segunda-feira, 1 de abril de 2013

Autobiografia de Irundy Dias (p 14)

Ao cursar o segundo  ano colegial , um fato deve ser recordado, por ter sido algo INUSITADO, ao acontecer em plena cerimônia.
Vamos  aos fatos desde o princípio.
Em linhas atrás, tive a oportunidade de me referir aos colegas do Antônio Vieira que eu tinha mais aproximação nas pessoas de Manoel  Quintas Ferrero e Jesus Alonso Baquero. O Quintas, sentava-se à minha frente, numa fila de carteiras que ficava à esquerda da sala, próxima a uma das janelas. Ao nosso lado, também ficava num armário de vidro, um esqueleto completamente armado, onde num certo dia, um dos colegas, conseguiu abri-lo e colocou um cigarro aceso, na boca do esqueleto. Quando o padre descobriu o acontecido, deu um sermão na turma toda, pois ninguém quis acusar o colega infrator. Houve até ameaça de suspensão. Nos dias de provas de Química ou de Desenho, Quintas e eu havíamos combinado um fazer a prova do outro da seguinte forma: competia a mim executar as provas de Química para nós dois, porque eu era o melhor aluno dessa disciplina e por sinal  assessor do padre Borginha nas aulas de prática. Enquanto isso, Quintas, realizava as provas de Desenho, para nós dois, porque  eu nunca tive aptidão  nessa disciplina. Com isso ,as melhores notas de Química e Desenho em todo o decorrer do ano letivo, foram nossas.
Como o Colégio Antônio Vieira tinha uma forma de premiar os seus melhores alunos, quando chegava o final do ano, numa data previamente escolhida e anunciada, realizava-se uma cerimônia religiosa  e depois a parte social, onde pais de todos os alunos do Colégio, compareciam e num ambiente por demais festivo, começava-se a premiação  ,iniciando-se  sempre pelas turmas menores e mais atrasadas, ou seja ,à partir da primeira série ginasial,  até concluir com o terceiro ano colegial. Em cada disciplina, havia a premiação somente para aqueles  que haviam galgado o primeiro lugar e aí, em linhas gerais, o aluno premiado escolhia na hora, sempre o professor de sua estima, para afixar em sua blusa, a medalha que fizera jús.
Chegou a nossa vez e a medida que o locutor ia anunciando as disciplinas com os seus merecedores de medalhas, os alunos subiam até o palco e lá escolhiam os professores  que queriam, em sua maioria, os padres do próprio  colégio. Aí, anunciaram:  “--- Química, em primeiro lugar empatados, Irundy Manta Alves Dias e Manoel Quintas Ferrero”. Subimos ao palco e lá no alto, cada um de nós, colocou a medalha na blusa do outro. Minutos depois, anunciaram;   “---Desenho, em primeiro lugar empatados, Manoel Quintas Ferrero e Irundy Manta Alves Dias”. Novamente fomos ao palco e repetimos o mesmo gesto, quebrando um protocolo existente por muito tempo. Naquele dia, fui chamado seis vezes, para receber as medalhas de Matemática, Química, Biologia, Geografia, Filosofia e Desenho. No primeiro ano havia ganho Matemática e Química e no terceiro ano ,recebi  Matemática. Química, Geografia, Biologia e Filosofia, totalizando treze medalhas.

INUSITADO: Que não é usual, comum; desusado. Que foge aos padrões conhecidos; extraordinário, insólito. Ocorrência incomum.


             
                                                                x.x.x



Desde 1949, quando Papai foi nomeado para exercer o cargo de  médico do posto de saúde em Poções, senti  que brevemente a nossa vida iria tomar um novo rumo. Vindo a Poções, para exercer essas novas funções,  obtidas provavelmente através das amizades políticas, Papai deixou a família em Iguaí, praticamente o ano todo. Quando voltei para as férias ao final daquele ano, notei que Mamãe não estava nada satisfeita com o que estava acontecendo e estava fazendo pressão para a mudança de toda a família para Poções.
Então, como iremos deixar Iguaí definitivamente como atividade física, gostaria de recordar o pouco tempo que passei naquela terra. Foram precisamente, o restante do ano de 1939, o ano de 1940, completo, as férias somente dos finais de ano entre 1941 e 1945 e as férias de meio e final de ano no intervalo compreendido entre 1946 e 1949. Nesse período de tempo, lá nasceram  os meus irmãos Armando, Osvaldo ,Almir e Acyr, sendo que Osvaldo e Almir ali faleceram e sepultados. Pouco me recordo de ambos, pois só os vi ligeiramente nas minhas férias de final de ano, nos anos onde eles ainda estavam vivos.
Iremos nos recordar um pouco de Iguaí, justamente no período aludido acima.
Educação: Frequentei  apenas as escolas particulares do Professor Miguel a quem já tive a oportunidade de me referir e a da Professora Ester Galvão Gonçalves, que por ser exímia mestra, alicerçou-me para enfrentar com toda a valentia e destemor, os exames de admissão ao ginásio, lá em Salvador. Sempre em minhas preces, peço a Deus que a conserve sempre num bom lugar. Como do tempo que ali estudei, para a frente, não vi de perto o progresso da Vila, deixo de pormenorizar os fatos e as mudanças  havidas, principalmente no setor da educação pública, justamente para atender a criançada em idade escolar.
Saúde: Não me consta que antes de Papai, tenha havido outro médico. Então, à partir de 1938, quando  ali chegou, Papai exerceu por um bom tempo, sozinho a medicina. Soube, anos mais tarde, que outro médico, por nome Dr. Ezequiel, também ali clinicou que por sinal, certa feita, serviu de companheiro numa de minhas viagens a Salvador. Mais tarde,  outro médico, abriu uma Casa de Saúde, mas nada sei informar à respeito. A farmácia de Papai foi a PIONEIRA, porém algum tempo depois, um ex-funcionário dele, por nome Netanias Alves  Veiga, que também, anos mais tarde, foi eleito Prefeito, quando Iguaí já estava emancipada.
Esporte: durante as minhas férias pratiquei  muito o futebol, embora  fosse do tipo que o pessoal chama de  PERNA DE PAU. Nos babas de rua, ou mesmo no campo de futebol  situado, justamente na Rua do Campo, eu me exercitava, sabedor que ali estava apenas para praticar, sem pretensões de participar da seleção da Vila.

PIONEIRA: precursora. Que ou quem vem à frente.

PERNA DE PAU: jogador de futebol que não tem habilidade.

                                                x.x.x



Uma  vez ou  outra, Ibicuí ou Nova Canaã apareciam com as suas seleções, a fim de disputarem um amistoso. Poções, certa feita, quando eu estava de férias, também jogou  lá, mas era uma ocasião muito rara, devido a dificuldade do transporte.
Além do futebol, nós gostávamos de tomar banho no rio Gongogi, cujo leito passava  nos fundos das casas, construídas nas duas praças principais e em toda a extensão da Rua do Campo. Lá em casa  que foi erguida na Praça da Igreja,  existia um quintal, onde Mamãe criava as suas galinhas e ao final dele, havia um declive bem acentuado, indo terminar à  margem do rio. O quintal era separado do declive, por uma cerca de arame farpado. Quando eu era menor,  tomava uns banhos no rio, às escondidas, mas uma vez, algum amigo de Papai, delatou-me e a surra foi boa. Eles, Papai e mamãe, estavam certos, mas toda criança não sente e não vê, o perigo que ali estava por perto. No fundo do rio, havia muita matéria orgânica em decomposição, proveniente de depósito natural de plantas, ou daquelas que se desprendiam das margens. Era muito comum, durante as correntezas, as BARONESAS  passarem por ali em grande quantidade e muitas delas, tinham os seus fragmentos depositados no fundo do rio, criando um lodaçal extenso e perigoso.
Eventos: numa certa ocasião, tive a oportunidade de apreciar uma festa grandiosa, organizada pela sociedade local. Foi uma representação da luta entre mouros e  cristãos, onde cada cavaleiro com o seu cavalo todo enfeitado e desempenhando todo o ritual, transformaram o campo de futebol, numa batalha emocionante e esplendorosa. De um lado, os  cristãos paramentado com roupas e acessórios azulados, enquanto os mouros vieram com uniformes róseos, correndo de um, lado para o outro, numa encenação vibrante. Ao final da festa, houve uma corrida de argolinhas, onde cada competidor, com o seu cavalo a galope, tentava acertar com a sua lança uma argola fixada num local bem alto. A façanha coube ao Sr. Norivaldo Chequer, mais conhecido por Nonô, que ganhou um prêmio por sua habilidade.
E por incrível que pareça, nunca assisti  a festa da padroeira de Iguaí, porque sendo comemorada em setembro, ficava incompatível com o meu período de estudos. No único ano, ou seja, em 1940, Papai que não era chegado a festas, não me deixou ir apreciar o movimento.
Namoradas: esse título poderia não existir, pois estudando  quase o ano todo em Salvador, só me restavam poucos dias  a passear em Iguaí e a minha dedicação exclusiva era nos esportes. As namoradas viriam no decorrer do tempo.  Mas mesmo assim, namorei por alguns dias com uma das gêmeas, cuja família conhecida do Sr. Manoel Pereira, hospedou-os, por uns quinze dias, mais ou menos. Outra, de nome Lilinha, foi uma paquera de meio mês, em princípios de 1947. Sobre aquela moça, fui advertido por Mamãe, me dizendo que o pais de muitas garotas, pressionavam os  rapazes para pedi-las em casamento. Com esse aviso, o Papai aqui, caiu fora.


BARONESAS: planta da família das ninfeáceas, encontradas em lagoas e que na época das cheias, descem os rios. O mesmo que dama-do-lago

                                                           x.x.x


Personalidades: Como Iguaí a princípio era um a Vila pertencente  ao Município de Poções, posso destacar algumas pessoas que se notabilizaram por algum feito ou que também, eram mais chegadas ao nosso convívio social. Mais tarde, porém, já comemorando a sua emancipação política, outras figuras devem ter aparecido no rol dos vanguardeiros. Destacaria na época como maior benfeitor, o Sr. Manoel Martins de Souza, que transformou Iguaí de um apagão perpétuo, numa Vila, que pelo menos durante as noites, possuía a sua energia elétrica, sem esperar a iniciativa de qualquer tipo de Governo. A “usina”, como era chamada pela  comunidade, nos servia também, para um gostoso banho de água doce, ao final das tardes. Outra personalidade, como Carlos Ribeiro Freire, que por várias vezes, foi  eleito vereador ao lado de Papai  e do já citado Manoel Martins de Souza, que representando  Iguaí  junto à Câmara de Vereadores de Poções, foram grandes baluartes, reivindicando a construção da estrada de rodagem , que ligasse a sede Poções, aos seus distritos de Nova Canaã , Iguaí e Ibicuí.
Já residindo em Poções, soube do destaque de Netanias Alves Veiga, que surgindo como um simples ex-funcionário de farmácia, com o seu esforço próprio e muita abnegação, tornou-se por algumas vezes, um dos melhores prefeitos dessa região.
Ainda posso destacar alguns comerciantes, que muito contribuíram para a grandiosidade da comunidade, nas pessoas do nosso amigo particular, Alcebíades Brito (Seu Bida), que sendo proprietário de uma loja, possuía um bom acervo cultural e por muitas adquiri com ele, grandes ensinamentos culturais. Vale salientar, que a casa comercial e residência, eram vizinhas à farmácia de Papai e naquele papo gostoso, aprendi muito com ele. Como a nossa residência à principio, ainda era na Praça da feira, ganhei também bons conhecimentos com dois italianos chamados de José Vita(pai) e Miguel Vita(filho), vizinhos de nós e que também negociavam com todos os tipos de tecidos. Um senhor de cabelos brancos, por nome João Batista de Souza, grande amigo de nossa família, a convite de Papai, tornou-se o meu padrinho de crisma, numa ocasião em que o Senhor Bispo da Diocese passou por aquela região.  Os irmãos Nascípio e Norivaldo Chequer, que também tinham uma loja bem sortida de tecidos e objetos de armarinho, foram pessoas de grande destaque na sociedade local. Os senhores Ioiô Novais e Ramiro Souza, altos fazendeiros da região, sendo que o primeiro possuía uma padaria bem na esquina da praça. O senhor Manoel Pereira, que possuía um bar, onde nas noites tumultuadas da guerra, íamos ouvir o noticiário, que mais adiante, tornou-se compadre de Papai.  Era também pai do meu amigo de infância João Alves Pereira, que mais adiante foi meu colega na Faculdade de Odontologia.  Outra personalidade de destaque foi Anatálio Schettini, o popular Paquito, grande fazendeiro da região e que nos bons tempos de futebol, formou uma das melhores zagas ao lado de Papai e mais adiante a célebre dupla Paquito e Maninho.
Essas são, portanto, as melhores lembranças que tenho de Iguaí, durante o tempo que residimos naquela localidade.
Papai resolveu trazer a família definitivamente para Poções, no dia 23 de fevereiro de 1950.

                                                            x.x.x

Nenhum comentário:

Postar um comentário