terça-feira, 16 de julho de 2013

Autobiografia de Irundy Dias (páginas 5 e 6

Enquanto a nossa vida seguia rotineira, Papai por sua vez, já formado, ficava procurando locais onde  trabalhar na nova  profissão, pois assim que terminou a Faculdade de Medicina, afastou-se  da Casa de ferragens Eduardo Fernandes. O primeiro convite veio de Maragogipe, através de uma carta de tia Dedé, irmã de Mamãe, explicando que  em sua cidade estava necessitando de mais médicos, pois aqueles existentes  não davam conta do recado, pois só a fábrica de charutos e cigarrilhas Suerdick, com inúmeros empregados de forma  direta e indireta, absorvia uma grande quantidade de pessoas. Papai, ao invés de ir só, achou de nos levar em sua companhia. Ressalte-se também, que a minha irmã  mais nova, de nome Nair, havia falecido há poucos dias atrás. Então a nossa família composta com Papai, Mamãe, Aryolinda e eu seguimos para uma primeira aventura.
Ficamos hospedados na própria casa de tia Dedé, esposa de tio Anísio, que  já estava com os seguintes filhos: Fernando, Dalva, Orlando, Diva e Nelson.
Lembro-me muito bem, que a casa era assobradada e ficava próxima à padaria de tio Anísio onde pela manhã,  íamos assistir os operários pisotear a massa  dos pães, que era envolta por um tipo de pano bem grosso, para que não houvesse contato  dos pés deles com a massa. Dali, a massa era levada aos cilindros, até que ficasse no ponto de ser levado ás mesas, onde era cortada nos tamanhos desejados para os diversos tipos de pães. Havia também um rudimentar fabrico de caramelos. Nesse mister, Fernando e Orlando iam a escola pela manhã, enquanto à tarde, já com os pães prontos, ficávamos atrás do balcão, ajudando a tio Anísio a vendê-los.
Recordo-me de uma passagem INUSITADA: na hora do almoço, estávamos à mesa: Fernando,
Dalva, Orlando, Diva e Nelson assistido pela babá e eu. Alimentávamos de uma lauta feijoada, quando em dado momento, Dalva saiu da mesa correndo em direção ao primeiro quarto perto da sala  e de lá gritou bem alto para que todos ouvissem:
---Achei um CABELOUROI!  Achei um  CABELOURO !    Venha ver Diva!  Venha ver Diva!

INUSITADA: Que não é comum aos padrões conhecidos, Ocorrência incomum no dia a  dia .

CABELOURO: ligamento  que vai da cabeça  à   extremidade  da coluna  vertebral   do boi.
No folclore brasileiro, quem comer  cabelouro , fica bonito  e especialmente se mastigá-lo  atrás da porta.
Obs: Quando começa a vaidade da criança. Dalva, minha prima, estava com uma idade aproximadamente entre 8 a 9 anos.

                                                                     5




Quando o tempo estava bom, íamos até o cais assistir a chegada do VAPOR, que fazia  a linha Salvador- Cachoeira e vice-versa. Interessante será frisarmos que o referido meio de transporte, só poderia passar por ali, quando a maré estivesse cheia, pois do contrário, ficaria correndo o risco de encalhar  na areia. Era uma festa para todos nós, vermos umas pessoas chegando de viagem, enquanto outras embarcavam.  Quando a maré estava baixa e que a areia estava descoberta, o pessoal dizia:
--- Vamos até as coroas tomar banho?
Ir até as coroas só fui uma vez e assim mesmo de canoa.  Embora aquela parte da água pertencesse ao rio Paraguaçu, o seu sabor era salgado, devido a presença forte do Oceano Atlântico.
Depois de uns dois meses de experiência, tudo voltou à estaca zero.
Tio Anísio com fortes tendências políticas quis fazer uma média com os seus amigos e compadres e certo dia, Papai negou-se a  atender  a  um dos seus pedidos, advindo  um certo desentendimento entre ambos e daí foi arrumar as malas de volta a Salvador, em meados de 1937. Em setembro ganhei  o primeiro irmão, cujo nome foi Silvio Caetano em  homenagem ao Santo. Ressalte-se que depois de mim, nasceram três irmãs.
Com essa reviravolta, saí prejudicado, pois não fui à escola nesse ano e no  seguinte, ou seja em 1938, recomeçaria os estudos para fazer o segundo ano primário.
Quando 1938 começou e quando pensávamos que mais um ano iria embora, eis quem chega a Salvador, depois de mais uma de suas eternas viagens pelo sertão de Bahia e norte de Minas. Tio Júlio Dantas, esposo de Tia Edite, outra irmã de Mamãe. Com grandes ideias, para Papai, primeiramente fizeram uma reunião familiar, entre tio Júlio, tia Edite, Papai e Mamãe.
Depois de ouvirem todos os pormenores, sobre o local, o tipo de viagem que iriam fazer a acomodação e mais alguns detalhes essenciais, Mamãe se fez ouvir:
---Tudo bem, mas dessa vez Ary irá só, para não acontecer de novo, como ocorreu em Maragogipe. Se você gostar, na sua próxima viagem irá a família toda. Em caso contrário, partiremos a uma nova aventura.
Com tudo planejado, tio Júlio pediu  um tempinho, enquanto ele se organizava , junto às casas comerciais que  ele representava, preparando os seus mostruários. Nesses mostruários, existiam mercadorias de tamanho maior e outros menores. As primeiras eram negociadas apenas pelos mostruários, enquanto as outras eram de pronta entrega.
Enquanto esperavam tio Júlio, que levava dias providenciando os seus contatos, Papai e tio Rubens (outro irmão de Mamãe), ficavam dias e dias, ouvindo as transmissões da Copa do Mundo de futebol, através do rádio Mullard, pertencente a Vovô Manta.
Papai e tio Rubinho não se comunicavam pelos seus próprios nomes e sim, pelo apelido “jaco”, que nunca soube o que significava. Lembro-me bem de um pequeno diálogo travado entre os dois, a respeito de um jogo da referida Copa.


                                                                         6

Nenhum comentário:

Postar um comentário