Ao cursar o segundo ano colegial , um fato deve ser recordado, por
ter sido algo INUSITADO, ao acontecer em plena
cerimônia.
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Vamos aos fatos desde o princípio.
Em linhas atrás, tive a
oportunidade de me referir aos colegas do Antônio Vieira que eu tinha mais
aproximação nas pessoas de Manoel Quintas
Ferrero e Jesus Alonso Baquero. O Quintas, sentava-se à minha frente, numa fila
de carteiras que ficava à esquerda da sala, próxima a uma das janelas. Ao nosso
lado, também ficava num armário de vidro, um esqueleto completamente armado,
onde num certo dia, um dos colegas, conseguiu abri-lo e colocou um cigarro
aceso, na boca do esqueleto. Quando o padre descobriu o acontecido, deu um
sermão na turma toda, pois ninguém quis acusar o colega infrator. Houve até
ameaça de suspensão. Nos dias de provas de Química ou de Desenho, Quintas e eu
havíamos combinado um fazer a prova do outro da seguinte forma: competia a mim
executar as provas de Química para nós dois, porque eu era o melhor aluno dessa
disciplina e por sinal assessor do padre
Borginha nas aulas de prática. Enquanto isso, Quintas, realizava as provas de
Desenho, para nós dois, porque eu nunca
tive aptidão nessa disciplina. Com isso
,as melhores notas de Química e Desenho em todo o decorrer do ano letivo, foram
nossas.
Como o Colégio Antônio Vieira
tinha uma forma de premiar os seus melhores alunos, quando chegava o final do
ano, numa data previamente escolhida e anunciada, realizava-se uma cerimônia religiosa
e depois a parte social, onde pais de
todos os alunos do Colégio, compareciam e num ambiente por demais festivo,
começava-se a premiação ,iniciando-se sempre pelas turmas menores e mais atrasadas, ou seja ,à partir da primeira série
ginasial, até concluir com o terceiro
ano colegial. Em cada disciplina, havia a premiação somente para aqueles que haviam galgado o primeiro lugar e aí, em
linhas gerais, o aluno premiado escolhia na hora, sempre o professor de sua
estima, para afixar em sua blusa, a medalha que fizera jús.
Chegou a nossa vez e a medida que
o locutor ia anunciando as disciplinas com os seus merecedores de medalhas, os
alunos subiam até o palco e lá escolhiam os professores que queriam, em sua maioria, os padres do
próprio colégio. Aí, anunciaram: “--- Química, em primeiro lugar empatados,
Irundy Manta Alves Dias e Manoel Quintas Ferrero”. Subimos ao palco e lá no
alto, cada um de nós, colocou a medalha na blusa do outro. Minutos depois,
anunciaram; “---Desenho, em primeiro
lugar empatados, Manoel Quintas Ferrero e Irundy Manta Alves Dias”. Novamente
fomos ao palco e repetimos o mesmo gesto, quebrando um protocolo existente por
muito tempo. Naquele dia, fui chamado seis vezes, para receber as medalhas de
Matemática, Química, Biologia, Geografia, Filosofia e Desenho. No primeiro ano havia
ganho Matemática e Química e no terceiro ano ,recebi Matemática. Química, Geografia, Biologia e
Filosofia, totalizando treze medalhas.
INUSITADO:
Que não é usual, comum; desusado. Que foge aos padrões conhecidos; extraordinário,
insólito. Ocorrência incomum.
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Desde 1949, quando Papai foi
nomeado para exercer o cargo de médico
do posto de saúde em Poções, senti que
brevemente a nossa vida iria tomar um novo rumo. Vindo a Poções, para exercer
essas novas funções, obtidas provavelmente
através das amizades políticas, Papai deixou a família em Iguaí, praticamente o
ano todo. Quando voltei para as férias ao final daquele ano, notei que Mamãe
não estava nada satisfeita com o que estava acontecendo e estava fazendo
pressão para a mudança de toda a família para Poções.
Então, como iremos deixar Iguaí
definitivamente como atividade física, gostaria de recordar o pouco tempo que
passei naquela terra. Foram precisamente, o restante do ano de 1939, o ano de
1940, completo, as férias somente dos finais de ano entre 1941 e 1945 e as
férias de meio e final de ano no intervalo compreendido entre 1946 e 1949.
Nesse período de tempo, lá nasceram os
meus irmãos Armando, Osvaldo ,Almir e Acyr, sendo que Osvaldo e Almir ali
faleceram e sepultados. Pouco me recordo de ambos, pois só os vi ligeiramente
nas minhas férias de final de ano, nos anos onde eles ainda estavam vivos.
Iremos nos recordar um pouco de
Iguaí, justamente no período aludido acima.
Educação: Frequentei apenas as escolas particulares do Professor Miguel
a quem já tive a oportunidade de me referir e a da Professora Ester Galvão
Gonçalves, que por ser exímia mestra, alicerçou-me para enfrentar com toda a
valentia e destemor, os exames de admissão ao ginásio, lá em Salvador. Sempre
em minhas preces, peço a Deus que a conserve sempre num bom lugar. Como do
tempo que ali estudei, para a frente, não vi de perto o progresso da Vila,
deixo de pormenorizar os fatos e as mudanças
havidas, principalmente no setor da educação pública, justamente para
atender a criançada em idade escolar.
Saúde: Não me consta que antes de
Papai, tenha havido outro médico. Então, à partir de 1938, quando ali chegou, Papai exerceu por um bom tempo,
sozinho a medicina. Soube, anos mais tarde, que outro médico, por nome Dr.
Ezequiel, também ali clinicou que por sinal, certa feita, serviu de companheiro
numa de minhas viagens a Salvador. Mais tarde, outro médico, abriu uma Casa de Saúde, mas nada
sei informar à respeito. A farmácia de Papai foi a PIONEIRA, porém algum tempo
depois, um ex-funcionário dele, por nome Netanias Alves Veiga, que também, anos mais tarde, foi eleito
Prefeito, quando Iguaí já estava emancipada.
Esporte: durante as minhas férias
pratiquei muito o futebol, embora fosse do tipo que o pessoal chama de PERNA DE PAU. Nos babas de rua, ou mesmo no
campo de futebol situado, justamente na
Rua do Campo, eu me exercitava, sabedor que ali estava apenas para praticar,
sem pretensões de participar da seleção da Vila.
PIONEIRA: precursora. Que ou quem
vem à frente.
PERNA DE PAU: jogador de futebol
que não tem habilidade.
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Uma vez ou
outra, Ibicuí ou Nova Canaã apareciam com as suas seleções, a fim de
disputarem um amistoso. Poções, certa feita, quando eu estava de férias, também
jogou lá, mas era uma ocasião muito
rara, devido a dificuldade do transporte.
Além do futebol, nós gostávamos
de tomar banho no rio Gongogi, cujo leito passava nos fundos das casas, construídas nas duas
praças principais e em toda a extensão da Rua do Campo. Lá em casa que foi erguida na Praça da Igreja, existia um quintal, onde Mamãe criava as suas
galinhas e ao final dele, havia um declive bem acentuado, indo terminar à margem do rio. O quintal era separado do
declive, por uma cerca de arame farpado. Quando eu era menor, tomava uns banhos no rio, às escondidas, mas
uma vez, algum amigo de Papai, delatou-me e a surra foi boa. Eles, Papai e
mamãe, estavam certos, mas toda criança não sente e não vê, o perigo que ali
estava por perto. No fundo do rio, havia muita matéria orgânica em
decomposição, proveniente de depósito natural de plantas, ou daquelas que se
desprendiam das margens. Era muito comum, durante as correntezas, as BARONESAS passarem
por ali em grande quantidade e muitas delas, tinham os seus fragmentos
depositados no fundo do rio, criando um lodaçal extenso e perigoso.
Eventos: numa certa ocasião, tive
a oportunidade de apreciar uma festa grandiosa, organizada pela sociedade
local. Foi uma representação da luta entre mouros e cristãos, onde cada cavaleiro com o seu
cavalo todo enfeitado e desempenhando todo o ritual, transformaram o campo de
futebol, numa batalha emocionante e esplendorosa. De um lado, os cristãos paramentado com roupas e acessórios
azulados, enquanto os mouros vieram com uniformes róseos, correndo de um, lado
para o outro, numa encenação vibrante. Ao final da festa, houve uma corrida de
argolinhas, onde cada competidor, com o seu cavalo a galope, tentava acertar
com a sua lança uma argola fixada num local bem alto. A façanha coube ao Sr.
Norivaldo Chequer, mais conhecido por Nonô, que ganhou um prêmio por sua
habilidade.
E por incrível que pareça, nunca
assisti a festa da padroeira de Iguaí,
porque sendo comemorada em setembro, ficava incompatível com o meu período de
estudos. No único ano, ou seja, em 1940, Papai que não era chegado a festas,
não me deixou ir apreciar o movimento.
Namoradas: esse título poderia
não existir, pois estudando quase o ano
todo em Salvador, só me restavam poucos dias
a passear em Iguaí e a minha dedicação exclusiva era nos esportes. As
namoradas viriam no decorrer do tempo. Mas
mesmo assim, namorei por alguns dias com uma das gêmeas, cuja família conhecida
do Sr. Manoel Pereira, hospedou-os, por uns quinze dias, mais ou menos. Outra, de
nome Lilinha, foi uma paquera de meio mês, em princípios de 1947. Sobre aquela
moça, fui advertido por Mamãe, me dizendo que o pais de muitas garotas, pressionavam
os rapazes para pedi-las em casamento.
Com esse aviso, o Papai aqui, caiu fora.
BARONESAS:
planta da família das ninfeáceas, encontradas em lagoas e que na época das
cheias, descem os rios. O mesmo que dama-do-lago
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Personalidades: Como Iguaí a
princípio era um a Vila pertencente ao
Município de Poções, posso destacar algumas pessoas que se notabilizaram por
algum feito ou que também, eram mais chegadas ao nosso convívio social. Mais tarde,
porém, já comemorando a sua emancipação política, outras figuras devem ter
aparecido no rol dos vanguardeiros. Destacaria na época como maior benfeitor, o
Sr. Manoel Martins de Souza, que transformou Iguaí de um apagão perpétuo, numa
Vila, que pelo menos durante as noites, possuía a sua energia elétrica, sem
esperar a iniciativa de qualquer tipo de Governo. A “usina”, como era chamada
pela comunidade, nos servia também, para
um gostoso banho de água doce, ao final das tardes. Outra personalidade, como
Carlos Ribeiro Freire, que por várias vezes, foi eleito vereador ao lado de Papai e do já citado Manoel Martins de Souza, que
representando Iguaí junto à Câmara de Vereadores de Poções, foram
grandes baluartes, reivindicando a construção da estrada de rodagem , que
ligasse a sede Poções, aos seus distritos de Nova Canaã , Iguaí e Ibicuí.
Já residindo em Poções, soube do
destaque de Netanias Alves Veiga, que surgindo como um simples ex-funcionário de
farmácia, com o seu esforço próprio e muita abnegação, tornou-se por algumas
vezes, um dos melhores prefeitos dessa região.
Ainda posso destacar alguns
comerciantes, que muito contribuíram para a grandiosidade da comunidade, nas
pessoas do nosso amigo particular, Alcebíades Brito (Seu Bida), que sendo
proprietário de uma loja, possuía um bom acervo cultural e por muitas adquiri
com ele, grandes ensinamentos culturais. Vale salientar, que a casa comercial e
residência, eram vizinhas à farmácia de Papai e naquele papo gostoso, aprendi muito
com ele. Como a nossa residência à principio, ainda era na Praça da feira,
ganhei também bons conhecimentos com dois italianos chamados de José Vita(pai)
e Miguel Vita(filho), vizinhos de nós e que também negociavam com todos os tipos
de tecidos. Um senhor de cabelos brancos, por nome João Batista de Souza,
grande amigo de nossa família, a convite de Papai, tornou-se o meu padrinho de
crisma, numa ocasião em que o Senhor Bispo da Diocese passou por aquela região.
Os irmãos Nascípio e Norivaldo Chequer,
que também tinham uma loja bem sortida de tecidos e objetos de armarinho, foram
pessoas de grande destaque na sociedade local. Os senhores Ioiô Novais e Ramiro
Souza, altos fazendeiros da região, sendo que o primeiro possuía uma padaria
bem na esquina da praça. O senhor Manoel Pereira, que possuía um bar, onde nas
noites tumultuadas da guerra, íamos ouvir o noticiário, que mais adiante,
tornou-se compadre de Papai. Era também
pai do meu amigo de infância João Alves Pereira, que mais adiante foi meu
colega na Faculdade de Odontologia.
Outra personalidade de destaque foi Anatálio Schettini, o popular
Paquito, grande fazendeiro da região e que nos bons tempos de futebol, formou
uma das melhores zagas ao lado de Papai e mais adiante a célebre dupla Paquito e
Maninho.
Essas são, portanto, as melhores
lembranças que tenho de Iguaí, durante o tempo que residimos naquela localidade.
Papai resolveu trazer a família
definitivamente para Poções, no dia 23 de fevereiro de 1950.
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