Enquanto a nossa vida seguia rotineira, Papai por sua vez,
já formado, ficava procurando locais onde
trabalhar na nova profissão, pois
assim que terminou a Faculdade de Medicina, afastou-se da Casa de ferragens Eduardo Fernandes. O
primeiro convite veio de Maragogipe, através de uma carta de tia Dedé, irmã de
Mamãe, explicando que em sua cidade
estava necessitando de mais médicos, pois aqueles existentes não davam conta do recado, pois só a fábrica
de charutos e cigarrilhas Suerdick, com inúmeros empregados de forma direta e indireta, absorvia uma grande
quantidade de pessoas. Papai, ao invés de ir só, achou de nos levar em sua
companhia. Ressalte-se também, que a minha irmã
mais nova, de nome Nair, havia falecido há poucos dias atrás. Então a
nossa família composta com Papai, Mamãe, Aryolinda e eu seguimos para uma primeira
aventura.
Ficamos hospedados na própria
casa de tia Dedé, esposa de tio Anísio, que já estava com os seguintes filhos: Fernando,
Dalva, Orlando, Diva e Nelson.
Lembro-me muito bem, que a casa
era assobradada e ficava próxima à padaria de tio Anísio onde pela manhã, íamos assistir os operários pisotear a
massa dos pães, que era envolta por um
tipo de pano bem grosso, para que não houvesse contato dos pés deles com a massa. Dali, a massa era
levada aos cilindros, até que ficasse no ponto de ser levado ás mesas, onde era
cortada nos tamanhos desejados para os diversos tipos de pães. Havia também um
rudimentar fabrico de caramelos. Nesse mister, Fernando e Orlando iam a escola
pela manhã, enquanto à tarde, já com os pães prontos, ficávamos atrás do
balcão, ajudando a tio Anísio a vendê-los.
Recordo-me de uma passagem INUSITADA: na hora do almoço, estávamos à mesa:
Fernando,
Dalva, Orlando, Diva e Nelson
assistido pela babá e eu. Alimentávamos de uma lauta feijoada, quando em dado
momento, Dalva saiu da mesa correndo em direção ao primeiro quarto perto da
sala e de lá gritou bem alto para que
todos ouvissem:
---Achei um CABELOUROI! Achei um
CABELOURO ! Venha ver Diva! Venha ver Diva!
INUSITADA:
Que não é comum aos padrões conhecidos, Ocorrência incomum no dia a dia .
CABELOURO:
ligamento que vai da cabeça à
extremidade da coluna vertebral
do boi.
No folclore brasileiro, quem
comer cabelouro , fica bonito e especialmente se mastigá-lo atrás da porta.
Obs: Quando começa a vaidade da
criança. Dalva, minha prima, estava com uma idade aproximadamente entre 8 a 9 anos.
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Quando o tempo
estava bom, íamos até o cais assistir a chegada do VAPOR, que fazia a linha Salvador- Cachoeira e vice-versa.
Interessante será frisarmos que o referido meio de transporte, só poderia
passar por ali, quando a maré estivesse cheia, pois do contrário, ficaria
correndo o risco de encalhar na areia.
Era uma festa para todos nós, vermos umas pessoas chegando de viagem, enquanto
outras embarcavam. Quando a maré estava
baixa e que a areia estava descoberta, o pessoal dizia:
--- Vamos até
as coroas tomar banho?
Ir até as coroas
só fui uma vez e assim mesmo de canoa.
Embora aquela parte da água pertencesse ao rio Paraguaçu, o seu sabor
era salgado, devido a presença forte do Oceano Atlântico.
Depois de uns
dois meses de experiência, tudo voltou à estaca zero.
Tio Anísio com
fortes tendências políticas quis fazer uma média com os seus amigos e compadres
e certo dia, Papai negou-se a
atender a um dos seus pedidos, advindo um certo desentendimento entre ambos e daí
foi arrumar as malas de volta a Salvador, em meados de 1937. Em setembro
ganhei o primeiro irmão, cujo nome foi
Silvio Caetano em homenagem ao Santo.
Ressalte-se que depois de mim, nasceram três irmãs.
Com essa
reviravolta, saí prejudicado, pois não fui à escola nesse ano e no seguinte, ou seja em 1938, recomeçaria os
estudos para fazer o segundo ano primário.
Quando 1938
começou e quando pensávamos que mais um ano iria embora, eis quem chega a
Salvador, depois de mais uma de suas eternas viagens pelo sertão de Bahia e
norte de Minas. Tio Júlio Dantas, esposo de Tia Edite, outra irmã de Mamãe. Com
grandes ideias, para Papai, primeiramente fizeram uma reunião familiar, entre
tio Júlio, tia Edite, Papai e Mamãe.
Depois de
ouvirem todos os pormenores, sobre o local, o tipo de viagem que iriam fazer a
acomodação e mais alguns detalhes essenciais, Mamãe se fez ouvir:
---Tudo bem,
mas dessa vez Ary irá só, para não acontecer de novo, como ocorreu em
Maragogipe. Se você gostar, na sua próxima viagem irá a família toda. Em caso
contrário, partiremos a uma nova aventura.
Com tudo
planejado, tio Júlio pediu um tempinho,
enquanto ele se organizava , junto às casas comerciais que ele representava, preparando os seus
mostruários. Nesses mostruários, existiam mercadorias de tamanho maior e outros
menores. As primeiras eram negociadas apenas pelos mostruários, enquanto as
outras eram de pronta entrega.
Enquanto
esperavam tio Júlio, que levava dias providenciando os seus contatos, Papai e
tio Rubens (outro irmão de Mamãe), ficavam dias e dias, ouvindo as transmissões
da Copa do Mundo de futebol, através do rádio Mullard, pertencente a Vovô
Manta.
Papai e tio
Rubinho não se comunicavam pelos seus próprios nomes e sim, pelo apelido “jaco”,
que nunca soube o que significava. Lembro-me bem de um pequeno diálogo travado entre os dois,
a respeito de um jogo da referida Copa.
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