Papai ,
Mamãe e eu acompanhamos constrangidos até o último minuto o resultado daquele
jogo, que a principio nos parecia favorável, mas a garra dos uruguaios, fez
prevalecer no resultado final. Saí de lá de casa com a cabeça quente e fui
desafogar as minhas mágoas no Clube Social de Poções, que funcionava numa casa
alugada ao Sr. José Blois e era situado na velha Praça da Matriz. As matinês
dançantes eram realizadas todos os domingos das 16 às 19 horas, naquela casa
que foi modificada pela Diretoria, com o consentimento do proprietário. O
presidente do clube era o sargento do Tiro de Guerra, Alfred Jacob
François e mantinha com a sua Diretoria,
um esquema, onde todas as tardes dos domingos, eram realizadas as matinês, onde
um conjunto musical daqui mesmo, tocava
as melodias mais em moda da época. Nunca havia frequentado aquele
ambiente e achei interessante a concorrência bem, grande de rapazes e moças, o
que não acontece hoje em dia. E daí pode-se tirar alguma conclusão: ou o clube não tem
capacidade para proporcionar aos sócios e seus dependentes, horas de lazer em
suas dependências ou então, os rapazes e moças de hoje, não querem mais esse
tipo de festinha , preferindo mesmo . “assistir” as “bandas” que aprecem por
aqui. É verdade, os tempos mudam.
Mas voltando às matinês. Eu ainda não conhecia ninguém,
mas mesmo assim, dancei várias vezes, com diversas mocinhas, porém não sei se
elas perceberam, que eu era um dançarino de “MÃO
CHEIA”.
Tal performance , foi adquirida nos dancings de Salvador, com garotas
profissionais, vindas do Rio de Janeiro e de São Paulo, quando em companhia de
Nino( Clóvis Pereira Junior), Humbertão ( Humberto Carlos Neto), Quiquide
(Euclides de Souza),íamos aprender diversos passos de dança, dos mais variados tipos de
música, como bolero, rumba, fox, e outras, sendo as mais executadas da época.
Aproveitando
as minhas férias, fui então conhecer a cidade de ponta, a ponta, pois nas vezes
que passei por aqui, nunca tive uma oportunidade boa, porque preocupado com a
continuação da viagem, não me sobrava qualquer tempo. Certo dia, saí da Praça Deocleciano Teixeira em direção à
Rua chamada Itália, por certo, em homenagem a grande colônia italiana instalada
na Cidade e principalmente residentes naquela artéria. Naquele mesmo
alinhamento, a direita, vi a primeira Igreja Batista e alguns passos mais adiante, o Grupo Escolar Alexandre Porfírio. Indo até o meio da Praça, deparei-me
com uma pirâmide de lados triangulares e base hexagonal, tendo em sua volta vários
bancos de cimento, que não possuíam encosto. O povo já se habituara a chamar a tal pirâmide
de Obelisco e soube posteriormente que ao marcar algum encontro, uma
pessoa dizia para a outra: ---“vamos nos encontrar na Praça do Obelisco”. Numa
gestão bem mais adiante, certo Prefeito, mandou demolir o obelisco, alegando
que iria reformar a Praça, colocando
Parque Infantil, viveiro de peixes, enfim uma parafernália dos diabos.
MÃO CHEIA
: ótimo, excelente, perfeito.
x.x.x
E acontece que, sem fiscalização
adequada, primeiramente começaram a roubar os peixinhos, em seguida foram
destruindo os brinquedos do parque infantil e como o belisco foi destruído,
resultou em que mesmo? Em nada. Você que de vez em quando vai a Prefeitura, ou
mesmo, dar um giro ali na praça, observe que não existe mais nada do que tinha.
E isso aconteceu a mais de 30 anos e nenhum prefeito achou por bem, em melhorar
o visual.
Continuando o meu passeio, ali na
Praça, quase confrontando com o Grupo Escolar Alexandre Porfírio, há ainda até
hoje, uma casa bem grande na esquina,
que pertencia à família Mascarenhas e eu
soube que o chefe fora morto com
a picada de uma PATRONA.
Voltando ao princípio da Praça,
encontramos duas casas vizinhas sendo uma
delas, um prédio assobradado, que por muito tempo nada funcionou no local, tendo em vista que o
povo disse que a casa fora mal construída e poderia cair. Hoje funciona a
Prefeitura, sem que tenha havido qualquer distúrbio funcional na estrutura do
prédio. Ao lado, existia uma cooperativa entre algumas pessoas. Do outro lado
da praça, apareciam nessa ordem, algumas casas, sendo a primeira delas, do Dr.
Trindade, um dentista, que não cheguei a conhecer. Vizinha à mesma, uma casa
pertencente à Sociedade União das
Classes (SUC) e mais acima ,a residência
da família de Braz Labanca, até chegar na outra esquina, que era a da família de Saturnino (Ioiô)Macedo. Dali, partindo em frente, galgava-se a
Avenida Peixoto Junior, com algumas casas salteadas ao longo do seu trajeto e seguindo-se
ainda mais adiante, chegava-se a uma
estrada de cascalho, que era a chamada Rio Bahia, hoje bem asfaltada. Retornando
ao Grupo Escolar Alexandre Porfírio, dobrando-se à direita, chegava-se ao “Pau
da Cruz”, célebre local , onde todos os anos, no sábado da Festa, o povo com a sua fé inquebrantável , vai até aquele local, iniciar
a “buscada do mastro.”
De volta à Praça Deocleciano Teixeira,
tomando-se o setor leste, segui por uma ponte de madeira e soube que naquela
direção ,ia-se a Morrinhos, um distrito de Poções, que por muitas vezes será
citado em nossas narrações e percorrendo a estrada de rodagem, vai-se aos
municípios de Nova Canaã, Iguaí e Ibicuí.
Paralelamente à Praça Deocleciano
Teixeira, há outra Praça, chamada Góes Calmon, ainda com poucas casas construídas
e seguindo-se em direção à Rua São José, passei por outras casas com melhor
aspecto, como as residências de Cícero Gusmão, Otávio Curvêlo, Nercides Andrade e Arnulfo Ramos
Silva. Antes de chegar-se à Rua São José, havia um caminho íngreme que conduzia
até os bairros do Tigre e do Açude, com casas bem distantes umas das outras,
com um povoamento ainda incipiente.
PATRONA :
jaracuçu : serpente venenosa de até dois metros de comprimento, encontrada em
regiões baixas e alagadiças
x.x.x
Galgando ainda por aquelas ruas mais
afastadas, cheguei novamente ao bairro de Morrinhos. Durante algum tempo, por
não haver o Mercado Municipal e também a
Praça Deocleciano Teixeira, não oferecer boa estrutura, os vendedores de diversas
mercadorias, especialmente verduras e frutas, escolheram uma das transversais
da Rua de Morrinhos, para negociar os seus produtos, alí mesmo ,todas as sextas
feiras, após a vendagem, regressavam aos seus locais de origem. Era uma feira
antecipada para os munícipes que aos poucos foram transmitindo aos seus
parentes, compadres e amigos. Não sei dizer se os prepostos municipais iam até
ao local para cobrar os devidos tributos.
Voltando à Praça Deocleciano Teixeira
e subindo a ladeira, onde é hoje a Avenida Cônego Pithon, notava-se um grupo de
casas em ambos os lados, com o cemitério mais acima e no centro. Dali para
cima, mais matagal, até chegar-se à Rio Bahia, por pequenas trilhas, tal qual
se faz ainda em certas roças e fazendas.
No setor sul da cidade, nada a
acrescentar, pois a Rua da Conquista existia só o nome. As casas eram encontradas
muito distantes umas das outras e devido ao grande comprimento da própria rua,
ir até aquele logradouro, somente para quem
ali morasse ou tivesse algum parente.
Pois essa, era a Poções que eu conheci
em meados de 1950.
Basta salientar, que qualquer
cidadão necessitando de algo mais, que aqui não era encontrado teria que se deslocar até Vitória da Conquista, num ônibus,
que nos dias normais, fazia o percurso entre três a quatro horas. Lá, se não estivesse
com muita pressa, aproveitava o pouco tempo que lhe sobrava, para visitar os
parentes e amigos mais chegados. Em caso contrário, se necessitasse de ir ao médico ou ao dentista, ficaria até o
dia seguinte, nas mesmas condições de demora, rezando para o pneu não furar, ou
o motor apresentar algum defeito, para lhe ATAZANAR
mais o juízo. Alguns anos depois, já namorando Noélia, ainda alcancei aquele
mesmo esquema citado nas linhas acima.
No dia 20 de julho, soube, por
ouvir alguns comentários, que o Sr. João Gusmão Ferraz, mais conhecido por Jambinho, iria casar uma de suas filhas, por nome
Amélia, com o Sr. Octaviano Santos Moreira e os “ comes e bebes”, seria na
própria residência da família, situada à Rua Félix Gaspar, hoje conhecida por Olímpio
Lacerda Rolim, em virtude de que esse senhor, residiu na referia rua por muitos
e muitos anos e foi também um Prefeitos da Cidade. Dirigi-me ao local indicado
e notei logo de primeira, que o passeio
era bem mais alto do que o nível da rua e por isso em certo trecho, havia uma
escadinha com dois degraus, que facilitava a qualquer pessoa locomover-se até o alto. O casamento em si já fora oficializado, pois algumas garotas com
bandejas na mão, saíam da casa e vinham até ao passeio servir bebidas e comidas
aos PENETRAS . Era mesmo, como dia o refrão da música de Erasmo Carlos:”uma
festa de arromba”.
ATAZANAR:
Atenazar; aborrecer. azucrinar, maltratar; provocar dor.
PENETRAS:
Individuo que entra ou que chega a uma festa sem ser convidado
x.x.x
Papai, como sempre antissocial, recebera o convite do pai da
noiva e nada comentou lá em casa Sem saber do ocorrido, fui até lá, como disse
em linhas acima e banquei o penetra, como muitos que ali se encontravam. Nunca
foi do meu feitio, ir a qualquer lugar sem ser convidado. Apenas discretamente
fiquei do lado de fora e como ninguém me
conhecia, passei desapercebido como um JOÃO NIN GUÉM e me servi generosamente de todas as iguarias, que
passaram ao meu redor. Aí por volta das 23 horas, quando observei que muitos
dos convidados se retiravam do recinto, achei por bem retornar á minha casa..
No dia seguinte, domingo, como era de hábito de Papai,
almoçar religiosamente ao meio dia, logo depois, do cafezinho, fui até à
janela, fumar um cigarrinho, quando avistei duas garotas que vinham pelo
passeio conversando e uma delas, parecia até, estar um pouco zangada. Uma delas
estava com uns quinze anos e a outra aparentava uns doze. Só mais adiante é que
eu soube que a de 15 anos, chamava-se Nicinha e outra, da carinha meio zangada,
era irmã da Amélia, que havia se casado. Chamava-se Noélia e estava com a carinha
amarrada, porque o seu pai naquela hora, achou por bem em convidar algumas
famílias para o almoço de congraçamento.
Observei que as duas garotas entraram pelo portão e subiram
as escadas da casa, onde residíamos. Fui atendê-las e a garota por nome Noélia
assim se expressou:
“---Boa tarde. Meu pai, mandou avisá-los que o almoço do
casamento de minha irmã Amélia, será servido daqui há pouco.”
Agradeci pelo convite, sentindo nas palavras da garota, que
o pai delas havia realizado um casamento para ninguém botar defeito, pois além
de realizar aquela recepção na noite anterior, ainda iria oferecer almoço aos
convidados. Quando as garotas foram embora, dirigi-me ao quarto onde Mamãe
tirava um princípio de sua soneca e comentando sobre o convite, ela me
respondeu:
“---Seu pai, sempre foi antissocial. Moramos onze anos em
Iguaí e ele nunca foi capaz de levar-me a algum casamento, ou outra qualquer
festividade.”
Terminadas as férias do meio do ano de 1950, regressei a
Salvador para concluir o meu curso colegial no Antônio Vieira, onde ao final do
ano ganhei cinco medalhas de primeiro lugar, cujo feito já foi registrado em
linhas atrás.
A fim de enfrentar o vestibular, já me achava bem preparado
em Química e Biologia mesmo porque tive os melhores professores da cidade, na
época, nas pessoas do Padre Borginha em Química e o célebre padre Camilo Torrend
em Biologia. Quanto à Física, essa foi a asa negra de todos os alunos do
Vieira, porque nos três anos consecutivos, não ficamos com o mesmo professor.
Cada um que chegava, expunha o assunto à sua maneira e vivenciamos uma tremenda
mistura de fórmulas e conceitos que nos deixou, bem atrapalhados.
JOÃO NINGUÉM : homem sem importância alguma. Zé ninguém. Zé
dos anzóis.
x.x.x
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