quinta-feira, 18 de abril de 2013

Autobiografia de Irundy Dias ( p 20 )


No dia 16 de janeiro de 1952, uma quarta feira, os advogados Ezequildes  e Francino Nunes finalmente conseguiram reunir os estudantes e mais alguns interessados, para a fundação da UEP( União dos Estudantes de Poções), entidade sem fins lucrativos, visando somente agregar a juventude de Poções. Nessa mesma reunião foi escolhido o nome do veiculo de divulgação, que serias um jornalzinho com o título de UNESPO. Depois foram traçados os primeiros rumos, para que em fevereiro, organizássemos um show de variedades a ser exibido num dos cinemas da cidade.
Enquanto isso, o nosso namoro ia de vento em popa. Todas as tardes, de segunda a sexta, nos víamos na praça do obelisco; aos sábados o nosso encontro era no Cine Santo Antônio e nos domingos à tarde, dança durante as matinês do clube.
No princípio do mês de fevereiro, ou mais precisamente, no dia 8, uma sexta feira, recebi um convite verbal para comparecer na residência do Sr. Juvêncio Lago Silva  e de sua esposa Iromar Nápoli Silva, onde iriam comemorar os 15 anos de sua filha Irene. Cheguei na casa, que ficava na Praça Deocleciano Teixeira, que por sinal, era a única residência da Praça, pois todas as demais, sempre fizeram parte do comércio principal da cidade. Eram pouco mais de 20 horas e trinta minutos. A sala onde estava sendo realizada a primeira parte da festa achava-se quase superlotada. Como o mês de fevereiro sempre foi muito quente em Poções, apesar das janelas da frente, o calor era insuportável. Alguém chegou na sala vindo da parte mais interna da casa e anunciou que o Dr. Antônio Carlos Barbosa, médico atuante em Poções, iria usar da palavra para saudar a aniversariante. Com isso, muitas pessoas se deslocaram para  a outra sala, inclusive eu e lá fomos assistir uma espécie de relato sobre a vida de Salvador, durante qualquer dia da semana. Até hoje não entendi bem o alcance daquela oração, com relação ao aniversário de Irene. Percebi então que as primeiras palavras dele se referiam ao que acontecia nas manhãs de Salvador. Referiu-se que pelas manhãs, logo quando o dia começa a clarear, os vendedores de cuscuz, regado com leite de coco; os mingaus de milho ou de tapioca, salpicados com canela em pó, saem às ruas oferecendo os seus produtos, ou então aqueles que já possuem os pontos marcados e por isso mesmo os fregueses os procuram. À medida que a manhã avança, aparecem os vendedores de banana da terra, laranjas do Cabula(Cabula é um, bairro de Salvador, muito conhecido por produzir uma boa quantidade de laranjas dulcíssimas); camarão seco da Rampa do Mercado Modelo( hoje em dia é muito mais fácil e mais cômodo, achá-los no Centro de Abastecimento do Rio Vermelho). O Dr. Antônio Carlos Barbosa, enquanto fazia a sua narração, cantarolava às vezes, algumas músicas referentes aos produtos que apresentava, no sentido de que as pessoas presentes gostassem do quer estava fazendo.
No período da tarde, continuava ele, aparecia o vendedor de taboca; o homem com a caixa de sorvete bem equilibrada sobre a sua cabeça, que ficava colocada sobre uma rodilha de pano; o baleiro, com a sua cesta de  vime, repleta de bombons, chicletes e chocolates de diversos tipos. Mais à tardinha, surgiam as baianas com as suas vestes bem alvas e seus tabuleiros cheios de abará, bolinhos de estudante, cocada puxa com vários sabores, onde se sobressaíam os pedaços de coco e os INDEFECTÍVEIS acarajés fritos na hora em azeite de dendê, às vistas dos fregueses.
Terminado o seu palavreado, foi muito aplaudido e como me referi não vi nenhuma ligação do seu assunto que viesse a se coordenar com os quinze anos da prima de Noélia. Para quem não conhecia a vida cotidiana de Salvador, foi uma boa explanação, que poderia ser oferecida numa outra oportunidade.
Em seguida, foram servidos salgadinhos e doces, acompanhados de cerveja e refrigerante, num vai e vem constante, pois à medida que o tempo ia passando a parte cerimoniosa dos convidados ia cedendo a outros impulsos mais atirados, como sempre acontece em todas as festas desse gênero.


INDEFECTÍVEL: PLURAL: INDEFECTÍVEIS : Que não pode faltar. Que não pode falhar.
                                             Certo. Infalível. Que sempre existirá. Indestrutível.Indefensável.

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Noélia e eu ,quase não tivemos tempo de conversar, porque além da grande parte de parentes presentes, não era momento propício para namorar. Chegando a hora do  “parabéns a você”, quando se apagou a luz da sala, achava-se sobre a mesa, um  imponente bolo de três andares, com uma bonequinha na parte alta segurando um pedestal, tendo ao seu lado, o número 15.
Antes das vinte e duas horas e trinta minutos, agradeci aos anfitriões e a aniversariante pelo convite e Noélia, não é que teve a coragem de ir comigo até a saída para nos despedirmos?
Os dias que se seguiram, foram de muito trabalho, pois Dr. Ezequildes e Dr. Francino, organizadores  do evento, que iria ser realizado  no dia  20, não davam trégua ao pessoal. Rapazes e moças envolvidos no show ensaiavam pela manhã e à tarde numa garra, para que pudéssemos apresentar algo inédito em Poções. Seria um espetáculo de variedades, incluindo-se uma programação, para premiar o melhor calouro da noite.
Caso a minha memória venha a falhar, já vou incluindo as minhas desculpas antecipadas, pelos nomes dos rapazes e moças que participaram do evento e que não estiverem incluídos na relação abaixo. Foram eles:
Rapazes: Antônio Rocco Libonati, Affonso Manta Alves Dias, Carlos Humberto de Campo Neto, Carlos Alberto Nápoli, Clemente Antônio de Brito (Clementãoi), Clemente Brito, Clóvis Pereira Júnior, Joel de Souza Curvêlo, José Otávio Duarte Curvêlo e eu.
Moças: Cleide Mendes Lopes, Rosemari  Gusmão, Rosilda Alves Luz, Dinah de Sousa Neri, entre outras.
Contamos também com a valiosa colaboração do dentista Dr. Plínio de Almeida Lírio, que apresentaria dois números de ilusionismo.
De acordo com os ensaios realizados, Dr. Francino escolheu três apresentadores que durante o espetáculo, fariam um revezamento entre si. Carlos Alberto Nápoli, Clóvis Pereira Júnior e Irundy Manta Alves Dias  foram os rapazes encarregados das apresentações de todos os números.
Dia 20 de fevereiro de 1952, uma quarta feira, foi a data escolhida, para que no Cine Santo Antônio, fosse realizado o melhor show de variedades já aparecidos em Poções. Portanto senhoras e senhores acomodem-se em suas poltronas, pois daqui a alguns instantes:
Como nós fizemos uma propaganda exemplar, o Cine Santo Antônio estava lotado. De forma IMPRETERÍVEL, as cortinas de abriram exatamente às 20 horas. O Dr. Ezequildes Nunes, como Diretor Presidente da UEP, foi quem fez a apresentação inicial e em seguida nos chamou ao palco, citando que caberia a nós três, a condução do show. Pediu também aos assistentes as nossas desculpas antecipadas, explicando que o motivo principal de nossa apresentação, era o de fazer algo que nunca fora visto em Poções e como não existiam profissionais e somente jovens estudantes e colaboradores, poderiam ocorrer alguns erros durante o evento.
IMPRETERÍVEL: que não pode deixar de ser feito ou executado.; indispensável.
                                                   
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Fui o primeiro a anunciar que teríamos no decorrer da  noite, um grupo de calouros, cantando ou dançando, ou ainda, cada qual mostrando as suas habilidades individuais. Para que os espectadores não ficassem cansados, nós iríamos intercalar os calouros, com os números promovidos pelos estudantes, fazendo um bom  revezamento. Assim é que, depois da cantoria dos dois primeiros calouros, a cortina se fechou e quase de imediato anunciei:
---Senhoras e senhores, ópera é um tipo de espetáculo que nem sempre agrada a todos. Por isso mesmo, iremos apresentar de forma bem rápida, a célebre ópera intitulada AÍDA DE VERDI.
A cortina foi reaberta. Bem suavemente ouvia-se os acordes da ópera mencionada. Aí apareceu em cena, a estudante Rosilda Alves Luz, toda vestida de verde, com uma faixa transversal branca, colocada sobre a seu vestido, com as palavra escrita em letras garrafais: Aída.
Simplesmente ela atravessou do lado esquerdo para o lado direito do palco e retornou de onde tinha vindo, quando então as cortinas se fecharam rapidamente, mostrando ao público, logo de saída, que tipo de espetáculo  eles apreciariam no decorrer da noite.
Em seguida, expliquei ao pessoal, que o número a seguir, era uma colaboração do dentista Dr. Plínio de Almeida Lírio. As cortinas se abriram e então apareceu, o Dr. Plínio, segurando a mão esquerda de uma garota. Foram saudados pela plateia e sem dizer nenhuma palavra ele e a moça colocaram duas cadeiras, uma em frente a outra, com um espaço de mais ou menos um metro. Ele ajudou-a a colocar a cabeça e ombros sobre uma delas, enquanto pernas  e pés ficaram sobre a outra. No espaço entre uma cadeira e outra, a moça procurou ficar bem firme, com o seu tórax e nádegas. À partir daquele instante, com uma das mãos, ele hipnotizou-a e sentindo a firmeza no que fazia, fez gestos para que o corpo da garota, deixasse o apoio das cadeiras, ficando flutuando no ar. Não cheguei a marcar o tempo, mas em questão de segundos, o Dr. Plínio fez a moça retornar ao seu estado inicial. Pelo trabalho executado ele recebeu muitos aplausos e tomando ligeiramente o microfone de minhas mãos falou:
“---Minha boa gente de Poções, estou tomando um curso de hipnose, para executar trabalhos  em meu gabinete dentário, a fim de que os meus pacientes não sofram qualquer tipo de dor e com isso, estou me aperfeiçoando em outros trabalhos, como o que acabei de apresentar e peço desculpas se não foi do agrado de vocês. Hoje mesmo, ainda irei apresentar um outro número, colaborando com essa estudantada. Obrigado.”
Passei momentaneamente o comando do espetáculo ao meu colega  Clóvis Pereira Junior, porque o número imediato seria da apresentação de mais dois calouros. Enquanto os dois candidatos iriam se apresentar, fui aos bastidores preparar-me, pois na volta estaria junto à plateia, para um número exclusivamente meu.

AÍDA DE VERDI: Giuseppe Verdi, músico romântico e compositor italiano, autor de várias óperas, como Rigoletto (1851), La Traviata ( 1853), Um baile de máscaras (1859) , AÍDA (1871) entre outras.   


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