Com a ARC (Associação Recreativa Cruzeiro), entidade
esportiva, sem nenhuma pretensão jurídica, criada apenas para participar de uns
campeonatos da redondeza, nos inscrevemos em duas modalidades esportivas:
futebol, onde participaram seis equipes e tivemos o grande privilégio de
ficarmos com o honroso sexto lugar( último lugar no caso) e voleibol, que num jogo
dramático, chegamos até a final e por azar de um dos nossos, que fraturou o
dedo mindinho, orgulhosamente fomos vice-campeões.
Certa feita, Renato, como Presidente e incentivado muito
por sua mãe, propôs que fizéssemos um passeio para pernoitar na Pituba.
Sairíamos à tardinha do sábado, já levando inclusive uma feijoada pronta e naquele
local faríamos um PIQUENIQUE e somente à tarde do domingo retornaríamos à Rua do Alvo.
Durante a reunião, realizada na residência do próprio Renato, organizamos
antecipadamente o rodizio, onde num intervalo de duas horas, cada dupla teria que
ficar acordada, fazendo vigília, quando os demais componentes do grupo, estariam
dormindo. Pelo sorteio realizado, iria fazer dupla com Chico e começaríamos às
4 da madrugada, estendendo o nosso turno
até as seis da matina.
Chegado o dia de sábado, saímos da Rua do Alvo às 15 horas,
descendo a ladeira, galgando o Pelourinho, para então na Praça da Sé pegar o
bonde que nos conduziria até o ponto final, em Amaralina. Dali até a Pituba, era
uma caminhada a pé, onde pelo lado direito as ondas do mar nos acompanhavam e
pelo lado esquerdo, dunas e mais dunas de areia. De vez em quando, surgia a cabana
de algum pescador. Seguimos em frente, até que a turma de comum acordo achou um
local bem agradável, próximo a muitos coqueiros. Já estava escurecendo quando
acabamos de armar o acampamento, composto por duas barracas de lona, onde cada
uma caberia folgadamente, entre quatro a cinco pessoas. Nosso jantar, havia
sido preparado pela mãe de Renato e consistia de café quente feito na hora, pão
com manteiga e pedaços de bolo de milho. Depois fomos passear pelas redondezas,
onde vislumbramos aqui e ali, umas luzinhas vindas de barracas de pescadores.
Provavelmente aquelas luzes eram de candeeiros ou de fifós acesos, pois Pituba
naquela época, ainda era um bairro formado apenas por pescadores.
Após o reconhecimento do terreno, mesmo às escuras, o nosso
acampamento era iluminado por um aparelho ALLADIM, cujo combustível era o querosene.
Quando começou o primeiro turno ás vinte e duas horas, o
pessoal começou a recolher-se e eu também fui no embalo, pois às quatro horas
teria que levantar-me. Mas foi uma noite tumultuada, porque ninguém dormiu
direito. Quando chegou as nossa vez, sentimos que o tempo estava mudando. Um vento
frio que vinha do mar e som provocado pelas ondas fortes, prenunciavam que o nosso piquenique, estava
por um fio.
Até às cinco e pouco, Chico e eu aguentamos firmes, mas
sentimos que uma garoa fina começava a cair sobre nós e aí trocamos um breve
diálogo no sentido de avisar ao pessoal que o tempo estava virando e a chuva
poderia aumentar e nos molharmos todos, principalmente os que estavam
agasalhados ao calor das barracas. Avisamos primeiramente
a Renato, que observando o tempo comentou:
---“vocês têm razão. Se ficarmos aqui, iremos nos molhar
completamente. É melhor acordarmos a turma e arribar acampamento. É uma pena,
mas o nosso piquenique falhou”.
PIQUENIQUE: passeio festivo,
com refeição no campo, na praia ou no ar livre.
ALLADIM: nome comercial de um objeto metálico, com
partes de vidro, contendo no seu interior uma peça de amianto, que funcionando
a querosene, ilumina com luz forte, qualquer lugar.
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O retorno foi crucial. Uns colegas tentaram vir, somente
usando as sungas de banho, enquanto a maioria vestia a roupa completa, com
camisa e calça comprida. À medida que andávamos de volta a Amaralina, a chuva
aumentava de intensidade de um vento exageradamente frio. O que na véspera foi
um DELEITE para todos, naquela manhã cinzenta parecia que o tempo desejava nos castigar. Imaginem, portanto a
situação.
Cada um de nós, além de segurarmos as nossas ALPERCATAS de
couro, trazíamos também, panelas enroladas, com todo o material da feijoada
pronta, as peças das duas barracas, enfim um desastre total. O certo é que,
depois de muito andarmos, até o final da linha de bondes, em Amaralina, todos
nós estávamos molhados somente do lado esquerdo. Por incrível que pareça, o
lado direito da roupa, estava completamente seco. É que o vento soprando muito
forte fazia com que a chuva nos molhasse somente do lado esquerdo. Aproveitando o embalo e com fome, sentamos numas
mesas existentes naquele final de linha e fomos tomar café, em uma das
barracas, aproveitando os pães e bolos
que havíamos levado. Quando o bonde apareceu, subimos e seguimos viagem até
alcançarmos a Praça da Sé. Saltamos e descemos o Pelourinho. Atravessamos a
Baixa dos Sapateiros e subimos a Ladeira do Alvo, sem que a chuva fortíssima
tivesse nos dado um pouco de trégua sequer. Toquei a campainha da casa de Tia
Edite, justamente na hora em que o pessoal preparava-se para almoçar. Foi um
alvoroço bem grande, assim que me aproximei todo molhado. Tia Edite, foi logo
dizendo:
“Dydy vá tomar um banho esperto e vista uma roupa bem seca,
para não pegar uma gripe forte .
DELEITE: prazer íntimo. Satisfação.
ALPERCATAS: Alparcata. Alpargata. Sandália que se ajusta ao
pé por tiras de couro ou de pano.
(Obs.)Na época, quando aconteceu o fato acima narrado, somente
existiam esse tipo de alpercatas de couro ou pano.
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