sábado, 6 de abril de 2013

Autobiografia de Irundy Dias ( p 16 )


Papai , Mamãe e eu acompanhamos constrangidos até o último minuto o resultado daquele jogo, que a principio nos parecia favorável, mas a garra dos uruguaios, fez prevalecer no resultado final. Saí de lá de casa com a cabeça quente e fui desafogar as minhas mágoas no Clube Social de Poções, que funcionava numa casa alugada ao Sr. José Blois e era situado na velha Praça da Matriz. As matinês dançantes eram realizadas todos os domingos das 16 às 19 horas, naquela casa que foi modificada pela Diretoria, com o consentimento do proprietário. O presidente  do clube era o sargento do Tiro de Guerra, Alfred Jacob François e  mantinha com a sua Diretoria, um esquema, onde todas as tardes dos domingos, eram realizadas as matinês, onde um conjunto musical daqui mesmo, tocava  as melodias mais em moda da época. Nunca havia frequentado aquele ambiente e achei interessante a concorrência bem, grande de rapazes e moças, o que não acontece hoje em dia. E daí pode-se  tirar alguma conclusão: ou o clube não tem capacidade para proporcionar aos sócios e seus dependentes, horas de lazer em suas dependências ou então, os rapazes e moças de hoje, não querem mais esse tipo de festinha , preferindo mesmo . “assistir” as “bandas” que aprecem por aqui. É verdade, os tempos mudam.
Mas voltando  às matinês. Eu ainda não conhecia ninguém, mas mesmo assim, dancei várias vezes, com diversas mocinhas, porém não sei se elas perceberam, que eu era um dançarino de “MÃO  CHEIA”. Tal performance , foi adquirida nos dancings de Salvador, com garotas profissionais, vindas do Rio de Janeiro e de São Paulo, quando em companhia de Nino( Clóvis Pereira Junior), Humbertão ( Humberto Carlos Neto), Quiquide (Euclides de Souza),íamos aprender diversos  passos de dança, dos mais variados tipos de música, como bolero, rumba, fox, e outras, sendo as mais executadas da época.
Aproveitando as minhas férias, fui então conhecer a cidade de ponta, a ponta, pois nas vezes que passei por aqui, nunca tive uma oportunidade boa, porque preocupado com a continuação da viagem, não me sobrava qualquer tempo. Certo dia,  saí da Praça Deocleciano Teixeira em direção à Rua chamada Itália, por certo, em homenagem a grande colônia italiana instalada na Cidade e principalmente residentes naquela artéria. Naquele mesmo alinhamento, a direita, vi a primeira Igreja Batista  e alguns passos mais adiante, o Grupo  Escolar Alexandre  Porfírio. Indo até o meio da Praça, deparei-me com uma pirâmide de lados triangulares e base hexagonal, tendo em sua volta vários bancos de cimento, que não possuíam encosto. O povo já se  habituara a chamar a tal  pirâmide  de Obelisco e soube posteriormente que ao marcar algum encontro, uma pessoa dizia para a outra: ---“vamos nos encontrar na Praça do Obelisco”. Numa gestão bem mais adiante, certo Prefeito, mandou demolir o obelisco, alegando que  iria reformar a Praça, colocando Parque Infantil, viveiro de peixes, enfim uma parafernália dos diabos.
MÃO CHEIA : ótimo, excelente, perfeito.

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E acontece que, sem fiscalização adequada, primeiramente começaram a roubar os peixinhos, em seguida foram destruindo os brinquedos do parque infantil e como o belisco foi destruído, resultou em que mesmo? Em nada. Você que de vez em quando vai a Prefeitura, ou mesmo, dar um giro ali na praça, observe que não existe mais nada do que tinha. E isso aconteceu a mais de 30 anos e nenhum prefeito achou por bem, em melhorar o visual.
Continuando o meu passeio, ali na Praça, quase confrontando com o Grupo Escolar Alexandre Porfírio, há ainda até hoje, uma casa bem grande  na esquina, que pertencia à família Mascarenhas e eu  soube que  o chefe fora morto com a picada de uma PATRONA.
Voltando ao princípio da Praça, encontramos duas casas vizinhas sendo uma  delas, um prédio assobradado, que por muito tempo  nada funcionou no local, tendo em vista que o povo disse que a casa fora mal construída e poderia cair. Hoje funciona a Prefeitura, sem que tenha havido qualquer distúrbio funcional na estrutura do prédio. Ao lado, existia uma cooperativa entre algumas pessoas. Do outro lado da praça, apareciam nessa ordem, algumas casas, sendo a primeira delas, do Dr. Trindade, um dentista, que não cheguei a conhecer. Vizinha à mesma, uma casa pertencente  à Sociedade União das Classes (SUC)  e mais acima ,a residência da família de Braz Labanca, até chegar na outra esquina, que era  a da família de Saturnino (Ioiô)Macedo.  Dali, partindo em frente, galgava-se a Avenida Peixoto Junior, com algumas casas salteadas ao longo do seu trajeto e seguindo-se  ainda mais adiante, chegava-se a uma estrada de cascalho, que era a chamada Rio Bahia, hoje bem asfaltada. Retornando ao Grupo Escolar Alexandre Porfírio, dobrando-se à direita, chegava-se ao “Pau da Cruz”, célebre local , onde todos os anos, no sábado da Festa, o  povo com a sua fé  inquebrantável , vai até aquele local, iniciar a “buscada do mastro.”
De volta à Praça Deocleciano Teixeira, tomando-se o setor leste, segui por uma ponte de madeira e soube que naquela direção ,ia-se a Morrinhos, um distrito de Poções, que por muitas vezes será citado em nossas narrações e percorrendo a estrada de rodagem, vai-se aos municípios de Nova Canaã, Iguaí e Ibicuí.
Paralelamente à Praça Deocleciano Teixeira, há outra Praça, chamada Góes Calmon, ainda com poucas casas construídas e seguindo-se em direção à Rua São José, passei por outras casas com melhor aspecto, como as residências de Cícero Gusmão, Otávio  Curvêlo, Nercides Andrade e Arnulfo Ramos Silva. Antes de chegar-se à Rua São José, havia um caminho íngreme que conduzia até os bairros do Tigre e do Açude, com casas bem distantes umas das outras, com um povoamento ainda incipiente.

PATRONA : jaracuçu : serpente venenosa de até dois metros de comprimento, encontrada em regiões baixas e alagadiças

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Galgando ainda por aquelas ruas mais afastadas, cheguei novamente ao bairro de Morrinhos. Durante algum tempo, por não haver o Mercado Municipal e também  a Praça Deocleciano Teixeira, não oferecer boa estrutura, os vendedores de diversas mercadorias, especialmente verduras e frutas, escolheram uma das transversais da Rua de Morrinhos, para negociar os seus produtos, alí mesmo ,todas as sextas feiras, após a vendagem, regressavam aos seus locais de origem. Era uma feira antecipada para os munícipes que aos poucos foram transmitindo aos seus parentes, compadres e amigos. Não sei dizer se os prepostos municipais iam até ao local para cobrar os devidos tributos.
Voltando à Praça Deocleciano Teixeira e subindo a ladeira, onde é hoje a Avenida Cônego Pithon, notava-se um grupo de casas em ambos os lados, com o cemitério mais acima e no centro. Dali para cima, mais matagal, até chegar-se à Rio Bahia, por pequenas trilhas, tal qual se faz ainda em certas roças e fazendas.
No setor sul da cidade, nada a acrescentar, pois a Rua da Conquista existia só o nome. As casas eram encontradas muito distantes umas das outras e devido ao grande comprimento da própria rua, ir até  aquele logradouro, somente para quem ali morasse ou tivesse algum parente.
Pois essa, era a Poções que eu conheci  em meados de 1950.
Basta salientar, que qualquer cidadão necessitando de algo mais, que aqui não era encontrado  teria que se  deslocar até Vitória da Conquista, num ônibus, que nos dias normais, fazia o percurso entre três a quatro horas. Lá, se não estivesse com muita pressa, aproveitava o pouco tempo que lhe sobrava, para visitar os parentes e amigos mais chegados. Em caso contrário, se necessitasse  de ir ao médico ou ao dentista, ficaria até o dia seguinte, nas mesmas condições de demora, rezando para o pneu não furar, ou o motor apresentar algum defeito, para lhe ATAZANAR mais o juízo. Alguns anos depois, já namorando Noélia, ainda alcancei aquele mesmo esquema citado nas linhas acima.
No dia 20 de julho, soube, por ouvir alguns comentários, que o Sr. João Gusmão Ferraz,  mais conhecido por Jambinho,  iria casar uma de suas filhas, por nome Amélia, com o Sr. Octaviano Santos Moreira e os “ comes e bebes”, seria na própria residência da família, situada à Rua Félix Gaspar, hoje conhecida por Olímpio Lacerda Rolim, em virtude de que esse senhor, residiu na referia rua por muitos e muitos anos e foi também um Prefeitos da Cidade. Dirigi-me ao local indicado e notei  logo de primeira, que o passeio era bem mais alto do que o nível da rua e por isso em certo trecho, havia uma escadinha com dois degraus, que facilitava a qualquer pessoa  locomover-se até o alto. O casamento em si  já fora oficializado, pois algumas garotas com bandejas na mão, saíam da casa e vinham até ao passeio servir bebidas e comidas aos PENETRAS .Era mesmo, como dia o refrão da música de Erasmo Carlos:”uma festa de arromba”.


ATAZANAR: Atenazar; aborrecer. azucrinar, maltratar; provocar dor.


PENETRAS: Individuo que entra ou que chega a uma festa sem ser convidado

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Papai, como sempre antissocial, recebera o convite do pai da noiva e nada comentou lá em casa Sem saber do ocorrido, fui até lá, como disse em linhas acima e banquei o penetra, como muitos que ali se encontravam. Nunca foi do meu feitio, ir a qualquer lugar sem ser convidado. Apenas discretamente fiquei do lado de fora e como ninguém  me conhecia, passei desapercebido como um JOÃO NIN GUÉM  e me servi  generosamente de todas as iguarias, que passaram ao meu redor. Aí por volta das 23 horas, quando observei que muitos dos convidados se retiravam do recinto, achei por bem retornar á minha casa..
No dia seguinte, domingo, como era de hábito de Papai, almoçar religiosamente ao meio dia, logo depois, do cafezinho, fui até à janela, fumar um cigarrinho, quando avistei duas garotas que vinham pelo passeio conversando e uma delas, parecia até, estar um pouco zangada. Uma delas estava com uns quinze anos e a outra aparentava uns doze. Só mais adiante é que eu soube que a de 15 anos, chamava-se Nicinha e outra, da carinha meio zangada, era irmã da Amélia, que havia se casado. Chamava-se Noélia e estava com a carinha amarrada, porque o seu pai naquela hora, achou por bem em convidar algumas famílias para o almoço de congraçamento.
Observei que as duas garotas entraram pelo portão e subiram as escadas da casa, onde residíamos. Fui atendê-las e a garota por nome Noélia assim se expressou:
“---Boa tarde. Meu pai, mandou avisá-los que o almoço do casamento de minha irmã Amélia, será servido daqui  há pouco.”
Agradeci  pelo  convite, sentindo nas palavras da garota, que o pai delas havia realizado um casamento para ninguém botar defeito, pois além de realizar aquela recepção na noite anterior, ainda iria oferecer almoço aos convidados. Quando as garotas foram embora, dirigi-me ao quarto onde Mamãe tirava um princípio de sua soneca e comentando sobre o convite, ela me respondeu:
“---Seu pai, sempre foi antissocial. Moramos onze anos em Iguaí e ele nunca foi capaz de levar-me a algum casamento, ou outra qualquer festividade.”
Terminadas as férias do meio do ano de 1950, regressei a Salvador para concluir o meu curso colegial no Antônio Vieira, onde ao final do ano ganhei cinco medalhas de primeiro lugar, cujo feito já foi registrado em linhas atrás.
A fim de enfrentar o vestibular, já me achava bem preparado em Química e Biologia mesmo porque tive os melhores professores da cidade, na época, nas pessoas do Padre Borginha em Química e o célebre padre Camilo Torrend em Biologia. Quanto à Física, essa foi a asa negra de todos os alunos do Vieira, porque nos três anos consecutivos, não ficamos com o mesmo professor. Cada um que chegava, expunha o assunto à sua maneira e vivenciamos uma tremenda mistura de fórmulas e conceitos que nos deixou, bem atrapalhados.


JOÃO NINGUÉM : homem sem importância alguma. Zé ninguém. Zé dos anzóis.

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