segunda-feira, 22 de abril de 2013

Autobiografia de Irundy Dias ( 21 )

Ao retornar, trouxe comigo, uma dessas cadernetas pequenas para anotações rápidas e no bolso, uma caneta, enquanto no palco, colocavam uma mesa quadrada, coberta por uma toalha e sobre ela uma caixa de sapatos, repleta de envelopes azuis, daqueles usados para colocar correspondências a  serem enviadas pelos Correios. Desci a pequena escada que comunicava o palco à plateia e dirigi-me às últimas fileiras, onde com a voz estridente anunciei o que iria executar. Aproximei-me de uma senhorita e pedi-lhe para escrever na caderneta, uma centena qualquer, com os sem algarismos repetidos. Recebi a caderneta de volta e falei em voz alta:
---Essa mocinha escreveu aqui na caderneta uma centena à sua livre escolha. Vou passar por diversas pessoas e cada uma delas, colocará também uma centena, de preferência diferente daquela que ela escreveu. Combinado?
À medida que mais quatro pessoas foram colocando as suas centenas, fui chegando perto do palco e subi a escada. Lá no palco, convidei  outra pessoa, que quisesse subir, para fazer a soma das cinco centenas que haviam sido escritas na caderneta . Assim que ele terminou, anunciei:
---Atenção pessoal! O nosso amigo aqui acabou de efetuar o cálculo e achou para a soma das cinco centenas, o número 2017. Quero antecipadamente agradecer a colaboração de todos e para encerrar o espetáculo, gostaria de chamar ao palco, um garoto ou uma garota, para nos ajudar numa outra tarefa. Assim que uma menininha de seus seis a sete anos subiu a escada com o auxílio de outra pessoa e chegou ao palco, pedi para que a mesma retirasse da caixa de sapatos, qualquer envelope azul, abrisse e mostrasse ao público o que estivesse dentro. A garotinha bem inteligente, por sinal, fez tudo direitinho como ensinei. Retirou um envelope qualquer, abriu-o e com a outra mão, puxou de dentro um papel branco. Colocou o envelope puro sobre a mesa e o papel que estava na outra mão, desenrolou-o e mostrou ao público o que em tinta NANQUIM aparecia escrito. Era o número 2017. Quando a plateia viu o resultado, a reações foram bem diversas: uns riram, outros assoviaram e mais alguns bateram palmas. Enfim, o truque da matemática, surtira o efeito desejado. Em sequência ao show, Clóvis Pereira Junior, anunciou: --- Senhoras e senhores, o nosso show é por demais variado. Agora, iremos nos reportar e reviver um pouco do passado em História Geral. Anunciaremos à seguir, Napoleão Bonaparte, passando o Monte Branco.
Quando as cortinas reabriram, vimos duas mesas grandes e juntas no centro do palco, contendo uma pilha enorme de peças brancas. Eram toalhas, camisas, calças, lenços, camisolas, lençóis, enfim todas as peças  amontoadas, eram brancas. Apareceu Affonso Manta com o mesmo uniforme que Napoleão Bonaparte vestia quando de suas batalhas memoráveis, mas segurava em uma das mãos, um ferro de engomar, enquanto a outra se situava por dentro do seu casaco, encostada ao peito. Suavemente, passava o ferro sobre as peças brancas, sem ter o cuidado de arrumá-las ou dobrá-las. Naquela posição se manteve alguns segundos, sem sequer dizer uma palavra. De imediato a cortina foi descerrada.
NANQUIM: Tinta preta  que se usa em desenho. Tecido de algodão amarelado, fabricado inicialmente apenas em Nanquim.
                                                             x.x.x




O número seguinte apresentou  a nossa colega Dinah Sena Nery, que era bem magrinha e possuía uma facilidade incrível de se contorcer. Era uma dança bem suave e ela fazia uma manobra de pernas e braços com tanta perfeição, que deixou muita gente com vontade de repetir aquele contorcionismo em casa. A garota fez uma exibição fantástica.
Pela primeira vez, na noite,  Carlos Nápoli, pegou o microfone para comandar o espetáculo e anunciou a presença de mais dois calouros, sendo que um deles, apresentou-se fazendo EMBAIXADAS.
Logo em seguida, foi anunciada a presença de Affonso Manta, para daquela vez imitar as vozes e gestos de três pessoas queridas de nossa sociedade.   Assim que Affonso começou imitando a gesticulação do Sr. Alcides Fernandes, que tinha o hábito de esfregar as mãos, uma de encontro a outra, mas o fez com tamanha maestria, que o público prorrompeu em aplausos. Depois, ele imitou a voz e aquela tosse seca de Hidelbrando Rocha (Deco),que estando na farmácia de Papai, dizia:
“---Ary, ou Ary(com voz e tosse entrecortadas), vamos jogar uma partida de gamão?”
Mais risos e aplausos.
Por último, Affonso imitou a voz rouca e um pouco fanhosa do Sr. Saturnino Macêdo, o conhecidíssimo Yoyô Macêdo, que estando no seu cartório, dizia ao seu filho Vilobaldo:
“--- Vila, ô  Vila, que me passar o carimbo para eu reconhecer essa firma ?”
Outros aplausos, acompanhados de risos e assovios.
O interessante na apresentação do nosso espetáculo, é que cada número se superava a sí próprio se fosse comparado ao que tínhamos visto nos ensaios. Os rapazes e as moças brilharam de ponta a ponta.
Retornei ao comando e ao reabrirem as cortinas, no centro do palco achava-se um banco de jardim e nele sentados bem juntinhos como dois namorados, Clóvis Pereira Júnior e Rosimari. À medida que os segundos foram se passando, Rosimari foi-se afastando, fazendo uma cara de que algo mal cheiroso partia de Clóvis. Ele intrigado com o afastamento dela, notou também que o mau cheiro não partia dele e possivelmente seria ela, querendo colocar a culpa nele. E o fedor aumentava tanto, que os dois namorados já se encontravam quase sentados nas extremidades opostas do banco. Eis que de repente, por trás do banco, surgiu a figura de Carlos Nápoli, levantando-se e suspendendo as calças. Carlos de imediato olhou para o chão onde havia feito o seu “serviço” e dali saiu imediatamente de cena. O pano da cortina também se fechou, deixando os espectadores rindo à vontade.  --- Senhoras e senhores, esperamos que estejam gostando de nossas brincadeiras. Dentro de instantes apresentaremos os dois últimos calouros da noite e logo após, presentearemos o vencedor com um brinde oferecido por uma das casas comerciais a quem agradecemos.
EMBAIXADAS: Espécie de jogo, em que a pessoa com muita habilidade consegue manter uma bola no ar sem cair ao chão, manobrando-a com a cabeça, ombros e pés.
                                                        x.x.x




Depois dessa fala, pedi ao público muita atenção no número à  seguir, pois a nossa colega Rosilda Luz, após um intenso treinamento com mambos, iria apresentar um tipo de dança mexendo e remexendo com as cadeiras. Saí de cena enquanto as cortinas eram reabertas. O fundo musical era daqueles mambos mais solicitados nas rádios. O palco estava repleto de cadeiras e todas completamente desarrumadas. Aí apareceu a figura de Rosilda Luz, que na maior calma do mundo, começou a colocar as cadeiras nos seus devidos lugares, bem arrumadinhas. Gozação de novo e o povo delirava, percebendo que naquela altura do show, a que grau de inteligência eles foram submetidos. A cortina foi fechada e surgiu o Clóvis Pereira Júnior anunciando  que à seguir o Dr. Plinio  apresentaria um novo número de ilusionismo e enquanto o palco seria arrumado, ele  chamou o vencedor entre os calouros na pessoa de Wilson José de Moraes. As cortinas ficaram cerradas, mas Clóvis  recebeu o Bio, como era popularmente conhecido o Wilson Jose de Moraes e pediu ao mesmo que novamente cantasse a música Granada, ao tempo em que entregou-lhe o prêmio a que fizera jus.

--- Senhoras e senhores, --- continuou o Clóvis --- estamos chegando ao final do nosso espetáculo. Para encerrá-lo, vamos destacar os três últimos números. Em antepenúltimo, teremos agora o nosso dentista Dr. Plínio, que colaborou e muito com o nosso show a quem penhoradamente deixamos aqui os nossos agradecimentos.   

Quando as cortinas foram reabertas, no centro do palco estava uma mesa e sobre ela uma gaiola, onde dentro, um pequenino pássaro branco, saltitava de um lado para o outro, talvez espantado com o que acontecia em sua volta. No canto esquerdo o palco, um rapaz, ajudante do Dr. Plínio, segurava em umas das mãos, um fio preto comprido, em cuja extremidade, achava-se um bocal com uma lâmpada, daquelas grandes de 150 velas, que por sinal, achava-se acesa . Na outra mão ele segurava um pano preto. Para que ninguém ficasse assustado, Dr. Plínio explicou que na continuação do número, momentaneamente as luzes seriam apagadas. Pegou  outro pano preto e cobriu delicadamente a gaiola, para não assustar mais o pássaro. Retirou da cintura um revólver e no instante em que fez mira em direção à gaiola, as luzes se apagaram e ao mesmo tempo ouviu-se o estampido da arma. Com o cinema às escuras e com o som do tiro, houve muita gente  da plateia dando  gritinhos HISTÉRICOS, mesmo sendo avisadas com antecedência. Segundos depois, as luzes voltaram à sua normalidade e então, dando prosseguimento ao seu número, Dr. Plínio, retirou o pano preto de sobre a gaiola, que achava-se totalmente vazia. Onde estava o pássaro? O rapaz, que ficara no canto do palco, ao mandado de Dr. Plínio, retirou o pano preto e a lâmpada agora apagada, abrigava o pássaro branco, saltitante com o sempre, como se nada houvesse acontecido.  O número foi muito bem executado o que gerou uma grande ovação.
Após, uns dois minutos de um pequeno intervalo, voltei ao palco para apresentar o penúltimo número, encontrando ainda e plateia comentando sobre o trabalho de ilusionismo  que acabara de ser apresentado. No centro do palco, encontrava-se uma mesa, coberta por um pano bordado, que cobre as mesas grandes de sala de jantar.
HISTÉRICOS: concernente a histeria. Que ou quem é excessivamente nervoso ou agitado.
                                                        x.x.x



Quando a nossa colega Cleide Mendes Lopes, surgiu em cena, pedi a qualquer pessoa da plateia, que subisse ao palco, para colocar um lenço preto, sobre os seus olhos, vedando-os completamente e o próprio rapaz teve o cuidado de levá-la  pelo braço, para ficar sentada de costas para o público, com a cabeça pousada sobre a toalha da mesa. Desci a escada e dirigi-me às últimas filas de cadeiras do cinema. Daquele local, agora com um microfone na mão, tomei um objeto de um espectador e perguntei a Cleide:
--- Atenção Cleide! Que objeto tenho agora em minhas mãos? Prontamente ela respondeu:
--- Um guarda chuva!         Andei um pouco para frente e disse:
--- E agora garota, que objeto tomei emprestado dessa moça?  Novamente Cleide respondeu:
--- Uma bolsinha pequena !    
--- Ótimo, estamos indo muito bem. Preste bastante atenção, pois o objeto que  vou tomar dessa pessoa é bem menor dos que os outros.
--- Acredito que seja uma lapiseira—respondeu Cleide já um pouco indecisa.
--- Ora, ora. Não precisa se preocupar. Todos aqui da plateia sabem que você é uma estudante, como os demais desse espetáculo são. E ainda temos a acrescentar  se porventura qualquer 0erro acontecer, você será perdoada inteiramente. Vamos continuar? Que objeto estou segurando nesse instante?
--- O brinco da orelha de qualquer moça da plateia.
Naquele momento, dirigi-me a um rapaz que achava-se ladeado por duas mocinhas e solicitei aos três que anotassem o horário que estava marcado no mostrador do seu relógio. Aí, ergui o braço esquerdo, pois o outro segurava o microfone e perguntei:
--- Qual o objeto que tenho em mãos no momento?  A resposta veio rápida:
---Um relógio de algum rapaz.
--- Cleide, agora você irá se concentrar muito mais, porque a pergunta será dificílima. Está pronta?
--- Estou. Pode perguntar.
--- Quando eu tomei emprestado esse relógio, três pessoas, incluindo o  próprio dono, tomaram nota de algo que agora vou perguntar. Que horas e minutos estavam registrados no mostrador?     Silêncio absoluto. Cleide nem se mexeu na cadeira. Tentei pela segunda vez :
--- Cleide concentre-se um pouco e com calma responda.     Passaram-se alguns segundos e nenhuma resposta  foi ouvida .   Quando então, pela terceira vez insisti nas pergunta eis que

                                                   x.x.x 


lá no palco, Carlos Nápoli, saiu de debaixo da mesa e virando-se para o público, gritou bem alto ---Pessoal, não tenho olhos de raios  X ...
A cortina fechou-se rapidamente, deixando o ambiente num zum zum zum ,tremendo. Uns riam, outros comentavam o desfecho. Enquanto isso, aproveitei o momento e calmamente subi a escada. Em frente à cortina cerrada, ainda com o microfone em mãos, agradeci ao público presente, pedindo desculpas pelas brincadeiras a que nos propusemos e salientando mais uma vez, que a nossa intenção foi a de apresentar em Poções, algo diferente e nunca visto.
---E agora distinto público, antes que vocês se retirem do cinema, iremos apresentar como último número, onde todos os colegas irão apresentar o grande coro da UEP.
Afastei-me do centro do palco, no mesmo instante que as cortinas eram reabertas para uma gozação final. Todos os participantes do show apareceram em cena, segurando um enorme couro de boi e foram aos poucos atravessando o palco de um lado para o outro, dando tempo para que todos lessem: ESTE É O GRANDE CORO DA UNIÃO DOS ESTUDANTES DE POÇÕES.
A nossa imaginação foi tão fértil e as brincadeiras tão inocentes e singelas, que devem ter sido guardadas na memória de todas aquelas pessoas que estiveram presentes naquela noite.
Muitas saudades guardo daquele tempo e afirmo peremptoriamente que nunca mais assisti algo assim nesta cidade.
Dias depois, participamos do Carnaval promovido pelo Clube Social, onde as matinês foram bem melhores.
Nos primeiros dias março, Noélia seguiu a Salvador para continuar os seus estudos no Colégio das Mercês, enquanto eu fiquei aguardando notícias da Faculdade e soube alguns dias após a ida de Noélia, que somente em abril ,  as minhas aulas seriam reiniciadas.

                                                           x.x.x


Nenhum comentário:

Postar um comentário