sexta-feira, 12 de abril de 2013

Autobiografia de Irundy Dias ( p18 )



Da posição em que me encontrava, dava para enxergar o que os outros colegas faziam. Um deles,  estava abaixado sobre o passeio da porta da Faculdade, tendo nas mãos várias caixas de fósforo. Dali,  retirava um de cada vez e os colocava sobre o passeio em fila indiana, um atrás do outro. Depois, soube pelo próprio colega, que após o serviço, ele teve que contar todos os palitos que foram postos de uma ponta a outra. Outro colega, bancando o maluco, subia e descia os degraus da Igreja da Catedral. Parava, mexia com a cabeça e em seguida recomeçava tudo de novo, subindo e descendo os degraus. Um terceiro colega subiu numa mesa de madeira, tendo outros colegas em volta. Lá do alto ele falava e gesticulava muito:
“---Meus amigos!  Minhas senhoras e meus senhores! Todos sabem que os calouros são extremamente burros. Só passaram no vestibular por que os veteranos tiveram que ajudar, pois se não fosse isso, não teríamos neste ano a primeira série de odontologia. Gostaria então de pedir ao distinto público presente, uma calorosa salva de palmas para os veteranos de medicina, odontologia e farmácia.”  E naquele esquema já previamente preparado, seguia-se o discurso até que aquele  cansasse e subia outro  para continuar.
Outros colegas estavam mais distantes e da posição onde me encontrava, não deu para observar o que tinham feito ou o que outros estavam fazendo.
A passeata então foi um sucesso. A turma conseguiu dois caminhões, que nos acompanhou desde a porta da faculdade, até o Campo Grande, ida e volta. Cartazes os mais diversos foram feitos, todos com alusão à verba  que  fora destinada  ao conserto da sala de clínica e que até então nada fora feito. Lembro-me bem, que naquela  época, houve uma eleição para um alto escalão do Exército e que um general por nome Estilac Leal, perdeu. Mas a turma associou uma coisa à outra e fez uma faixa dizendo:
“---Este lá que é leal, perdeu as eleições. Este cá que é o tal, ganhou oito milhões.”
As referências ao Reitor e à verba destinada à sala de Clínica, foram o ponto chave da passeata, que caíram certinho como uma luva.
Como a greve só iria terminar, quando fosse restaurada a sala de clínica, recebemos comunicações, para continuar a greve.
Voltei a Poções por poucos dias pois aqui, a coisa não estava boa. O São João de Poções, nunca foi comemorado a contento e havia a desvantagem de que o motorzinho que pertencia ao Sr. Braz Labanca, sempre estava falhando e quando não, só funcionava até à meia noite fosse dia de semana, domingo, feriado ou dia santificado. E quando enguiçava ou quebrava qualquer peça pequena, era um Deus nos acuda. Grande parte dos usuários corria até o local, para verificar de perto o ocorrido. O Sr. Nicola Leto, que era o braço direito do proprietário, ficava uma “fera”, quando ocorria qualquer pane no motor. Se o conserto fosse  rápido, era um alívio total. Mas se ocorresse um dano maior, dias e dias de escuridão total era a praxe.
Foi o que ocorreu naquela minha vinda. Passamos uns dois  dias no escuro e imediatamente retornei a Salvador.
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De imediato, fui à Faculdade copiar o horário das provas do primeiro semestre que estavam nessa ordem: Anatomia. Fisiologia, Histologia e Metalurgia.
Interessante era o esquema de aprovação para cada disciplina. Totalmente diferente daquele que estávamos habituados  nos cursos ginasial e colegial. Teríamos que fazer duas provas: sendo uma em junho e a outra em novembro. Para aprovação por disciplina era um total de 14 pontos, na soma das duas provas escritas. Caso a soma ficasse situada entre 10 a 13 pontos, iríamos fazer em dezembro, uma nova prova escrita e uma prova oral, cuja média seria cinco. Se a soma, entretanto ficasse colocada entre 6 e 9 pontos, o aluno cairia no  “vago”, termo criado não sei por quem e aí o estudante teria que fazer, prova oral e prática, cuja média seria somada com a nota da prova escrita, para obter a média final cinco. Meio complicado para quem era iniciante, mas o estudante  teria que aprender. Mas, se em último caso, o aluno só obtivesse entre junho e novembro um total de 0 a 5 pontos, iria direto para fazer segunda época em fevereiro e lá tentar conseguir fazer a média cinco. Mas se mesmo assim, o estudante não alcançasse a média cinco, seria aprovado nas disciplinas restantes, ficando dependente daquela, que não obteve a média para aprovação. Vale salientar que durante o meu curso, vi muitos casos parecidos com esse esquema que mostrei. Hoje em dia não sei como é que funciona.
Um fato muito comum que acontecia no meu tempo de faculdade, era a chamada “ciumada” entre um professor com os seus alunos e por causa disso, quase a nossa turma do primeiro ano ,sobrasse no caminho. O professor de Patologia Clínica do terceiro ano, era o mesmo  que lecionava Histologia em nossa turma. Ao final do primeiro semestre, os alunos do terceiro ano escolheram para Paraninfo outro professor, enquanto o lente de Patologia, que contava como “favas contadas”, a sua escolha, ao saber do resultado,  resolveu descontar em cima de nossa turma. Na prova escrita de Histologia verificou-se apenas uma nota cinco de uma colega, tida por todos nós, como CDF, termo muito usado entre os estudantes de qualquer nível. Todos os demais alunos do primeiro ano, obtiveram um espetacular zero, inclusive o Papai aqui

De imediato, fui à Faculdade copiar o horário das provas do primeiro semestre que estavam nessa ordem: Anatomia. Fisiologia, Histologia e Metalurgia.
Interessante era o esquema de aprovação para cada disciplina. Totalmente diferente daquele que estávamos habituados  nos cursos ginasial e colegial. Teríamos que fazer duas provas: sendo uma em junho e a outra em novembro. Para aprovação por disciplina era um total de 14 pontos, na soma das duas provas escritas. Caso a soma ficasse situada entre 10 a 13 pontos, iríamos fazer em dezembro, uma nova prova escrita e uma prova oral, cuja média seria cinco. Se a soma, entretanto ficasse colocada entre 6 e 9 pontos, o aluno cairia no  “vago”, termo criado não sei por quem e aí o estudante teria que fazer, prova oral e prática, cuja média seria somada com a nota da prova escrita, para obter a média final cinco. Meio complicado para quem era iniciante, mas o estudante  teria que aprender. Mas, se em último caso, o aluno só obtivesse entre junho e novembro um total de 0 a 5 pontos, iria direto para fazer segunda época em fevereiro e lá tentar conseguir fazer a média cinco. Mas se mesmo assim, o estudante não alcançasse a média cinco, seria aprovado nas disciplinas restantes, ficando dependente daquela, que não obteve a média para aprovação. Vale salientar que durante o meu curso, vi muitos casos parecidos com esse esquema que mostrei. Hoje em dia não sei como é que funciona.
Um fato muito comum que acontecia no meu tempo de faculdade, era a chamada “ciumada” entre um professor com os seus alunos e por causa disso, quase a nossa turma do primeiro ano ,sobrasse no caminho. O professor de Patologia Clínica do terceiro ano, era o mesmo  que lecionava Histologia em nossa turma. Ao final do primeiro semestre, os alunos do terceiro ano escolheram para Paraninfo outro professor, enquanto o lente de Patologia, que contava como “favas contadas”, a sua escolha, ao saber do resultado,  resolveu descontar em cima de nossa turma. Na prova escrita de Histologia verificou-se apenas uma nota cinco de uma colega, tida por todos nós, como CDF, termo muito usado entre os estudantes de qualquer nível. Todos os demais alunos do primeiro ano obtiveram um espetacular zero inclusive o Papai aqui. Como não havia mais possibilidades de fazer 14 pontos, o jeito foi estudar com afinco para a prova de novembro e todo mundo torcendo para que o Professor não fizesse outra igual. Dias antes da prova de novembro, em sala de aula, ele simplesmente deu o seguinte aviso :
“---Nessa prova escrita que faremos na semana vindoura, quem fizer tudo certinho, só conseguirá tirar a nota sete.”
Foi um Deus nos acuda! Qualquer descuido de nossa parte, tirando um cinco, iríamos direto para segunda época em fevereiro. Chamei João Alves Pereira, aquele amigo e colega de Iguaí, Otávio Conceição Mendonça, meu vizinho de rua e Péricles Alves do Nascimento, que residia quase na Ribeira, para organizarmos um  meio de estudar em conjunto, pois um iria tirando as dúvidas dos demais. Otávio não quis participar alegando que era filho único e os pais dele por serem muito idosos, poderiam necessitar de sua companhia à noite. Fizemos um revezamento, onde cada qual receberia os dois, em dias alternados. Por incrível que pareça o nosso plano deu certo e nós três tiramos sete, o que nos levou diretamente para o “vago”. Aconteceu o previsível. Dos 73 colegas que haviam tirado zero, somente dez escaparam de ir direto para fevereiro.
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        Um colega do terceiro ano a fim de acabar definitivamente com a rusga e o mal estar entre a turma deles e o Professor em questão, aproveitou do seu aniversário e convidou-o para participar de sua festinha. A residência do rapaz era na Barroquinha e sendo amigo muito íntimo do meu colega de infância, João Alves Pereira que por sua vez estendeu o convite para mim. Aceitei o convite e lá cheguei próximo das 20 horas. De nossa turma do primeiro ano, somente João e eu. Os demais eram alunos do terceiro ano e mais alguns convidados do aniversariante. O Professor, ladeado por diversas pessoas e num determinado momento, João pegou-me pelo braço e levou-me até a presença dele, dizendo:
“---Pessoal da licença. Professor quero mostrar esse colega nosso, que foi um dos dez que tiraram a nota sete na prova escrita e que amanhã irá dar um show entra a oral e a prática.”
O Professor olhou-me assim  de um certo modo, de cima a baixo, como quem está medindo alguma coisa para poder se lembrar depois e disse:
“ ---Faço votos que repita outro sete.” Esta foi a resposta LACÔNICA   dele.
Fiquei aborrecido e chateado com a atitude de João. Não levei nem mais de dez minutos na festa. Fui para casa pensando no que poderia ocorrer no dia seguinte. “ Será que o professor iria me marcar”. “ João havia falado que eu daria um show”...
No dia seguinte na Faculdade, no horário da prova oral, havia até torcida organizada. Todos torcendo por todos. O Professor, enviou cinco de nós ao laboratório de prática, para o assistente dele, ir adiantando o serviço, enquanto os outro cinco, inclusive eu, ficamos com ele, para participar do exame oral. Apo chegar a minha vez, ele me disse:
“---Você foi um dos que tiraram sete na escrita. Então, é porque sabe mesmo  aquele assunto, não é mesmo ? não iremos sortear ponto algum. Sente-se e começaremos a sua prova oral, pelo primeiro quesito da prova escrita.”
E daquele jeito, fiz toda a prova oral, com o mesmo assunto que caiu na prova escrita, embora, à maneira dele, havia mudanças no questionamento das perguntas. Depois,  falou:
“---Agora vá a sala de prática e faça a sua prova com o meu assistente.”
Novamente eu fizera um bom exame, contando com a torcida da turma , que ficava bem próxima, assistindo a tudo bem interessada, para também avaliar como eles todos, seriam recebidos na prova de fevereiro . Foi de fato, uma parte da manhã, bem tensa. No meu caso, estaria aguardando um novo sete, para repetir a nota da prova escrita. Pensativo nos acontecimentos daquela manhã e ainda me recordando da noite passada, dirigi-me ao laboratório. Já encontrei pelo caminho, alguns colegas, aborrecidos com o tipo de exame que estava sendo imposto. Agora, bem nervoso, entrei.


LACÔNICA: Que usa de poucas palavras. Conciso. Breve

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Sorteado o ponto, o assistente mandou-me sentar próximo  a uma mesa com um microscópio e colocou umas lâminas para começar o meu exame.  O fato é que errei mais do que acertei, pois  o esquema era o de reprovar, quem bobeasse. Depois da prova prática, os comentários no corredor, não foram nada agradáveis. Ninguém havia feito boa prova prática. A nossa salvação, seria mesmo a prova oral, mesmo encarando de perto aquele Professor. Uma hora depois que o Professor e seu assistente, retiraram-se da Faculdade nós chamamos o BEDEL. Entregamos a ele uma pequena quantia em dinheiro, para que nos trouxesse a lista com as nossas notas. Nessa expectativa, cada um começava a fazer as contas. Eu que tirara sete na prova escrita. Fiz o seguinte cálculo. Outro sete na oral com um três na prática, já me dava média cinco, independentemente da prova escrita. Dali a instantes o bedel trouxe a lista e os mais afoitos, agarraram a lista forçando a que todos os demais corressem atrás deles. Foi uma euforia geral, porque um deles gritou parta a turma toda.
“---Todo mundo passou.”
  Mas, depois com calma, alguns foram saindo, para que Péricles e eu olhássemos com calma as nossas notas. Vi claramente o meu nome com as notas ao lado. Prova escrita, sete. Prova oral cinco e prova prática um. Média final cinco. Aquele “vago” foi o primeiro e último na minha vida escolar. Dois dias depois fiz a prova de Fisiologia, ficando com média seis e sendo aprovado para cursar no ano seguinte o segundo ano de Odontologia. Mesmo estudando conosco, João Alves Pereira nos acompanhou o tempo todo, mas preferiu deixar para fevereiro os seus exames.
Voltei a Poções, aqui chegando antes do Natal e fui procurado por dois advogados novatos na cidade, que gostariam de travar conhecimento com estudantes do nível médio e do curso superior, para organizarem um jornalzinho e nele difundir ideias, para aprimorar artes, música, teatro, esporte, enfim tudo o que satisfizesse o adolescente, principalmente os moradores da cidade.
Os dias foram passando e soube que o clube social estaria organizando a festa do Réveillon do 31 de dezembro e uma matiné dançante para o dia primeiro de janeiro de 1952.
Papai não era sócio do clube e só me restava comprar ingresso, o que não foi difícil, mas alguém teria que ser o responsável por minha conduta no recinto. Recorri ao Sr. Bernardo Messias, pois era a única pessoa que eu conhecia, mas infelizmente ele como Diretor do clube, não poderia apresentar-me. Era uma regra estatutária e ele não queria infringir. Como Papai era amigo dos italianos, resolveu pedir ao Sr. Corinto Sarno, que prontamente aquiesceu e só vim a conhecê-lo dias depois. Um amigo nosso, cujo nome não vou declinar por questão de ética, pediu-me para dançar algumas vezes com a sua namorada, porque estava suspenso e não poderia frequentar o clube.


BEDEL : funcionário subalterno em alguns estabelecimentos de ensino. Funcionário encarregado de manter a disciplina na escola. Inspetor.

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