sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Autobiografia de Irundy Dias ( p 52)

Em fevereiro de 1975, alguns associados da ACASCP ( Associação de Cultura e Assistência Social da Cidade de Poções), me delegaram poderes, para tentar recuperar a parte física e social da Entidade, abandonada por algum tempo, já apresentando um estado LASTIMÁVEL, tanto no aspecto da sede ,como em sua volta. Aceitei a incumbência, sabendo de antemão, que não poderia fazer nenhum milagre, mas pelo menos tirar o clube daquele estado de penúria, para tentar torná-lo apresentável aos olhos dos sócios ou de seus convidados. Procurei logo inicialmente a pessoa que era chamada de zelador e que estava com as chaves das dependências do prédio. Convidei uns dois associados para olhar comigo a situação da sede social e o que vi foi de estarrecer. Os sanitários masculino e feminino estavam com seus vasos quase que totalmente quebrados. A sujeira e a fedentina eram por demais insuportáveis. As pias entupidas e não saia água pelas torneiras, porque a sujeira do tanque não deixava a mesma  escorrer pelo canos. As paredes sujas. O fôrro mal cuidado. O piso, por incrível que pareça era o que apresentava o melhor aspecto, embora faltassem alguns tacos. As janelas não possuíam vidros Do lado de fora do prédio, haviam feito com o passar do tempo, duas estradas   deixando-o completamente isolado e exposto a ação perversa dos vândalos. Então, naquela primeira visita, constatamos que urgia levantarmos um muro para poder isolar a área circundante ao prédio. E o dinheiro de onde sairia?
Nessas conjecturas de como começar os trabalhos, eis que eu recebo em nossa residência, um oficio da Junta de Conciliação e Julgamento, sediada em Vitória da Conquista para atender a um processo movido pelo ex-zelador, contra o clube, para atender e regularizar a situação trabalhista do mesmo.
Enquanto isso, pedi permissão ao Delegado, para que o clube realizasse bingos aos sábados a noite e domingos pela manhã, para conseguirmos amealhar algum dinheiro, para fazer face as despesas que se avizinhavam de imediato.
Contratamos os serviços de um pedreiro e um ajudante, para iniciar as obras de levantamento do muro e o material necessário, como blocos de cimento, areia, ferro e sacos de cimento, foram adquiridos, para pagamento a prazo, e  de forma  semanal.
Até chegar o dia do Julgamento do processo, consegui gratuitamente com um amigo nosso advogado e residente em Vitória da Conquista, a defesa do clube e concluídas as demarches, o clube deveria indenizar o ex-zelador em quinze mil cruzeiros que deveriam ser pagos em dez parcelas de um mil e quinhentos cruzeiros.
No mês de março, apareceu  em nossa residência, o representante de um conjunto de Cruz das Almas, propondo realizar uma festa dançante num sábado ou num domingo, com preços bem razoáveis. Aleguei que o clube estava numa fase de transição e não poderia arcar com a responsabilidade de fazer festa com preços altos. Depois de algumas conversações, a festa sendo num sábado, sairia por dezoito mil cruzeiros, com a viagem por conta do conjunto, mas a hospedagem na pensão e o lanche durante a festa seriam por conta do clube. Naquele bate papo, lembrei-me que a festa do Divino sempre era encerrada num domingo. Porque não aproveitar a data sem que o individuo soubesse?

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Aí ,tomando uma coragem repentina saí com essa :
---Meu caro amigo o clube ainda não tem condições de realizar festa aos sábados. Dezoito mil, fora a pensão e lanche irão sair muito caro. Qual o preço que o senhor fará num domingo?
O representante do conjunto pensou um pouco e perguntou:
---Para quando o senhor quer a festa?
---Vamos olhar aqui um calendário--- respondi.
Olhando então, um calendário nosso de parede, verifiquei que o domingo de Pentecostes cairia no dia 18 de maio. Continuei:
---Vamos escolher esse domingo aqui. Vocês já tem algum contrato nessa data.?
---Não .
---Ótimo. Qual o preço então sem a obrigação nossa de pagar pensão. O lanche será por nossa conta.
O representante olhou para mim e disse;
---Que tal dois mil cruzeiros ?
Com aquele preço, durante a realização da festa do Divino, pensei comigo:
“Nessa festa, vamos ganhar tanto dinheiro, que o clube não terá nem lugar prá guarda-lo.”
--- Está fechado . Vamos assinar o contrato !
Ainda em março, conseguimos os serviços de um cobrador, para tentar colocar as mensalidades em dia.
Enquanto por um lado, nós tentávamos melhorar a situação do clube, os próprios vândalos da Cidade destruíam certas partes do muro, já levantadas e o pedreiro logo pela manhã chegava lá em casa aborrecidíssimo. E não era para ficar mesmo? Como é que você está executando um trabalho e vem alguém propositalmente e destrói aquilo que já está feito ?
Em companhia de dois sócios abnegados, compramos os vidros e a massa própria para prendê-los nas molduras das janelas. Foi um trabalho que realizamos todos os sábados no período da manhã, como também nos domingos pela manhã e a tarde. Para que nenhum vândalo tentasse quebrá-los, começamos o serviço pelas janelas da frente do clube, pois ficando mais próximas da pista da Avenida Cônego Pithon, tornar-se-ia mais fácil para nós, a fiscalização. Então, a medida que o muro ia sendo levantado, nós íamos acompanhando a confecção do nosso serviço. Em breve ,também, as duas estradas que passavam dentro da área do clube, deixaram de existir com a construção do muro.

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Em maio, tive a audácia de ir até Banco do Brasil e tomei emprestado em meu nome, com o aval de Carlos Torres, a quantia de vinte mil cruzeiros, para concluir e pagar o restante dos serviços que estavam sendo executados. Os sócios mais íntimos à minha pessoa ficaram receosos, mas em reunião com o grupo, afirmei categoricamente:
---Gente, com a realização da festa no domingo de Pentecostes, que é o último dia das Festas do Divino, iremos recuperar esses vinte mil cruzeiros e pelos meus cálculos, pretendemos arrecadar mais uma quantia superior a essa. Vocês todos estão vendo que o nosso bingo está funcionando a ”pleno vapor”.
Até os mais incrédulos concordaram e seguimos nos nossos planos.
Mais adiante em outra reunião, disse para a turma:
---No segundo semestre, nós iremos funcionar aos domingos à tarde, com matinês dançantes, para adultos e jovens, principalmente a criançada filhos dos sócios.
---Você está com muita coragem, doutor—disse um dos colaboradores.
---Espero que tudo dê certo. Reparem que até hoje não nos apertamos para pagar os mil e quinhentos cruzeiros da indenização do ex-zelador.
Como prevíramos, a festa foi um sucesso. Os sócios e suas famílias, puderam participar de um evento que há tempos o clube não proporcionava. Vendemos muitos ingressos a pessoas selecionadas com muito carinho. E no final, como também esperávamos, arrecadamos o suficiente para colocarmos todas as despesas em dias. Quando na terça feira eu cheguei ao Banco do Brasil para pagar o empréstimo, o funcionário que me atendeu disse-me:
---Doutor, o senhor ainda tem três meses para pagar o empréstimo.
---Obrigado, mas já trouxe o dinheiro que está aqui comigo.

Lá adiante, em comum acordo com muitos pais associados ou não, fizemos uma reunião para em outubro realizarmos a festa de debutantes. Minha filha Mercês também iria  participar, tal qual aconteceu na época de Sybele.

Quando chegou a data prevista, foi o acontecimento do ano. Muitas moças debutantes bonitas, encheram os olhos da rapaziada. Mercês e eu, dançamos a valsa participamos ativamente do desenrolar da festa, que não visou lucro para o Clube.
No Réveillon, trabalhamos para não ficarmos no vermelho e conseguimos praticamente zerar receita com despesa.
Na segunda quinzena de janeiro de 1976, realizamos as eleições depois de divulgarmos com bem antecedência.  A referida. Nenhuma chapa se inscreveu e praticamente ganhamos sem nenhuma cosntestação,

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Agora sim. De acordo com os Estatutos a nossa Diretoria foi eleita soberanamente, O ano que passou era um aglomerado de pessoas tentando reerguer uma entidade quase falida. Tudo ia de vento em popa, mas não esperávamos o que iria acontecer no carnaval. Muitos sócios viajaram, para pegar as suas praias. Outros que não gostavam de Carnaval nem no clube apareceram. E resultado foi  triste e melancólico. Financeiramente tomamos uma pancada no valor de quatorze mil cruzeiros e na primeira reunião depois do Carnaval abri o bico dizendo:
---No ano que vem não contem comigo para realizar o Carnaval, Os sócios já deram a sua resposta. Numa festa só, perdermos quatorze mil cruzeiros, teremos que trabalhar muito para recuperar esse prejuízo que não estava no nosso programa.
---Foi azar nosso --- disse um.
---O pessoal há tempos que não participava de Carnaval, achou melhor ir a praia--- disse outro.
Engoli os comentários em seco para não criar mais polêmica. Entretanto ao chegar a Festa do Divino de 1976, conseguimos reaver um pouco do prejuízo. No período de setembro/outubro não conseguimos formar o grupo de debutantes. Em compensação, recebi uma pequena carta do Deputado Manoel Novaes, dizendo que da sua verba pessoal, colocara uma pequena quota para o clube aplicar em assistência social e que depois ele explicaria melhor como funcionar quando a verba chegasse até a conta do clube, no Banco do Brasil. E de fato, antes do final do ano, verifiquei um depósito em conta da ACASCP. Reunida a Diretoria deliberamos aplicar aquela verba, no funcionamento de uma escolinha só para criancinhas de três a cinco anos, que ainda não estivesse alfabetizada. Pelos nossos cálculos a verba daria apenas para funcionar a escolinha, com  todas as despesas pagas entre seis a oito meses. Contratamos a professora Silvia, filha do Sargento do Tiro de Guerra, Severino Bispo dos Santos e a mesma trabalhou enquanto durou a verba. Como não veio outra, no ano seguinte, encerrou-se aquela história inédita na vida ACASCP.
As matinês continuaram num ritmo crescente, pois o pessoal já ficou acostumado em todas as tardes, dos domingos ir até a sede do clube para participar das festinhas. Sandoval, Pitôco, Chicão, José Carlos e mais outros, compunham os elementos do conjunto musical, para animar aquele ambiente sadio.
Ao chegar o novo ano de 1977, o Sr. Otávio José Curvêlo já fora eleito o novo Prefeito de Poções, de onde a população aguardava um bom desempenho.
Em Janeiro, então reuni a Diretoria e reafirmei o meu propósito de não participar à frente dos festejos carnavalescos.
---Mas doutor, é o nosso último ano de gestão... --- explicou um
---O ano passado deu prejuízo, mas esse ano nós iremos fazer uma campanha junto aos sócios, e o sucesso será garantido...  --- explicou um outro diretor.


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Seguiu-se uma boa discussão democrática, onde  cada qual expôs o seu ponto de vista, mas senti que no “frigir dos ovos”, a maioria queria realizar a festa do carnaval. Como eu senti de perto, que apenas uns dois ou três estavam ao meu lado, falei abertamente;
---Vou passar o cargo ao vice-presidente, porque durante o Carnaval não estarei aqui em Poções.
Como faltavam poucos dias para a realização das festas do período momesco, não quis interferir na atuação da Diretoria que ficou encarregada de levar avante o plano e faltando dois a três dias, ausentei-me da Cidade, indo curtir o carnaval em Salvador, pois há muitos anos estive ausente, inda mais naquele período, onde os trios elétricos haviam se multiplicado.
Na volta, tentei saber do resultado, em encontros casuais com alguns da Diretoria. Mas, oficialmente, somente depois de um mês que o carnaval já se passara, é que fui convidado a participar de uma reunião, para ver de perto os detalhes da festa. Logo no princípio observei que o semblante da maioria , estava carrancudo. Quem fez a explanação principal, foi o nosso saudoso amigo Carlos Tôrres, que era o tesoureiro, que despejou uma papelada sobre as mesas, mostrando o que se arrecadou, com o mapa das poucas mesas vendidas e aquele pequeno maço de ingressos. A maioria esmagadora, era de papéis referentes a todas as despesas, incluindo até gratificação aos policiais que atuaram nas três noites de festa. Enquanto o tempo passava, eu já meditava comigo, sem esboçar qualquer reação ou fazer algum comentário:
“ A bomba vai estourar pior do que a do ano passado. “
Em certo momento , Carlito disse:
--- Não nos esqueçamos, que demonstrando a maior boa vontade conosco, o atual Prefeito José Otávio Curvêlo, nos ajudou e gostaria de pedir até ao nobre secretário que constasse em ata.
No resultado final, como eu já estava prevendo, o prejuízo total foi acima de quarenta mil cruzeiros. Na mesma hora botei as duas mãos na cabeça e explanei:
--- Estão vendo aí, porque eu não queria assumir esse “abacaxi”. Trabalhamos um ano inteirinho, para deixar o clube numa situação cômoda e agora, em três dias, jogarmos dinheiro fora, ficando com um rombo de quarenta mil cruzeiros de prejuízo.O resto da sessão foi de zum zum, zum.Ao passar do tempo, fomos aos poucos, com os eventos que apareciam, sanando aquele prejuízo, ao ponto de quase ao final do ano recebermos a visita inesperada de Josemar Leite Ferreira, que também era sócio. Ele nos contou que o Prefeito tinha contratado os serviços de uma retroescavadeira. Então ele pediu ao Prefeito, para que a máquina abrisse um buraco no terreno do clube, a fim de que futuramente, as novas diretorias mandassem construir uma piscina.Quando em janeiro de 1978, passamos o cargo ao novo Presidente, na pessoa do sócio Romano Schettini, já deixamos algo pra que ele pudesse começar a sua gestão. No local da futura piscina, o buraco já estava  feito.

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